Drake e The Weeknd: superestrelas também em palco

São de Toronto, Canadá, mas foi no gigante mercado americano que se posicionaram e a partir daí conquistaram o mundo. Hoje são superestrelas globais, reflectindo o predomínio do hip-hop e R&B nas tabelas. Faltava-lhes conquistar os palcos, para lá caminham - constatámos em Amesterdão e em Paris.

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Olhava-se à volta para o público na arena L’ AccordHotels, em Paris, onde actuou The Weeknd, ou na Ziggo Dome, de Amesterdão, onde esteve Drake – espaços que albergam 20 mil pessoas e que se assemelham ao MEO Arena de Lisboa – e percebia-se heterogeneidade geracional, o mesmo sucedendo nos modos de estar, de vestir e na cor da pele. Hoje os dois canadianos são das forças mais consistentes da indústria, projectam uma aura de triunfo e apelam a um público transversal, pelo menos em contextos onde existe uma relação amadurecida com o hip-hop e o R&B, como acontece em França e Holanda.

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Olhava-se à volta para o público na arena L’ AccordHotels, em Paris, onde actuou The Weeknd, ou na Ziggo Dome, de Amesterdão, onde esteve Drake – espaços que albergam 20 mil pessoas e que se assemelham ao MEO Arena de Lisboa – e percebia-se heterogeneidade geracional, o mesmo sucedendo nos modos de estar, de vestir e na cor da pele. Hoje os dois canadianos são das forças mais consistentes da indústria, projectam uma aura de triunfo e apelam a um público transversal, pelo menos em contextos onde existe uma relação amadurecida com o hip-hop e o R&B, como acontece em França e Holanda.

Não espanta que Drake tenha boicotado a cerimónia dos Grammy, argumentado que não percebia porque é que a canção Hotline bling estava nomeada em rap e não nas categorias globais que transcendem géneros. Faz sentido. Sem renegar o rap, os seus principais referentes são figuras como Michael Jackson ou Prince, que foram capazes de exceder públicos e códigos circunscritos, como acontece na actualidade com ele. O mesmo sucede com The Weeknd. Hoje ouve-se dizer que o hip-hop e o R&B são a nova força motriz da indústria. Nada de novo. Há cerca de quinze anos que essa narrativa é repetida.

Pelo menos desde que as produções de Timbaland ou dos The Neptunes de Pharrell Williams, ou as acções de Missy Elliott e OutKast, principalmente a partir do início dos anos 2000, mostraram a uma nova geração que era possível conciliar desempenho comercial com legitimidade artística. Há trinta anos as tabelas de vendas dos dois lados do Atlântico eram dominadas pelos Def Leppard, Van Halen ou Scorpions. Há vinte podiam ser os U2 ou Rod Stewart. Hoje olhamos para as tabelas americanas e inglesas – ainda os barómetros da indústria – e vemos assiduamente Beyoncé, Rihanna, Future, Frank Ocean, Kanye West, Kendrick Lamar, Drake, The Weeknd e uma panóplia de renovados nomes do hip-hop, R&B ou soul.  E se olharmos para outras formas de avaliar o impacto da música hoje, como as vendas na rede, o número de visualizações e audições via plataformas como o YouTube ou a relação económica com a moda e a cultura visual, não chegaremos a conclusões diferentes.

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A voz de Drake é de uma precisão luxuriante e o aparato visual em Amsterdão — simples mas impactante, com balões suspensos que vão desenhando movimentos no espaço ou ocasionais explosões pirotécnicas — foi de grande eficácia

Drake foi o artista que mais vendeu em 2016, somando as vendas físicas e digitais, ficando à frente de David Bowie, Coldplay e Adele, numa lista onde entre os dez primeiros também encontramos The Weeknd, Beyoncé, Rihanna ou Prince. O  último álbum de Drake, Views (2016), alcançou 1, 1 mil milhões de reproduções na Apple Music, enquanto One dance foi a primeira canção a ser ouvida um mil milhão de vezes no Spotify, comunicou a Federação Internacional da Indústria Discográfica no final do ano transacto, com o director-executivo, Frances Moore, a afirmar que “o sucesso fenomenal” de Drake reflecte afinal “a atracção da sua música para uma gigantesca audiência em todo o mundo.”

No entanto é como se esse predomínio tivesse de ser constantemente reafirmado. Por um lado porque ainda existe dificuldade em olhar para a cultura hip-hop simplesmente como arte, sem as conotações simbólicas de afirmação identitária e de resistência que desde o início a marcaram. E não é apenas uma projecção lançada por quem está de fora. É também algo muitas vezes vivido como conflito a partir de quem está dentro, quando ainda preso a dicotomias de avaliação de desempenho (arte ou entretenimento, massas ou minorias, local ou global) que podem intersectar-se sem se contradizerem. Por outro lado, numa paisagem musical mais fragmentada, de inúmeros cultos que nem sempre se comunicam entre si, e dominada em parte por serviços como o Spotify, Apple Music, Tidal ou Amazon, é possível alcançar sucesso sem que os meios de comunicação ou parte do público tenha consciência disso.

A verdade é que nos últimos vinte anos o hip-hop disseminou-se, forjou tantas celebridades como o rock e é possível que hoje seja a mais festejada das culturas populares de vocação global. Mas num dos campos – o das digressões para multidões – pareceu ser sempre ultrapassado pelas figuras do rock, salvo algumas excepções. Mas até nisso o paradigma tem vindo a transformar-se, mesmo em países como Portugal, onde ainda é com timidez que as principais figuras do hip-hop ou R&B são recebidas em grandes palcos. Houve excepções nos últimos anos (De La Soul, Kanye West, Beyoncé, Rihanna, Timberlake ou Lamar), mas sente-se que, ao contrário do que acontece com outras tipologias, onde Portugal faz parte dos roteiros europeus, neste caso isso não é totalmente verdade.

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Em Paris, 20 mil pessoas, viram uma estrutura gigante erguer-se, como se fosse uma nave espacial da Guerra das Estrelas, e de repente Tesfaye, como que por artes mágicas, estava no meio da plateia, perante o delírio da multidão

O triunfo de Kendrick Lamar o ano passado no Super Bock Super Rock, depois de uma primeira incursão em 2014 no Nos Primavera Sound do Porto, e o anúncio de The Weeknd como cabeça-de-cartaz para a edição deste ano do Nos Alive de Lisboa (depois da ida ao Nos Primavera Sound de 2012) revelam que podemos estar a assistir também a mudanças nesse sentido.

Os próprios artistas sentem-no. Até há poucos anos as digressões europeias de nomes de vulto do hip-hop e R&B americano nem sempre eram prioridade. Hoje são-no. Drake, por exemplo, fez questão de trazer à Europa uma versão renovada da Boy Meets World Tour. Por outro lado estes nomes beneficiam do facto de existir um novo tipo de público para quem a relação ao vivo com a música não passar tanto pelo lado físico e sensorial, mas pelo estar lá, pela sensação de partilha e pela captação contínua de todos os instantes. Vive-se um concerto como quem olha para um videoclipe, mas no qual também se é participante activo. E a encenação tem isso em conta. Por vezes parece que estamos numa instalação interactiva de arte pop.

Drake, o romântico que domina o espaço

Em 2015, o jornalista Jon Caramanica escrevia no New York Times, a propósito do videoclipe de Hotline bling, um dos mais vistos de sempre no YouTube, que nenhuma celebridade percebia tão bem as obsessões da internet como Drake. O argumento era que, na sua simplicidade e concisão, dos passos de dança à encenação visual – assumidamente inspirada nas magníficas instalações de luz do artista americano James Turrell – tudo era feito para que o vídeo pudesse ser recriado e colocado noutros contextos, como se fosse uma obra assumidamente deixada em aberto, num convite à interacção com admiradores.

Um espectáculo ao vivo de Drake é também isso. O centro das atenções é ele. A acompanhá-lo apenas um teclista e baterista que na maior parte do tempo estão na penumbra. No início parece que a arena esgotada irá engolir aquele corpo. Não é apenas o espaço que parece demasiado para um homem só, são também os ritmos em câmara lenta de temas como Trophies, Started from the bottom ou Hyfr (hell ya fucking right), que se insinuam na fase inicial, que parecem vagarosos. Aliás, a maior parte dos temas são sugeridos de forma semelhante: ouve-se um motivo melódico identificativo, institui-se a atmosfera e geram-se batimentos cardíacos suaves. Mesmo em temas como 9 ou Still here os movimentos são conduzidos até ao mínimo e as harmonias são sempre encaixadas no todo de forma enxuta.  

E a magia acontece. Não só porque a música cria relação com a multidão que balança como se fosse uma coreografia ensaiada, como a voz de Drake é de uma precisão luxuriante e o aparato visual – simples mas ao mesmo tempo impactante, com balões suspensos que vão desenhando movimentos no espaço ou ocasionais explosões pirotécnicas – é de grande eficácia. E depois existem os seus dotes de comunicação entre canções, com alusões à boémia da cidade e às mulheres entre o público, o seu tema preferido quando compõe, em exaltações à sensualidade feminina e outras menções directas à performance sensual, tanto incorporando o papel do sedutor na sua forma polida ou incisiva, sabendo debitar com agressividade ou cantar suavemente.

Antes de Amesterdão, tinha estado em Londres, para oito noites seguidas de lotações esgotadas – numa delas resolveu mesmo devolver o dinheiro dos bilhetes, depois do público ter visto cair o convidado Travis Scott – onde estiveram vários activistas do grime. Em Amesterdão deu espaço para a intervenção vocal impetuosa do inglês Giggs, com os sons saturados do rap de Whippin excursion a fazerem-se ouvir, havendo também lugar para algumas alusões às sonoridades jamaicanas do dancehall.

Mas claro que os grandes momentos foram os sucessos, como Hotline bling, com toda a gente de telemóvel em riste apontando-o para o protagonista, nessa altura cantando e dançando na extensão do palco que entrava pela plateia adentro. O mesmo sucedeu na interpretação de Work e nas mais ritmadas Too good e Take care, os temas com Rihanna que fizeram crescer os rumores que haveria romance no ar entre os dois (antes da imprensa se concentrar em Jennifer Lopez), e especialmente em One dance, com o palco a ser invadido por uma série de bailarinas, enquanto os balões criam movimentos ondulantes. Mais do que um espectáculo monumental de luzes, parece uma instalação artística que rodeia uma figura imperial.

Por vezes é difícil perceber que canções se ouvem, de tal forma se justapõem, como acontece quando mistura uma série de temas em contínuo, como All me com No lie e Versage com I’m on one ou Miss me, tudo de uma só vez, no meio das alusões à participação do público, correndo pelas pontas do palco: “Preciso de amor do lado esquerdo”, lança, antes de se dirigir ao centro e, depois, ao lado direito, para repetir a mesma solicitação. Na introdução de Still here ouvimo-lo dizer “i did it by myself”, mas se existe alguém que sabe que o seu sucesso implica uma grande equipa – do director criativo Oliver El-Khatib ao produtor Noah ‘40’ Shebib – e inúmeras colaborações ao longo dos anos, é ele.

Quando entra em terrenos mais próximos do rap convencional ouvem-se disparos de pistolas e pirotecnias, e o ecrã gigante disposto no palco exibe algumas imagens urbanas, como se quisesse mostrar que apesar de ser oriundo da classe média canadiana, também é capaz de reflectir as convenções mais tipificadas do género. Na última fase do concerto posiciona-se no meio da plateia, rodeando uma bola gigante em forma de planeta disposta no centro da arena, mudando de cor, enquanto ele gira em volta do seu mundo, por vezes autocentrado, mas também capaz fazer de rapper sensível que proclama Know yourself.

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Os dois canadianos projectam uma aura de triunfo e apelam a um público transversal — como vimos em concertos na França e na Holanda John Phillips/Getty Images
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Jeff Kravitz/FilmMagic

No final são quase duas horas de um magnífico espectáculo, mais de três dezenas de canções que celebram um percurso de sucesso iniciado não como rapper ou cantor, mas como actor. Foi em 2001 que Aubrey Drake Graham, 30 anos, meio-negro da parte do pai, meio-judeu da parte da mãe, se tornou numa estrela da TV canadiana, como protagonista na série Degrassi: The Next Generation. Nessa altura vivia num ambiente aparentemente protegido, com a mãe, professora, em Toronto.

Oito anos mais tarde começou a recriar emocionalmente o hip-hop, conseguindo ser tão convincente a debitar rimas como envolvente a cantar, acabando por abrir caminho também para a renovação do R&B (Miguel, Frank Ocean, The Weeknd). Essa ambivalência identitária e musical acaba por estar também presente nas letras onde tanto reflecte sobre o seu sucesso, como por vezes se coloca no papel do outro em baladas sobre as tormentas do amor. Essa adaptabilidade, como lhe chama o jornalista e crítico Simon Reynols, faz parte do seu sucesso.

Está longe de ser politizado. Mas até isso não faltou em Amesterdão, com uma referência a Donald Trump, apesar de nunca o nomear de uma forma directa: “Existem pessoas por aí a tentar separar-nos, a tentar que nos viremos uns contra os outros, mas olhem à volta, estão aqui pessoas de todos os lugares e raças, e é isso que temos de mostrar a essas pessoas, celebrando o amor, a vida e a música. Ninguém nos vai dividir!”

Desde o início, na mixtape So Far Gone (2009), ou nos álbuns Thank Me Later (2010), Take Care (2011), Nothing Was The Same (2013) e Views (2016), que era visível conforto na forma como navegava entre arquétipos, sem ter necessidade de se fixar. Ao vivo consegue o mesmo efeito. Às vezes é estilizado e nocturno, existindo na sua forma de cantar contenção, como se tivesse mais coisas para confessar do que para disparar, com a música a preservar intimidade. Nesses temas os ritmos resvalavam para a câmara lenta, com ambientes melancólicos e uma forma de se posicionar que eleva a introspecção. Outras vezes agita as massas O que é extraordinário é que por vezes a sua música parece que se vai diluir em algo anódino e no entanto resulta totalmente aditiva.

Em disco, nos vídeos ou em palco, esse parece ser o seu segredo, conseguindo posicionar-se num espaço suficientemente dilatado, passível das mais diversas leituras, onde qualquer um se pode projectar na sua música e imaginário.

The Weeknd, o astro sexual à solta  

Ao longo dos últimos anos Drake e Abel Tesfaye, 27 anos, ou seja o rosto por detrás da identidade The Weeknd, têm-se cruzado com  assiduidade. Em 2010 Drake acabou por ter um papel relevante na eclosão de Tesfaye, dando-o a conhecer a uma audiência mais vasta no seu blogue. Depois a relação tornou-se mais ambígua, apesar de terem participado em projectos comuns, com Tesfaye a entrar no álbum Take Care (2011), mas depois a recusar-se a assinar pela editora de Drake, a OVO Sound, como parecia ser a expectativa daquele.

Nunca existiu hostilidade declarada entre os dois, mas os rumores fizeram-se sentir. Se tal aconteceu, parece pacificado, inclusive já se encontraram em palco na presente digressão europeia, numa das datas alemãs de Drake. Num universo como aquele em que se movimentam as colaborações e a competição coexistem. No seu caso não é diferente, tendo crescido na mesma cidade, escolhendo hoje a Califórnia como poiso principal e sendo ambos bem-sucedidos, com Tesfaye a ter nos últimos anos uma ascensão meteórica. Basta recordar que, em 2012, actuou num dos palcos mais ocultos do Nos Primavera Sound do Porto. Nessa altura a música, algures entre o R&B, o hip-hop e a electrónica, parecia de laboratório, mas em palco apresentou uma orgânica e dinamismo surpreendentes, com a voz em falsete entrecortada por guitarras ruidosas e um balanço rítmico poderoso.

Surpreender, parece ser aliás o seu lema. Durante muito tempo não queria que se soubesse a sua identidade. Quando começou a ser notado, para além dos círculos minoritários, em 2011, depois de ter três mixtapes (House Of Balloons, Thursday e Echoes Of Silence), que originariam o primeiro álbum, Trilogy (2012), poucos sabiam se estávamos perante um grupo ou um solista. Ele era apenas aquela voz, alguns videoclipes libidinosos e letras confessionais que pareciam ter sido criadas por uma personalidade excessiva e autodestrutiva, com alusões à noite, ao sexo, a alguma depravação ou às drogas. A envolver tudo isto, climas assombrados, mudanças bruscas de temperatura, num tipo de produção obsessiva que tendia tanto para o minimalismo como para o erotismo.

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Drake foi o artista que mais vendeu em 2016, somando as vendas físicas e digitais, ficando à frente de Bowie, Coldplay e Adele, numa lista onde entre os dez primeiros também encontramos The Weeknd
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Num par de meses aquilo que era uma aventura marginal, da idade da internet, tornou-se num fenómeno transversal e os álbuns seguintes – Kiss Land (2013) e Beauty Behind The Madness (2015) – reflectiam-no, numa radiografia compulsiva de como o sucesso havia alterado a sua vida privada, num misto de quartos de hotel, sexo e lascívia, cantados por uma tonalidade vocal cada vez mais análoga à de Michael Jackson.

Os tempos em que não queria sequer ser olhado já lá vão. Agora o título-tema do último álbum, Starboy (2016), pulveriza recordes de streaming no Spotify e é perseguido pelas revistas de celebridades, que deliram com os romances (depois da modelo Bella Hadid, é agora a cantora Selena Gomez) e o facto de ter acabado com o seu penteado escultural é analisado com detalhe.  

Ele que cresceu nos subúrbios de Toronto, filho de pais provenientes da Etiópia, criado com dificuldades pela mãe e avó, acabou por ser salvo pela internet, ou pelo menos assim o descreve. No início, eram os filmes que o atraíam, de preferência psicologicamente perturbadores, como alguns de David Cronenberg, o que ouvindo alguns temas faz sentido. Escrevia guiões, queria fazer filmes, estranhos, fantásticos, assombrados. Acabou por colocar tudo isso na música. No quarto tentava cantar como Jackson. No computador criava batidas claustrofóbicas. Acabou a fazer uma espécie estranha de R&B.

O volte face, em direcção ao sucesso massivo, aconteceu com Love me harder, o dueto de 2014 com Ariana Grande. Até aí era um homem de culto. A partir daí desenhou-se a celebridade. Percebeu que poderia fazer música para um público mais alargado, sem perder o controlo artístico. O seu sonho? Ser tão grande como Michael Jackson ou Prince.

Esse desejo de conquistar o centro do mercado nunca foi tão assumido como no último álbum, Starboy, com participações dos Daft Punk, Kendrick Lamar ou Lana Del Rey, e agora na digressão Starboy – Legend Of The Fall, que teve a sua quinta data em Paris, percorrendo nos próximos meses a Europa, América do Sul, EUA e Canadá, seguindo-se depois alguns festivais de Verão, como acontecerá em Julho com Portugal. 

Em Paris, 20 mil pessoas, viram uma estrutura gigante erguer-se, como se fosse uma nave espacial da Guerra das Estrelas, e de repente Tesfaye, como que por artes mágicas, estava no meio da plateia, perante o delírio da multidão, incitando-a com uma energia apoteótica, com uma banda de três irrequietos músicos lá atrás a criarem a muralha sonora para All i know, Party monster ou Reminder. É difícil de acreditar que há anos criava um R&B electrónico obscurecido e que mal sabia estar em palco. Ali todo ele é desenvoltura, comandando a audiência. Ao contrário de Drake, aqui não existem pausas. É um espectáculo dinâmico, esgotante, com Tesfaye sempre no estrado que entra pela plateia adentro, forma de estar mais próximo do público.

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Karl Walter/Getty Images
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A cenografia é monumental, com a estrutura gigante a adoptar diferentes configurações ao longo da noite, sugerindo os mais diversos movimentos, apesar da sua dimensão, com Tesfaye, incansável, percorrendo-a ao longo de quase duas horas. Não espanta que antes do início da digressão, tenha proferido declarações comparando o presente espectáculo a uma ópera, no sentido da grandeza, mas também da totalidade artística.

Ao longo da noite não faltam os temas que toda a gente conhece, como a balada Earned it (da banda-sonora do filme As Cinquenta Sombras de Grey), Starboy (sem os Daft Punk, como aconteceu nos Grammys), ou as batidas pop-funk-house de Secrets e Can’t feel my face, com toda a gente de mãos no ar, transformando o espaço numa imensa discoteca, o que voltará a acontecer quando é tocado I feel it coming com ligeiros ambientes ‘disco’.

Mas também existe espaço para momentos de electro ou baladas R&B com os ambientes tortuosos do passado recente, e até para uma abordagem a Crew love de Drake. Em The Hill, ouvimo-lo cantar “When i’m fucked up, that’s the real me”, e existem alusões eróticas detalhadas pelo meio, mas todo esse lado sinuoso é suplantado pela sensualidade narcótica de temas como Often ou o sucesso Low life (de Future), com toda a gente a cantar em uníssono, ou pela energia de False alarm, com os músicos atrás de si a entrarem numa cavalgada próxima do rock.  

Um dos momentos altos aconteceu quando entrou em cena, de surpresa, Travis Scott, para um momento de loucura colectiva na interpretação de Antidode e Goosebumps, num concerto que teve muito mais hedonismo do que introspecção. O que não espanta. Tal como aconteceu com Drake, a sua vida mudou nos últimos anos. Até mais. Passou de partilhar um quarto exíguo com a mãe e a avó para as suites dos hotéis de cinco estrelas do globo. Hoje tudo o que faz reflecte a sua nova condição: é uma superestrela. Até há pouco tempo dos discos, dos vídeos, das visualizações ou dos streamings.

Faltava a última fronteira: o palco. Agora, cada vez mais, também são superestrelas ao vivo.