Eu sei, eu sei, és o lindo Lusitano com quem eu quero ficar

Já correram Alfama e não há outro espaço igual para onde possam mudar. O mais provável é deixarem este bairro, mas têm de escolher o que levar. Há saudade, mas mantém-se a esperança de um dia poder voltar.

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A bandeira está a meia haste, como num luto, e as portadas estão fechadas. O Lusitano Clube ainda mora no número 81 da Rua São João da Praça, a meia dúzia de passos da Sé, mas a centenária colectividade vai abandonar a sua sede histórica nos próximos dias.

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A bandeira está a meia haste, como num luto, e as portadas estão fechadas. O Lusitano Clube ainda mora no número 81 da Rua São João da Praça, a meia dúzia de passos da Sé, mas a centenária colectividade vai abandonar a sua sede histórica nos próximos dias.

O velório deste espaço, onde ainda cheira a uma Lisboa rarefeita, foi na segunda-feira de Carnaval e teve um padrinho de gabarito. Marante, cantor romântico com vasta experiência em aldeias portuguesas e estrangeiras, actuou pela primeira vez na lisboetíssima aldeia de Alfama, e a sede do Lusitano encheu para o ver cantar.

Durante quase duas horas – precedidas por um mini-concerto de Gonçalo Gonçalves, “o cantor romântico abandonado” – Marante trouxe um pedaço de baile de Verão a uma chuvosa noite de Fevereiro, sarapintada de foliões carnavalescos. A actuação foi um catálogo completo de clássicos: o refrão de A Bela Portuguesa deve ter sido ouvido em todo bairro, Garçon foi pretexto para dançar mais agarradinho. Toda a gente dançou. Dançou a mulher barbuda a dar uns vagos ares de Demis Roussos; dançaram os tipos de cabelo oleoso e bigode à polícia dos Village People; dançaram as strippers (ou pelo menos assim pareciam).

A desinibição em pessoa, o artista tirou dezenas de selfies, acolheu sorridente as sucessivas invasões de palco e não se amedrontou quando o sistema de som decidiu folgar inesperadamente. Num encore memorável, sob insistentes gritos da plateia para que cantasse a capella, atirou-se a Som de Cristal pela segunda vez na noite, enquanto na sala reinava um quase completíssimo silêncio, quebrado apenas no refrão por um coro em êxtase: “Ela se cansou/ De dormir sozinha/ Esperando por mim/ E nessa noite decidiu dar fim/ Na sua longa e maldita espera”.

O fim da festa?

O arrumar da festa é sempre penoso. Fechadas as portas do clube, é o momento da mudança que se vem anunciando desde Abril do ano passado, quando o senhorio – uma empresa de investimentos italiana – comunicou ao Lusitano que não podia continuar ali. “Neste momento, a nossa preocupação era arranjar um espaço para arrumar as coisas”, explica João Campos, membro da direcção do clube.

A sala onde Marante abrilhantou a noite de Carnaval é o antigo ginásio da instituição, usado nos últimos tempos para concertos, conferências, aulas várias, bailaricos. Ainda lá estão os espaldares e os bancos compridos que atestam o passado desportivo do clube. Na parede está um espelho imponente – e pesadíssimo, garante João. O piano vertical encostado lá ao fundo já é peça de museu.

Na outra sala, onde estão dispostos os troféus de 111 anos de história, há uma mesa de snooker e outra de bilhar, esta última fora de serviço. E os pormenores são inúmeros: as placas de mármore que evocam antigas direcções ou a passagem de gente ilustre; o placard para registar o resultado dos bilhares; a bandeira do clube, já maltratada, protegida atrás de uma enorme moldura envidraçada.

“Não vamos poder levar tudo”, lamenta João Campos, que com a restante estrutura directiva foi responsável por uma progressiva revitalização do clube no último ano e meio. “Em pouco menos de três, quatro meses tínhamos aulas de yoga, lindy hop, kizomba. Tivemos propostas para aulas de karaté… Há uma procura imensa”, refere.

Os objectos da Rua São João da Praça vão para um local arrendado junto ao Martim Moniz, pequeno de mais para tanta história. O Lusitano, esse, fica em suspenso enquanto não se encontra um sítio adequado ao programa proposto. “O papel que nós achamos que estas colectividades devem ter é de cola da comunidade. Isto seria o tipo de espaço em que as pessoas do bairro podiam fazer actividades, um espaço de convívio e para fazer desporto”, continua João, que considera que o Lusitano recente conseguiu fazer isso e ainda acrescentar “uma componente de oferta cultural”.

Esta ideologia é para manter, assim apareça sítio que a queira. “Estamos à procura todos os dias em anúncios, mas as rendas são proibitivas”, diz o dirigente. No 81 da São João da Praça pagam 270 euros de renda, mas estão dispostos a ir até aos 1.500. A saída definitiva de Alfama parece já ponto assente e, brevemente, a instalação do Lusitano no Beato ou em Xabregas pode tornar-se realidade. A Câmara Municipal de Lisboa está a ajudar na busca de locais, mas a demora da solução aflige e desanima.

“A partir de Setembro deixámos de ter quase actividade”, afirma João Campos, explicando que, perante a incerteza sobre as instalações, algumas aulas foram suspensas e o bar tornou-se quase exclusivamente a fonte de receita do clube. Nesse exíguo espaço, decorado a azulejos brancos e azuis, foi pendurado recentemente um cartaz: "Adeus, Alfama".

O Lusitano vai-se embora deste bairro, talvez um dia volte. Como cantou Marante num dos pontos altos da noite do adeus: "Um homem trabalha a vida inteira/ Para um dia regressar/ E no estrangeiro é sempre um forasteiro/ Com saudades do seu lar".