Daniel Barenboim inaugurou Sala Pierre Boulez em Berlim
Frank Gehry é o autor de uma sala de concertos elíptica, que aproxima o público dos músicos. O pianista e maestro vai programar nela “música para o ouvido que pensa”.
O pianista e maestro Daniel Barenboim, nascido na Argentina (1942) mas que entretanto se tornou um cidadão do mundo, tem, desde este fim-de-semana, um novo palco para a sua “cruzada” de utilização da música como instrumento para a paz e língua privilegiada de comunicação universal.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O pianista e maestro Daniel Barenboim, nascido na Argentina (1942) mas que entretanto se tornou um cidadão do mundo, tem, desde este fim-de-semana, um novo palco para a sua “cruzada” de utilização da música como instrumento para a paz e língua privilegiada de comunicação universal.
No passado sábado, inaugurou em Berlim a Sala Pierre Boulez, um auditório para música de câmara que foi desenhado, pro bono, pelo seu amigo Frank Gehry, e tratada acusticamente pelo engenheiro japonês Yasuhisa Toyota.
A noite de estreia foi o segundo grande acontecimento do calendário alemão da música e da arquitectura nesta temporada, depois da inauguração, em Janeiro, da Elbphilharmonie, em Hamburgo.
Não tendo tido o mediatismo da abertura da monumental e feérica “casa da música” desenhados pelos arquitectos suíços Herzog & de Meuron, a Sala Pierre Boulez vem no entanto dotar Berlim de um espaço considerado essencial para acolher a música de câmara, em alternativa ao grande auditório modernista da Filarmonia da capital alemã.
Com uma lotação de 682 lugares, o novo auditório tem uma forma oval, uma falsa elipse modular que pode adaptar-se não apenas aos músicos e formações que aí actuem, mas também ao próprio género musical. “Não há um palco. Normalmente há duas comunidades: os músicos e o público. Passamos a vida inteira a tentar criar o contacto. E aqui, subitamente, temos uma sala onde há apenas uma comunidade”, justificou Daniel Barenboim em entrevista conjunta com Frank Gehry ao The New York Times. E o famoso arquitecto do Walt Disney Concert Hall de Los Angeles completou essa ideia: “A orquestra tem de sentir o público, o público tem de sentir a orquestra. Quando isso acontece, a orquestra toca melhor, e o público ouve melhor”.
A Sala Pierre Boulez, como o nome indica, homenageia o grande compositor francês desaparecido em Janeiro do ano passado, aos 90 anos – a nova Filarmonia de Paris, inaugurada em Janeiro de 2015, deu também o seu nome ao seu grande auditório –, e que foi mestre e amigo de Barenboim: dirigiu-o pela primeira vez, em 1964, precisamente no palco da Filarmonia de Berlim, na interpretação do Concerto para piano e orquestra n.º 1, de Bela Bartók, recorda o jornal El País.
A nova sala foi “embutida” num velho edifício no centro da capital alemã, reconstruído no final da II Guerra Mundial, e que desde os anos 1950 e até 2010 foi utilizado como armazém da Ópera Estatal de Berlim.
Desde o ano passado, o edifício renovado é a sede da Academia Barenboim-Said, fundada em 2012, e que além da componente pedagógica acolhe a já famosa West-Eastern Divan Orchestra, que o maestro e pianista lançou, em 1999, com o intelectual e activista palestiniano Edward Said (1935-2003), reunindo músicos de diferentes países do Médio-Oriente – Israel, Palestina, Síria, Egipto, Irão –, e lançando assim uma “pedrada” de esperança e optimismo numa região que nas últimas décadas tem vivido em conflito permanente.
“As pessoas falam da West-Eastern Divan Orchestra e dizem que é uma orquestra pela paz. Mas não é. Por muito maravilhoso que seja para eles tocar em conjunto, isso não faz a paz. A paz precisa de algo mais. O que ela mostra é que se forem capazes de trabalhar em igualdade de circunstâncias, então poderão tocar juntos”, disse Barenboim ao NYT.
Ainda que não tenha as dimensões que lhe permita acolher grandes orquestras, a nova Sala Pierre Boulez promete ser um espaço privilegiado para o programa de Barenboim de colocar os alunos da sua academia, mas também músicos e formações de câmara de todo o mundo, num contacto mais próximo do público.
“Nesta sala, as pessoas vão estar mais intimamente ligadas à música. Lembro-me de assistir a concertos em Los Angeles com música de Boulez em que as pessoas saíam da sala. Penso que isto poderá convidar a uma intimidade maior do que numa sala grande”, disse também Frank Gehry na entrevista citada – onde não põe de parte a possibilidade de projectar uma sala maior para o conjunto da orquestra, como Barenboim também gostaria. “Mas temos de nos apressar, porque já cheguei aos 88 anos!”, lembrou o arquitecto.
Além da nova sala de concertos, o edifício da Academia Barenboim-Said possui 21 salas de ensaio, biblioteca e espaços administrativos, com uma área global de 6500 m2.
No concerto de abertura – que contou com a presença do Presidente da Alemanha Joachim Gauck –, Daniel Barenboin dirigiu pela primeira vez em público o seu Boulez Ensemble, uma formação que integra músicos da West-Eastern Divan Orchestra e da Staatskapelle Berlin. Tocaram duas peças do compositor francês e outras de Schubert, Mozart, Alban Berg e do alemão contemporâneo Jörg Widmann.
Ao longo do mês de Março, o próprio Daniel Barenboim vai interpretar a integral de sonatas de Schubert, mas a nova sala vai também acolher nomes como Radu Lupu, András Schiff, Lisa Batiashvili ou o guitarrista de jazz John McLaughlin.
É “música para o ouvido que pensa” – o lema de Barenboim para a programação da (sua) nova sala.