Putin recebe Erdogan, mas um deles pode sair desiludido
“Esta é uma relação desigual. Putin está numa posição cada vez mais forte e não é claro se Erdogan percebe isso”, escreveu a analista da Forbes.
Em Agosto do ano passado, Recep Erdogan e Vladimir Putin anunciaram o “início de uma nova era” nas relações bilaterais. Nesta quinta-feira, quando o Presidente turco chegar a Moscovo, os dois líderes estarão mais próximos do que nunca. Espera-se que sejam anunciados vários acordos — venda de armas russas, fornecimento de gás turco. Porém, as expectativas de cada um dos lados são muito diferentes e até contraditórias, como explica a revista Economist. “Um dos dois vai ficar desiludido”.
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Em Agosto do ano passado, Recep Erdogan e Vladimir Putin anunciaram o “início de uma nova era” nas relações bilaterais. Nesta quinta-feira, quando o Presidente turco chegar a Moscovo, os dois líderes estarão mais próximos do que nunca. Espera-se que sejam anunciados vários acordos — venda de armas russas, fornecimento de gás turco. Porém, as expectativas de cada um dos lados são muito diferentes e até contraditórias, como explica a revista Economist. “Um dos dois vai ficar desiludido”.
A relação Rússia-Turquia azedou, e parecia irremediavelmente perdida, em 2015, quando a Turquia abateu um caça russo junto à sua fronteira com a Síria. Moscovo reagiu com mão pesada, impondo sanções a Ancara. A importação de muitos produtos turcos foi proibida, foi declarado um boicote ao turismo na Turquia e foram repostos os vistos para cidadãos turcos que queriam entrar na Rússia — medidas que custaram aos cofres turcos cerca de dez mil milhões de dólares.
Foi preciso chegar-se ao Verão do ano seguinte para as relações começarem a descongelar, mas o que espantou os observadores foi a velocidade a que o processo aconteceu. Em Agosto, na cimeira em São Petersburgo, Erdogan chamou quatro vezes “grande amigo” a Putin na conferência de imprensa final — Putin não retribuiu nem levantou as sanções, apenas as suavizou. Mas tudo acelerou a partir daí, culminando no anúncio de que Rússia e Turquia iriam trabalhar juntas na Síria (ao lado do Irão), optando o Presidente turco por deixar de exigir a saída de Bashar al-Assad (e perante o risco de ver a pretendida influência no Médio Oriente desaparecer totalmente com um boicote russo). O grupo (de Astana) arrancou um cessar-fogo aos beligerantes que perdura e mantém conversações para uma solução política para o conflito.
A relação fortaleceu-se de tal forma que nem o assassínio do embaixador russo na Turquia, Andrei Karlov, em Dezembro, afectou o processo.
Mas o que querem Putin e Erdogan um do outro?
“A Turquia é um aliado próximo da Rússia”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, sobre o encontro. “Vamos falar de comércio, economia, investimento, projectos de infra-estruturas conjuntos e muitas outras coisas, como a promoção de um acordo para a crise síria”, disse Lavrov.
Erdogan, que há anos tenta acelerar as negociações para a adesão do país à União Europeia (ideia reforçada com o acordo destinado a estancar a entrada de refugiados na Europa), chega a Moscovo com um quadro de relações muito diferente. O acordo para os refugiados não acelerou o processo, nem travou as críticas europeias duras às suas derivas autoritária. Mais, a repressão após o golpe falhado de Julho do ano passado motivou novas críticas e conflitos — há turcos a pedir asilo político na Alemanha e na Grécia.
Em Moscovo, o golpe foi condenado. E a limpeza que Erdogan fez entre os militares, juízes, académicos e meios de comunicação social, justificada com a necessidade de se ver livre dos golpistas, acabou por fazer desaparecer a linha pró-ocidental das estruturas públicas e da opinião pública.
Nas últimas semanas, abriu-se uma nova crise Turquia-Europa, com a oposição da Alemanha, Áustria e Holanda à realização de comícios nos seus territórios a favor da instauração de um sistema presidencialista na Turquia, que será referendada em Abril.
“No pós-golpe — diz a Economist — a Turquia foi varrida por uma histeria anti-ocidental”, que facilita o entendimento com a Rússia.
Putin, por seu lado, precisa da Turquia para avançar os planos para a Síria. Mas tem outro objectivo: “Enquanto Erdogan parece ver esta relação como um meio de obter concessões dos aliados ocidentais, Putin quer tornar mais frouxo o elo mais frágil dentro da NATO, a Turquia”.
Um deles vai sair desiludido, diz também uma análise na revista Forbes (assinada por Anna Borshchevskaia) sobre o quarto encontro Erdogan-Putin em seis meses. “Esta é uma relação desigual. Putin está numa posição cada vez mais forte e não é claro se Erdogan percebe isso”. Escreve a analista que é o Presidente turco quem espera mais desta amizade e quem vai pedir mais — porque é quem mais precisa, mas Putin sabe que Erdogan chega a Moscovo “bastante isolado” em todas as suas outras frentes.