A trágica queda da "rainha" Park na Coreia do Sul

O Tribunal Constitucional ditou o afastamento da Presidente sul-coreana, envolvida num caso de corrupção. A sua história pessoal confunde-se com a política recente do país. Para o bem e para o mal.

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Apoiante de Park Geun-hye frente ao Trbunal Constitucional, em Seul Kim Hong-Ji/REUTERS

Os oito juízes do Tribunal Constitucional não tiveram dúvidas e decidiram destituir a Presidente sul-coreana, Park Geun-hye, envolvida num escândalo de corrupção sem precedentes no país. É o culminar de uma crise que pôs a nu os vícios e as relações tóxicas entre a política e os negócios na Coreia do Sul, e que pode abrir caminho a uma acusação formal contra Park. É também o início do fim de uma vida trágica como poucas.

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Os oito juízes do Tribunal Constitucional não tiveram dúvidas e decidiram destituir a Presidente sul-coreana, Park Geun-hye, envolvida num escândalo de corrupção sem precedentes no país. É o culminar de uma crise que pôs a nu os vícios e as relações tóxicas entre a política e os negócios na Coreia do Sul, e que pode abrir caminho a uma acusação formal contra Park. É também o início do fim de uma vida trágica como poucas.

A destituição da Presidente sul-coreana obrigava-a a abandonar de imediato a Casa Azul, o complexo de edifícios de estilo tradicional que alberga a sede da presidência em Seul, mas não foi isso que a política caída em desgraça fez. Irá permanecer na residência oficial enquanto não estiverem asseguradas as condições de segurança na sua nova casa, informou um porta-voz. Nos próximos dias, Park deverá recordar-se da última vez que foi forçada a abandonar a Casa Azul, na altura por razões igualmente dramáticas.

A história pessoal de Park Geun-hye confunde-se com a da casa que é agora obrigada a abandonar e, na verdade, com a história do país do qual foi a primeira mulher Presidente e a primeira a ser destituída.

Foi em Outubro de 1979 que Park, então com 27 anos, saiu da Casa Azul, onde tinha passado praticamente toda a sua adolescência. O pai, o general Park Chung-hee, tinha sido assassinado pelo próprio chefe da segurança, pondo fim a uma governação com mão de ferro que durava desde o início dos anos 1960.

A tragédia parece ter sempre acompanhado de perto a vida de Park. Poucos anos antes, em 1974, tinha perdido a mãe, morta por uma bala disparada por um agente norte-coreano que tinha como objectivo o pai. Park, que na altura estudava em França, regressou a Seul, passando a exercer as funções de primeira-dama.

Foi nesta época que travou conhecimento com uma personagem sinistra. Choi Tae-min era o fundador de uma obscura seita religiosa e tornou-se numa espécie de “mentor espiritual” do Presidente. À jovem Park chegou a dizer que tinha falado em sonhos com sua mãe acabada de morrer e os dois tornaram-se muito próximos. A filha do ditador também se tornou amiga da filha do religioso, Choi Soon-sil, mal sabendo que estaria a vincular-se a uma amizade com potencial destrutivo.

Depois de o general Park morrer, a sua filha saiu do olhar público durante quase duas décadas, para voltar a emergir nas eleições legislativas de 1998, quando foi eleita pela primeira vez para o Parlamento. Depressa conseguiu impor-se no Grande Partido Nacional, contribuindo para isso a sua popularidade crescente, ancorada num sector da sociedade que guardava uma imagem positiva do general Park. A discussão do seu legado gera ainda hoje muita controvérsia, entre os que não esquecem a forma autoritária e violenta como governou durante duas décadas, e os que o vêem como o grande artífice pelo chamado “milagre do Rio Han” – o nome pelo qual é conhecido o período de crescimento económico da Coreia do Sul que atirou o país para o grupo das potências económicas.

Casada com o país

À frente do partido, Park consegue bons resultados em várias eleições, que lhe valeram a alcunha de “rainha das eleições”. Para isso, não se coíbe de referir a sua história pessoal. “Depois de ter perdido tragicamente os meus pais por causa de balas assassinas” era uma das expressões que utilizava para iniciar alguns discursos, lembra a AFP.

A grande vitória surge em 2012, quando vence de forma surpreendente as eleições presidenciais – com o resultado mais expressivo da época democrática –, tornando-se na primeira mulher a tornar-se chefe de Estado de um país do Extremo Oriente.

Regressou à Casa Azul como saiu – sozinha. Não casou nem teve filhos, não era sequer próxima da sua restante família. “Sou casada com a República da Coreia”, chegou a declarar. Este discurso foi bem recebido pelo eleitorado, cansado de assistir a casos de familiares de antigos presidentes envolvidos em esquemas de corrupção.

A popularidade de Park sofre um grande abalo com o naufrágio do ferry Sewol, a 16 de Abril de 2014, em que morreram mais de 300 pessoas. As autoridades foram criticadas pela lentidão a reagir ao incidente, que revelou também uma grande teia de corrupção. Mas foi a atitude de Park, que demorou várias horas a reagir publicamente à tragédia, a ficar gravada na memória dos sul-coreanos. Ainda hoje se falam das “sete horas desaparecidas”, o período durante as quais o paradeiro de Park foi desconhecido, com algumas suspeitas de que teria estado num cabeleireiro.

Durante o seu mandato, Park revelou uma postura pouco dialogante – dava apenas uma conferência de imprensa por ano, por exemplo – com alguns traços de intransigência. A pressão para que se demitisse na sequência das revelações do caso de corrupção que envolveu a sua amiga Choi foi fortíssima. Durante 19 semanas, milhões de pessoas encheram as ruas de Seul a exigir o seu afastamento. Quis ficar até ao fim. E, como há 38 anos, irá voltar a sair sozinha da Casa Azul.