Candidatura dos Encontros da Imagem de Braga a apoio da DGArtes fica na gaveta
A direcção da associação que gere o festival de fotografia mais antigo do país não renovou pedido de apoio dentro do prazo legal. Subsídio regular da DGArtes representa a maior fatia do orçamento.
A recente passagem de testemunho na direcção da associação que gere os Encontros da Imagem de Braga foi tudo menos pacífica. Entre acusações de “golpe” de quem sai e denúncias de “maldades” várias de quem entra, ninguém accionou o apoio regular da Direcção-Geral das Artes (DGArtes), uma das mais importantes fontes de financiamento do festival (cerca de 43 mil euros na edição do ano passado), que este ano assinala 30 anos.
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A recente passagem de testemunho na direcção da associação que gere os Encontros da Imagem de Braga foi tudo menos pacífica. Entre acusações de “golpe” de quem sai e denúncias de “maldades” várias de quem entra, ninguém accionou o apoio regular da Direcção-Geral das Artes (DGArtes), uma das mais importantes fontes de financiamento do festival (cerca de 43 mil euros na edição do ano passado), que este ano assinala 30 anos.
Depois de um primeiro acto eleitoral no dia 15 de Dezembro, no qual a lista encabeçada pela anterior directora, Ângela Ferreira, saiu derrotada (nove votos contra cinco), a direcção vencedora que entretanto caiu, de uma lista liderada por Carlos Fontes, professor e um dos fundadores dos Encontros, não se candidatou ao apoio regular da DGArtes dentro do prazo legal (até 28 de Dezembro). Isto significa que, este ano, para além de eventuais candidaturas a outros apoios institucionais, como o da Câmara de Braga, a Encontros da Imagem – Associação Cultural só poderá candidatar-se a apoios pontuais da DGArtes, isto se quiser receber verbas que permitam aproximar o festival do nível orçamental das edições recentes, com valores a rondar os 100 mil euros.
A actual direcção (que é agora liderada pelo fotógrafo bracarense Rui Pires, com Carlos Fontes e Manuel Santos na vice-presidência) acusa, pela voz de Fontes, a anterior directora de ter “sonegado informação” e de ter apagado dados da conta de email colectiva dos Encontros que levaram à não entrega do pedido à DGArtes. Ângela Ferreira, por seu lado, refuta esta denúncia afirmando que “as regras de candidatura e os procedimentos eram públicos”. “Não percebo porque me acusam disto individualmente, a informação era clara e pública nos canais da DGArtes. Se havia interesse [em renovar o subsídio], a nova direcção devia tê-lo feito em tempo útil”, diz ao PÚBLICO a antiga directora artística, que revela que, depois do final do festival do ano passado, houve “uma ruptura violenta” com o projecto que vinha construindo desde 2012, altura em que um dos fundadores dos Encontros da Imagem, Rui Prata, lhe passou o testemunho.
Em declarações ao PÚBLICO, Rui Prata, actualmente a viver na Finlândia, diz que, neste momento, o futuro do festival afigura-se “turvo”, tendo em conta as incógnitas relativas aos apoios financeiros habituais, que desde há vários anos incluem ainda a empresa bracarense DST, também patrocinadora do prémio Emergentes e da festa de encerramento. Questionado sobre se foi convidado a assumir algum cargo na próxima edição, Prata assumiu uma eventual colaboração numa exposição de fotografia nórdica. E admitiu que possa vir a dar apoio na definição do modelo de curadoria do festival: “Posso ajudar a indicar nomes a convidar. Há várias possibilidades em cima da mesa. Mas tem de haver dinheiro.”
Pondo de lado a hipótese de participar como curador-geral, não deixa de criticar o rumo recente do festival em relação à aposta em autores portugueses: “Os Encontros deviam ter tido mais ênfase na divulgação da fotografia nacional, algo que Ângela Ferreira se esqueceu. É preciso ser um pouco chauvinista, como são os franceses.”
“Braga gosta dos Encontros”
No dia em que decorreram as últimas eleições da associação (17 de Fevereiro), a única lista concorrente divulgou um manifesto onde traça os objectivos para os próximos anos. A aposta na “mostra e intercâmbio” de fotografia portuguesa é um dos pontos em destaque. Nesse documento não há nenhuma indicação sobre o modelo curatorial, mas Carlos Fontes adiantou ao PÚBLICO que a intenção é ter “curadorias diferenciadas”, ou seja, abandonar a direcção artística centralizada numa pessoa. Entre as seis prioridades estipuladas no manifesto, surge ainda a “salvaguarda, valorização e divulgação” do património fotográfico que foi sendo reunido pela associação ao longo dos anos (cerca de duas mil fotografias). Acusando a anterior direcção de “nunca ter dado importância ao espólio dos Encontros da Imagem” e de o “ter deixado degradar”, Fontes pretende “começar a fazer circular exposições” com base nesse espólio, hoje instalado num armazém da Câmara de Braga. “Não faz sentido ter as obras armazenadas. Queremos criar uma dinâmica que ponha estas imagens a circular pelo país.”
A recuperação do projecto Memórias da Cidade (convites a fotógrafos nacionais e internacionais para trabalharem sobre Braga), a implementação de um serviço educativo e a procura de mais envolvimento das populações locais e regionais (recuperação de parcerias no Quadrilátero Urbano Braga-Barcelos-Guimarães-Vila Nova de Famalicão) são outros eixos estipulados.
Ângela Ferreira olha para este “alargamento regional” dos Encontros com cepticismo: “O Quadrilátero é um projecto falhado. Não funciona ao nível máximo das autarquias, quanto mais ao nível da Cultura. A ideia até é interessante, mas já se tentou e não resultou.”
Sobre o projecto da associação para a fotografia e artes visuais na cidade, a visão da ex-directora também não é menos crítica afirmando que “o manifesto não traz nada de interessante”, está cheio de “banalidades” e “faz lembrar a animação sociocultural dos anos 1990”. E remata: “É um manifesto vago, que dispara em todas as direcções e que foi feito para angariar o apoio de meia-dúzia de associados que ainda podiam estar indecisos. Acho que nem houve reflexão sobre o que estava em causa.”
Na expectativa de que possa surgir alguém na curadoria “com uma visão mais ampla, mais agregadora da fotografia com outras áreas”, Ângela Ferreira rejeita a ideia de que a cidade tenha estado de costas voltadas para os Encontros. “Braga gosta dos Encontros. Não os vive muito na sua génese, mas isso acontece porque a cidade não tem muitos artistas, gente que faça reflexão sobre as artes, escolas que possam potenciar essa discussão. Ao longo de mês e meio, o que os Encontros podem fazer é pouco. E nos bastidores também pouco se fez, como o lançamento das bases para a criação de uma escola [de fotografia]. Braga gosta do projecto, mas precisa de o entender.”