O anterior secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, deixou na 'gaveta' a nomeação do responsável máximo pela informática da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) durante mais de um ano, tendo cessado funções governativas sem nomear ninguém para o cargo. Ex-directores do fisco consideraram ontem que foi esta a secção responsável pelo sistema que terá falhado na transmissão de dados sobre as transferências para paraísos fiscais.

O anterior secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, deixou na 'gaveta' a nomeação do responsável máximo pela informática da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) durante mais de um ano, tendo cessado funções governativas sem nomear ninguém para o cargo. Ex-directores do fisco consideraram ontem que foi esta a secção responsável pelo sistema que terá falhado na transmissão de dados sobre as transferências para paraísos fiscais.

A ausência de nomeação de um subdirector-geral para a área de Sistemas de Informação da AT ocorreu durante parte do tempo em que houve um 'apagão' informático na máquina fiscal em relação a 10 mil milhões de euros transferidos para offshores e apesar de a Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap), a pedido de Paulo Núncio, ter aberto o concurso para o lugar, ter concluído o respectivo procedimento e ter apresentado ao Governo três nomes para ocupar a vaga. Mas Paulo Núncio, que tinha a tutela da AT, nada fez.

Sem esta nomeação, o lugar de subdirector-geral para a área de Sistemas de Informação ficou vago entre 30 de Junho de 2014, quando a então responsável pela pasta, Ana Morais, se aposentou, e 7 de Março de 2016, quando foi nomeado o actual responsável pela informática, Mário Campos. Ao todo foram quase dois anos sem subdirector-geral. Neste interregno, o cargo acabaria por ser exercido por Graciosa Delgado, uma coordenadora da área que exerceu aquelas funções de forma informal, já que nunca houve um despacho de nomeação para esse efeito. Também foi neste intervalo temporal que a própria AT mudou de liderança: a 16 de Julho de 2014, António Brigas Afonso tomou posse como director-geral da Administração Tributária, substituindo no cargo José Azevedo Pereira.

O cruzamento de informação prestada pela Cresap e pelo Ministério das Finanças permite verificar que apesar dos quase dois anos em que a AT esteve sem responsável pela informática, Paulo Núncio poderia ter resolvido o problema bem cedo. O então secretário de Estado chegou a lançar concurso, através da Cresap, tal como imposto na lei. Fê-lo logo em Janeiro de 2014. A Cresap, por sua vez, concluiu o concurso a 2 de Julho do mesmo ano e apresentou três nomes a Paulo Núncio. Um deles era o de Graciosa Delgado, mas o secretário de Estado decidiu deixar o lugar vago.

Recorde-se que Graciosa Delgado é um dos nomes apontados pela Inspecção-Geral de Finanças (IGF) como tendo tido responsabilidades numa outra polémica no fisco: a chamada "Lista VIP", um sistema de alerta automático, que permitiu saber durante cinco meses quem consultava os dados fiscais de quatro contribuintes famosos: três membros do Governo então em funções (Passos Coelho, Paulo Portas e Paulo Núncio) e do Presidente da República, Cavaco Silva. O sistema terá sido implementado “à revelia de autorização superior”, conclui na altura a IGF, mas além de outros responsáveis, o então director-geral Brigas Afonso, o seu subdirector-geral José Maria Pires e Graciosa Delgado (coordenadora dos sistemas de informação) também foram apontados como tendo cometido actos “susceptíveis de integrar diferentes ilícitos, graus de culpa e de censura”. A IGF recomendou mesmo que fossem instaurados processos disciplinares aos responsáveis.

Ex-director do fisco lamenta cargo vazio

Para Brigas Afonso e Azevedo Pereira, ex-directores da Autoridade Tributária ouvidos ontem no Parlamento, era, de facto, a área da informática que tinha a tutela da plataforma que terá falhado na transmissão de dados sobre transferências para offshores para o sistema centrar da inspecção tributária. Ou seja, até chegar ao sistema central, não havia trabalho da inspecção. E foi por isso que Brigas Afonso, o director-geral a partir de 2014, lamentou nunca ter tido um subdirector para essa área.

Contou Brigas Afonsos que esteve "pelo menos os 8 meses" em que foi o chefe do fisco sem subdirector e que isso condicionou a resposta do serviço: "Há sempre uma pessoa a dirigir, há chefias intermédias. Eu recorria à engenheira Graciosa [Delgado]. Respondia, mas não era a mesma coisa". Brigas Afonso disse ainda que pediu por várias vezes a Paulo Núncio a nomeação do subdirector e que a "justificação era que ainda não tinha tido a oportunidade de falar isso com a senhora ministra" Maria Luis Albuquerque. Uma justificação, confirmou, que lhe foi dada pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais durante todo o tempo em que esteve à frente da máquina fiscal.

Este cargo acabou por ser importante para Brigas Afonso uma vez que tinha na sua mão a gestão de quem acedia ao sistema. Isto porque tinha a tutela do sistema informático (não só este que fazia a transmissão dos dados sobre offshores), numa altura em que houve um acentuar do trabalho da máquina fiscal por causa do e-fatura. Aliás, Brigas Afonso disse ontem aos deputados no Parlamento, que o "cruzamento de informação" dos dados do e-fatura era a "prioridade para o secretário de Estado".