Quem com ferro mata...

A ironia desta situação é que Passos Coelho se tem pautado uma táctica de exploração de casos políticos.

Quem com ferro mata com ferro morre. A frase está gasta de tanto usada, mas aplica-se como uma luva à situação em que o ex-primeiro-ministro e líder do principal partido da oposição parlamentar, Pedro Passos Coelho, está colocado perante o facto de durante o período de vigência do seu Governo terem sido transferidos para contas offshore milhares de milhões de euros, dos quais dez mil milhões entre 2011 e 2014 que não foram fiscalizados pela Autoridade Tributária — logo, não se sabe se foram devidamente tributados.

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Quem com ferro mata com ferro morre. A frase está gasta de tanto usada, mas aplica-se como uma luva à situação em que o ex-primeiro-ministro e líder do principal partido da oposição parlamentar, Pedro Passos Coelho, está colocado perante o facto de durante o período de vigência do seu Governo terem sido transferidos para contas offshore milhares de milhões de euros, dos quais dez mil milhões entre 2011 e 2014 que não foram fiscalizados pela Autoridade Tributária — logo, não se sabe se foram devidamente tributados.

Por mais que o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, faça questão de assumir em exclusivo a responsabilidade política individual pelas falhas de publicação das estatísticas e diga que nada sabe sobre a transferência de dez mil milhões sem fiscalização tributária, a realidade é que a gravidade da situação recai sobre o Governo como um todo, sobretudo sobre os ministros da tutela, Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque, e por maioria de razão sobre o primeiro-ministro.

A responsabilidade política do então primeiro-ministro não diminui, mesmo que se venha a provar que todas as transferências para contas offshore pagaram os impostos devidos por lei, o que não está esclarecido – há uma semana assumi nesta coluna de opinião a ideia de que não teria sido pago um tostão com um tom categórico que assumo como errado, mas o que é facto é que ninguém sabe que impostos estão por pagar nas transferências não fiscalizadas; mantenho, contudo, a tese de que a classe política é genericamente conivente e permissiva perante a banca.

A ironia desta situação é que Passos Coelho se tem pautado na oposição por uma táctica política de desgaste do Governo liderado por António Costa baseada na erosão da credibilidade do executivo através da exploração de casos políticos. Exemplo disso foi a forma como explorou a falta de coesão na maioria de esquerda que obrigou o Governo a substituir a baixa da TSU para os empresários pela redução do PEC para garantir o acordo de concertação social que possibilitou o aumento do salário mínimo.

A mesma táctica foi também usada pelo PSD na exploração do caso da nomeação pelo Governo de António Domingues para a presidência da administração da Caixa Geral de Depósitos. O caso coloca, porém, questões de ultrapassagem por parte do Governo do respeito institucional pela ética de Estado e pela transparência democrática por o primeiro-ministro, o ministro das Finanças e também o Presidente da República terem admitido conversar entre si como contornar a lei que obriga à entrega de declarações de rendimentos e de património quando alguém toma posse num cargo alto público.

Depois de ter assumido a liderança da oposição com uma atitude de descrença perante o sucesso da estratégia orçamental de Costa, Passos foi ficando sem discurso à medida que eram conhecidos os resultados económicos e financeiros do primeiro ano do actual Governo. E, quando o seu discurso sobre as opções políticas ao nível da economia e das finanças públicas foi ficando sem chão, Passos lançou uma nova táctica político-parlamentar — a da exploração de casos, de dossiers e de factos, em que a atitude do Governo era duvidosa e parecia cristalina a existência de falhas graves.

Só que agora o feitiço parece ter-se virado contra o feiticeiro. É a Passos que cabe arcar com a responsabilidade política de o seu Governo ter aparentemente fechado os olhos a transferências para contas offshore. Por mais declarações de responsabilidade política que Núncio faça, depois de existido um laxismo tal em relação às contas offshore, é a Passos que cabe assumir a responsabilidade política, com a mesma frontalidade com que defendeu entre 2011 e 2015 uma atitude implacável de agravamento de impostos sobre os trabalhadores e a diminuição dos seus rendimentos. Ou ficará para sempre com a imagem de que só engrossou a voz da autoridade de Estado perante os mais pequenos, deixando a situação da fuga de capitais para contas offshore numa roda-livre conivente com os mais fortes.