Reestruturação da função pública vai ter limites às progressões
Modernizar o Estado passa, para o Governo, por uma reorganização da função pública com critérios actuais. E tendo em conta o impacto orçamental dos salários.
A adopção de novos critérios para a promoção na carreira dos funcionários públicos, que podem pôr fim a progressões automáticas, deverá fazer parte da reestruturação de carreiras que o Governo está a preparar, soube o PÚBLICO junto de um responsável governamental.
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A adopção de novos critérios para a promoção na carreira dos funcionários públicos, que podem pôr fim a progressões automáticas, deverá fazer parte da reestruturação de carreiras que o Governo está a preparar, soube o PÚBLICO junto de um responsável governamental.
O Governo quer que as carreiras da função pública passem a obedecer a critérios que passam por uma limitação às progressões na carreira. "É preciso mais gestão de recursos humanos, com uma nova lógica, através de prémios e promoções e não apenas uma lógica de progressões automáticas", explicou ao PÚBLICO o mesmo responsável governamental, acrescentando que a reestruturação das carreiras da função pública terá de ter em conta "o impacto orçamental".
A estratégia do Governo tem um prossuposto: a promoção e progressão na carreira pressupõe mais despesa – e a necessidade de controlar a despesa do Estado com salários não vai desaparecer tão cedo. Dito de outra forma: até agora o que o Governo fez foi repor os salários do Estado aos níveis de 2009, mas estes não poderão disparar. Assim, uma reestruturação de carreiras deverá levar à alteração dos actuais critérios (introduzidos pelo primeiro Governo de José Sócrates) que fez depender a progressão automática da avaliação. Foram então criadas duas vias de promoção: uma a obrigatória/automática em que a progressão se dava com a acumulação de dez pontos na avaliação. A outra, gestionária, que dependia da avaliação e decisão do responsável pelo serviço (mas com quotas a limitar a progressão).
Assumida como uma das vertentes da reforma do Estado que o Governo está a pôr em curso e que inclui a descentralização, a simplificação e a modernização administrativas, a reestruturação da função pública deverá ser negociada com os partidos de esquerda que apoiam o Governo, bem como com os sindicatos, para entrar em vigor no Orçamento do Estado de 2018.
Ainda que com um objectivo mais amplo, esta reestruturação engloba medidas já anunciadas e negociadas com o BE e o PCP, como a integração dos trabalhadores precários nos quadros da administração pública.
O Estado hoje
O Governo optou por analisar o problema de forma alargada e partir para uma reestruturação global das carreiras da função pública por considerar não ser possível descongelar carreiras e integrar os precários mantendo os quadros do Estado tal como estão hoje em dia. Parte ainda do pressuposto de que o descongelamento das carreiras tem de ser feito tendo em conta as necessidades do Estado hoje.
De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, o problema é que não há nenhuma reestruturação global e profunda de carreiras na função pública desde o final do segundo Governo de Cavaco Silva, quando, em 1990/91, a então secretária de Estado do Orçamento, Manuela Ferreira Leite, procedeu a uma reforma da organização dos trabalhadores do Estado.
Depois disso, houve uma reestruturação que criou três carreiras gerais, levada a cabo pelo secretário de Estado da Administração Pública João Figueiredo, no primeiro Governo de José Sócrates. Antes disso apenas houve alterações sectoriais – como as feitas pelo ministro da Educação de Guterres, Guilherme d’Oliveira Martins, ou a desencadeada pelo ministro da Administração Interna Jorge Coelho.
A este longo período de mais de 25 anos sem nenhuma modernização global e de fundo das carreiras acresce um outro problema: é que tem havido sucessivas fusões de organismos e de departamentos no Estado, desde o primeiro Governo de José Sócrates (com o PRACE), passando pelo de Passos Coelho (com o Premac). E essa fusão faz com que não se possa apenas descongelar a progressão na carreira, já que houve quadros de pessoal que simplesmente desapareceram.
Por outro lado, a integração dos precários tem de ser feita de acordo com a lógica e as necessidades administrativas do Estado e hoje muitas das funções que desempenham não têm qualquer respaldo na moldura de carreiras tal como foram concebidas há um quarto de século. Logo, a integração dos precários obedecerá à necessidade de desempenharem funções permanentes, mas tendo em conta as carreiras necessárias ao actual funcionamento dos serviços.
Por outro lado, a descentralização ajuda a tornar mais complexa a reestruturação da função pública, já que o futuro das carreiras terá de ter em conta também os serviços que passam para os municípios, ou seja, que integrarão a administração local e deixarão a central.
Congeladas em excesso
O responsável governativo ouvido pelo PÚBLICO assumiu que este objectivo do Governo de reestruturar as carreiras "vai ser difícil, pois a pressão é grande devido ao facto de as carreiras estarem congeladas há tanto tempo". Por essa razão "há prejuízos irreversíveis para quem tem mais de 50 anos e já não terá tempo de atingir o topo".
É que, além de não serem reestruturadas há 25 anos, as carreiras estão praticamente congeladas desde o Governo de Durão Barroso (2003-2005), quando Manuela Ferreira Leite era ministra das Finanças. Desde então, só houve um ano em que elas foram descongeladas, em 2009, pelo Governo Sócrates.
O mesmo responsável salienta que a valorização das carreiras da função pública é para o Governo "uma componente fundamental da reforma do Estado". Presente na decisão do executivo de avançar com esta reestruturação está a necessidade de "tornar a função pública atractiva e tornar estimulante ser funcionário público e ter perspectiva de carreira". Caso contrário, "a função pública deixará de ser atractiva para chamar gente face ao mercado". Isto, num momento em que o Estado já é pouco atractivo, acrescenta o mesmo responsável: "Há imensas áreas novas em que não há carreiras com competitividade com o mercado, por exemplo, a informática."
Assumindo que o que mais o "tem impressionado" enquanto responsável público é perceber as consequências que "a crise provocou nos funcionários públicos", conclui: "Há um enorme grau de desmotivação e de descapitalização humana dos serviços. É aterrador. A média etária é altíssima, com gente que em mais de metade da sua carreira no Estado a viu congelada e sofreu uma desvalorização e uma estigmatização sociais muito grandes."
Daí que frise que o Governo tem já posto em prática um novo olhar sobre a função pública com o objectivo de a dignificar. E avança com o exemplo da nomeação da nova direcção da Cresap – Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública. "A direcção da Cresap é toda composta por altos quadros da função pública, a começar pela presidente. Maria Neves Murta Ladeira", que foi secretária-geral do Ministério das Finanças e antes subdirectora-geral do Instituto de Informática, presidente do conselho de administração do Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça e directora-geral do Serviço de Informática do Ministério da Justiça.