Centeno ganha aliados para esvaziar Banco de Portugal
Novo modelo - proposto por Carlos Tavares e anunciado por Mário Centeno - vai retirar ao supervisor - liderado por Carlos Costa - a decisão sobre resolução de bancos. Banco de Portugal vai ainda deixar de ser a autoridade que garante a estabilidade do sistema financeiro no seu conjunto.
O processo de mudança na supervisão bancária ainda vai ser demorado, mas para já, as propostas não chegaram ao debate com o pé errado. O Governo quer retirar poderes ao Banco de Portugal, a esquerda não ficou desagradada, a oposição tem dúvidas mas admite discutir essas ideias e Mário Centeno não disse que não a propostas do CDS. Contudo, as mudanças na “arquitectura institucional” do Banco de Portugal ainda vão demorar meses a ver a luz do dia.
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O processo de mudança na supervisão bancária ainda vai ser demorado, mas para já, as propostas não chegaram ao debate com o pé errado. O Governo quer retirar poderes ao Banco de Portugal, a esquerda não ficou desagradada, a oposição tem dúvidas mas admite discutir essas ideias e Mário Centeno não disse que não a propostas do CDS. Contudo, as mudanças na “arquitectura institucional” do Banco de Portugal ainda vão demorar meses a ver a luz do dia.
A proposta do Governo, de que Mário Centeno deu ontem a conhecer as linhas gerais, é uma mudança no modelo da supervisão do sistema bancário. O Governo – baseando-se num relatório encomendado ao ex-presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Carlos Tavares – quer retirar ao Banco de Portugal os poderes de autoridade macroprudencial (que supervisiona os riscos económicos e financeiros para a estabilidade do sistema como um todo) e os poderes de entidade de resolução, ou seja, a decisão se um banco deve ou não ser resolvido, como aconteceu com o BES e com o Banif, e depois o que fazer às entidades que daí resultarem.
A intenção do Governo é passar estas duas áreas de supervisão para uma entidade nova que assegure a “troca vinculativa de informações e a coordenação da actuação das autoridades de supervisão, substituindo o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros e o Conselho Nacional de Estabilidade Financeira”. Esta nova entidade, ainda sem nome, “terá a responsabilidade última pela estabilidade financeira, deverá ter as funções de autoridade macroprudencial e autoridade nacional de resolução”, disse o ministro. Contudo, apesar de passar a ser presidida por um independente, terá na sua administração representantes dos supervisores nacionais.
Parte desta solução decorre de legislação europeia que estipula a divisão entre a autoridade de supervisão e a entidade de resolução. E vai também ao encontro das intenções do próprio Governador que defendeu que o BdP não deveria ser a entidade que decide sozinho sobre o futuro de um banco e depois a entidade que o vende. Para esta mudança, garante o gabinete de Centeno, não é preciso o aval do Banco Central Europeu, uma vez que é lei interna que vai ao encontro da legislação europeia e segue exemplos noutros países como a Holanda ou a França.
Significa isto que o Governo quer esvaziar as competências do BdP numa altura em que aumentam o tom das críticas a Carlos Costa pondo em causa a sua independência? Centeno garante que não. Disse no debate que ontem aconteceu na Assembleia da República a pedido do CDS que “a responsabilidade pela estabilidade financeira é do Governo e do Ministério das Finanças”.
Ao PÚBLICO, o porta-voz do PS, João Galamba, nega esta ideia até porque “além da política monetária, o BdP manterá sempre competências muito significativas na supervisão microprudencial [análise individual dos bancos], que constitui o grosso da autoridade de supervisão do Banco de Portugal”. Contudo, desde que está em vigor o Mecanismo Único de Supervisão em Portugal, a vigilância microprudencial dos bancos significativos já está na alçada do BCE.
As ideias de Centeno não desagradam ao BE, apesar de o partido ter a sua própria proposta que vai mais longe na retirada de poderes ao BdP, criando duas entidades fora do perímetro do BdP para a supervisão prudencial por um lado e para a comportamental por outro (o chamado twin peaks). Uma solução que foi mencionada, ainda que indirectamente, pelo próprio Centeno no discurso inicial, quando disse que "há que ter em conta que existe já uma integração significativa da supervisão comportamental na CMVM".
“É um passo importante no sentido de resolver um problema de forma estrutural”, resumiu Mariana Mortágua ao PÚBLICO.
Para Miguel Tiago, do PCP, "a segregação de funções no âmbito da supervisão não resolve o problema. Acrescentar regras e mecanismos à supervisão apenas cria a sensação de que é possível resolver o problema sem o controlo público da banca. Contudo, todas as medidas que, não sendo o controlo público, melhorem o controlo e a supervisão não merecem rejeição do PCP".
A direita tem dúvidas no modelo de supervisão apresentado, mas admite discutir o modelo. A proposta do Governo “não é incompatível” com as do CDS. “Há disponibilidade para um debate sério”, defendeu João Almeida do CDS. Já pelo PSD, Leitão Amaro levantou dúvidas sobre a retirada do poder de resolução ao BdP até porque “nenhum modelo vai garantir zero erros, zero falhas” e coloca travões a qualquer proposta que faça a tentativa de “violar, atacar e condicionar a independência” dos reguladores.
Além destas propostas sobre a supervisão bancária, haverá um conjunto de propostas sobre a nomeação do governador ou sobre a relação dos bancos com os clientes quer do CDS, como também do BE e do PS. O ministro abriu a porta às propostas do CDS. “Muitas das ideias apresentadas pelo CDS têm uma enorme virtude que é trazer a debate questões relevantes para a economia nacional e para o sistema financeiro”, disse.
O processo não será fácil e demorará alguns meses. Centeno admite dificuldades na transição de modelos e por isso quer que a discussão seja demorada: nas próximas semanas apresentará o relatório de Carlos Tavares e durante três meses ficará em discussão até se conhecerem as propostas finais.
Demitir Carlos Costa?
O BE vai avançar com um projecto a recomendar ao Governo que avance com o processo para a destituição de Carlos Costa. Mas, apesar das críticas ao governador, o PS não vai acompanhar os bloquistas no pedido de demissão.
Fonte do partido garantiu ao PÚBLICO que os deputados do PS votarão contra esta proposta uma vez que para o PS uma coisa é criticar a actuação do governador, outra é encetar um processo de demissão e substituição do governador quando há vários dossiers sobre banca para fechar. Com Sofia Rodrigues