Auditoria do BCP deu nota 'positiva' ao trabalho de procurador acusado de corrupção

Orlando Figueira, antigo procurador que está acusado de corrupção, trabalhou no BCP a pedido do vice-presidente de Angola, também acusado no mesmo processo.

Fotogaleria

Em Março de 2016, o Banco Comercial Português, através de um relatório de auditoria, considerou que enquanto teve funções no gabinete de compliance os “padrões” de decisão do procurador Orlando Figueira, acusado pelo Ministério Público de corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e violação do segredo de justiça, alinhavam com os que eram seguidos na instituição. Um desempenho que não mereceu "reparo" ou justificou "alerta".

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Em Março de 2016, o Banco Comercial Português, através de um relatório de auditoria, considerou que enquanto teve funções no gabinete de compliance os “padrões” de decisão do procurador Orlando Figueira, acusado pelo Ministério Público de corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e violação do segredo de justiça, alinhavam com os que eram seguidos na instituição. Um desempenho que não mereceu "reparo" ou justificou "alerta".

A direcção de auditoria do maior banco privado português emitiu, a 24 de Março de 2016, um relatório sobre a actividade de Orlando Figueira na área da prevenção do branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo e identificação de possíveis conflitos de interesse.

Um documento interno, que consta da acusação do Ministério Público a Orlando Figueira e a Manuel Vicente, o actual vice-presidente de Angola, e que concluiu, entre outras matérias, que o “padrão de análise” e os contributos do procurador não sofrem “alterações visíveis” quando comparados “com o dos comités [do BCP] em que não esteve presente”. Isto, após a análise das deliberações tomadas em reuniões do BCP antes da sua contratação, a 31 de Outubro de 2012, e mesmo depois de ser afastado do gabinete compliance, a 1 de Julho de 2014. Na altura, Orlando Figueira transitou para o ActivoBank, detido pelo BCP, agora para desempenhar funções de assessoria jurídica à gestão. Uma mudança ditada por rumores de que estaria a passar informação sensível para fora do banco.  

Mas só a 1 de Março de 2016, o ActivoBank comunicou a Orlando Figueira a rescisão unilateral do contrato [salário de 3.500 euros mensais], renovável de se seis em seis meses, e com efeitos no prazo de 30 dias. O que aconteceu depois da detenção do procurador, a 23 de Fevereiro de 2016, por suspeita de ter recebido luvas de 760 mil euros para arquivar os processos que corriam em Portugal contra o então número dois do Conselho Superior do BCP Manuel Vicente. E que à data dos factos presidia à petrolífera estatal Sonangol, o maior accionista do banco liderado por Nuno Amado. Na investigação baptizada de Fizz, o Ministério Público defende, por exemplo, que a Comissão Executiva do Millennium BCP foi permeável às pressões dos seus accionistas angolanos e deu trabalho a Orlando Figueira, para pagar favores. Uma tese que o BCP e os seus gestores (que não são acusados) recusam alegando a independência da gestão. 

A auditoria interna à acção de Orlando Figueira, enquanto prestador de serviços ao gabinete de compliance do BCP, foi requerida na sequência da sua saída do banco, onde era uma presença diária. Um colaborador contou ao PÚBLICO que “ali exercia funções reais, não fictícias, e chegava a ir aos comités onde se discutem operações suspeitas”. O curriculum “era impecável!” Tinha secretária, cadeira e computador.

Nas conclusões da auditoria pode ler-se que "no que respeita às actividades desenvolvidas" por Orlando Figueira, "enquanto prestador de serviços no Grupo BCP" não foram identificadas "situações que mereçam reparo ou que justifiquem alerta".

Nos comités em que o procurador participou, foram apreciados 205 processos, dos quais 130 acabaram reportados às autoridades de supervisão e policiais. E 64 foram considerados sem problema e 11 ficaram em decisão pendente. 

No entanto, a inspecção do BCP à presença de Orlando Figueira nos comités abrange apenas os processos onde figuram “pessoas e empresas que constam na imprensa como estando” relacionadas com a operação Fizz e “entidades que com elas têm relacionamento bancário”. E não se detectaram irregularidades. Ainda assim, a auditoria, que foi fechada a 24 de Março de 2016, destaca casos específicos.

Uma delas abrange o Banco Privado Atlântico (BPA), liderado por Carlos Silva, e que a 7 de Dezembro de 2011 concedeu um empréstimo de 130 mil euros a Orlando Ribeiro. Carlos Silva é vice-presidente do Conselho de Administração do BCP e accionista da Interoceânico, com quase 2% do grupo chefiado por Nuno Amado.

E o BPA esteve no centro da reunião do comité de compliance onde o procurador se estreou. E onde se discutiram nove transferências realizadas todas a 22 de Novembro de 2011 (entre 80 mil e 90 mil dólares) para uma conta do BPA no BCP, emitidas através do BPA Angola pelo ordenante AMT Trading e recebidas no Líbano pelo beneficiário TRANS World Group. Depois de entregue da documentação, a 18 de Março de 2013, foi “tomada a decisão de não participação” dos movimentos “ às autoridades”.

O segundo caso envolve o cliente do BCP Álvaro Sobrinho, que presidia ao BES Angola, e que está no epicentro das polémicas em torno de Ricardo Salgado. As transferências que ordenou e recebeu de montantes elevados acabaram por suscitar dúvidas. Uma destinou-se a pagar um milhão de euros a Paulo Teixeira Pinto, o ex-presidente do BCP, pela compra de uma posição na editora portuguesa Babel. Outra transferência, esta de 3,7 milhões, teve como beneficiário Emanuel Madaleno e visou a aquisição do controlo da Cofaco Açores. Conhecido o circuito dos movimentos financeiros e com a documentação enviada ao banco, a 18 de Março de 2013, o BCP dispensou-se também de informar as autoridades.

O mesmo fez com a terceira operação onde é referido Manuel Vicente. Esta também não será reportada. Em causa está um depósito de 785 mil euros numa conta de Jesus Martins, enteado de Manuel Vicente, e ordenada por uma empresa a Rosecity, e pelo próprio vice-primeiro-ministro de Angola e por Armindo Pires. A opção por não informar as autoridades foi tomada a 22 de Outubro de 2014, quando Orlando Figueira já tinha sido transferido para o ActivoBank.