Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória: para que serve?
Tem de ser possível reinventar e concretizar espaços para as práticas artísticas e musicais nas escolas. A qualidade das experiências de aprendizagem que os alunos vivem neste período é determinante para o seu próprio desenvolvimento como pessoas e cidadãos responsáveis, cultos e participativos.
Se o Estado determina a obrigatoriedade de 12 anos de escolaridade para as crianças e jovens, é importante que toda a sociedade conheça as finalidades dessa mesma escolaridade. É nesta perspetiva que se deve olhar para o documento Perfil dos alunos à saída da Escolaridade Obrigatória apresentado no passado dia 11 de fevereiro e em discussão pública até 13 de março.
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Se o Estado determina a obrigatoriedade de 12 anos de escolaridade para as crianças e jovens, é importante que toda a sociedade conheça as finalidades dessa mesma escolaridade. É nesta perspetiva que se deve olhar para o documento Perfil dos alunos à saída da Escolaridade Obrigatória apresentado no passado dia 11 de fevereiro e em discussão pública até 13 de março.
Depois do alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos em 2009 e com tudo o que isso determinou, não houve nenhum documento que se constituísse como a referência para compreender e regular a escolaridade obrigatória no âmbito das suas próprias finalidades. Nesse sentido, o Perfil dos alunos à saída da Escolaridade Obrigatória não sendo, nem pretendendo ser, a descoberta da pólvora, é um documento que permite sabermos que pessoas queremos formar, para, a partir daí, se reorganizarem ou reajustarem os currículos e com eles a organização da escola, no fundo, permitindo-nos perspetivar a racionalidade da escolaridade obrigatória.
As dez competências selecionadas para o perfil dos alunos após 12 anos de escolaridade não correspondem a nenhuma área curricular específica, sendo que as competências, por definição, desenvolvem-se e demonstram-se através de conhecimentos de várias áreas, capacidades e atitudes adequadas. Seria pois fundamental que, numa primeira fase, dentro de cada escola, nos conselhos pedagógicos e nos departamentos, se refletisse sobre o desenvolvimento das competências e de que forma cada área disciplinar contribui para o desenvolvimento dessas mesmas competências.
Evidentemente que uma discussão deste nível não está desligada das condições e da organização da escola, como, por exemplo, dos tempos das aulas e da sua configuração. Por isso, uma verdadeira autonomia da escola tem de ser colocada com a coragem política que sempre tem faltado, ou seja, tem de ser uma realidade possível para quem a determina e para quem a exerce.
Pensar a escola nas suas diversas dimensões e no sentido dos princípios, valores e competências que se explicitam neste novo documento tem forçosamente impactos a vários níveis, nomeadamente no trabalho e práticas dos vários intervenientes: decisores políticos, direções das escolas, professores, alunos e famílias. Os decisores políticos têm de ter a vontade política de dar condições de verdadeira autonomia às escolas; as direções das escolas em conjunto com os professores e as diversas estruturas das mesmas têm de pensar numa reorganização da sua escola em função dos alunos que têm e das finalidades que se pretendem atingir; alunos e famílias devem ter condições para poderem também participar efetivamente no desenvolvimento do projeto educativo das suas escolas.
Em muitos lugares (escolas, turmas) é preciso mudar a forma como se ensina e isso pode passar, por exemplo, por mudanças nas salas de aula, pela organização de equipas pedagógicas que podem ser formadas por professores de várias áreas disciplinares e que se poderão organizar em várias modalidades e variar ao longo do ano letivo.
Pode ser complicado? Pode. Mas é possível e, provavelmente, deve ser diferente de escola para escola de acordo com as características dos contextos de cada uma. Acredito que os professores colaborativamente conseguirão arranjar soluções criativas para que as aprendizagens dos alunos se tornem mais motivadoras, significativas e efetivas.
É preciso desformatar o pensamento e pensar para além do que existe neste momento: o Ministério da Educação deverá funcionar fora da estrita lógica normativa e as escolas e professores não podem ir a correr pedir instruções ao ministério.
No que toca à Música na escolaridade obrigatória, lamentavelmente, as perdas, ao longo dos últimos anos, têm sido imensas; no ministério de Nuno Crato, a Música sofreu a maior machadada de sempre. Atualmente, sem professores especialistas de Música no 1.º ciclo e apenas com uma remota possibilidade de existência no 7.º e 8.º anos como opção de escola, a Música apenas existe, de facto, durante 90 minutos semanais no 5.º e 6.º anos de escolaridade.
O Perfil dos alunos à saída da Escolaridade Obrigatória destaca competências, em que a Música não pode faltar como arte e campo privilegiado de expressão, tais como comunicação, sensibilidade estética e artística e criatividade, para referir apenas algumas das áreas de competências enunciadas neste documento.
Tem de ser possível reinventar e concretizar espaços para as práticas artísticas e musicais nas escolas. O Perfil dos alunos à saída da Escolaridade Obrigatória é a oportunidade para se repensar o lugar, o tempo e o modo das diversas áreas disciplinares no currículo, devendo-se evitar que esse debate se torne um leilão de horas para cada uma das diversas disciplinas como corporações. Importa ter a coragem de pensar o currículo como um todo e com uma flexibilidade que permita uma coexistência integradora dos múltiplos saberes essenciais à qualificação, socialização e formação pessoal dos alunos.
Temos de ter sempre presente que a qualidade das experiências de aprendizagem que os alunos vivem neste período da sua escolaridade é determinante para o seu próprio desenvolvimento como pessoas e cidadãos responsáveis, cultos e participativos numa sociedade democrática e inclusiva.