Conservatório do Porto anda a formar músicos há 100 anos
Primeiro centenário vai ser celebrado durante todo o ano com mais de 100 eventos espalhados pela cidade.
Num dos corredores de edifício do Conservatório de Música do Porto, o som que sai de uma coluna pousada numa mesa é de um standard de jazz. As aulas estão a decorrer, enquanto um grupo de quatro colegas fala sobre o que ouve. É hábito regular trazerem música para escola e é assim que gostam de ocupar os tempos mortos entre aulas, na escola de música que celebra este ano o 1º centenário desde a sua fundação.
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Num dos corredores de edifício do Conservatório de Música do Porto, o som que sai de uma coluna pousada numa mesa é de um standard de jazz. As aulas estão a decorrer, enquanto um grupo de quatro colegas fala sobre o que ouve. É hábito regular trazerem música para escola e é assim que gostam de ocupar os tempos mortos entre aulas, na escola de música que celebra este ano o 1º centenário desde a sua fundação.
É músico de jazz que Eduardo, um dos alunos que escuta a música que sai da coluna, quer ser quando terminar os estudos. Estudos que quer continuar no ensino superior após concluir o 12.º ano, que está actualmente a completar em regime integrado. Caiu de “paraquedas” na música, diz. Não tem músicos na família. Até ao 9.º ano estava indeciso entre seguir a área das ciências e a educação musical. Pesou a segunda, por vocação e paixão. Começou por se interessar por rock e passou para o jazz, que foi a ponte para chegar ao clássico. Escolheu a percussão. É o que estuda. Gosta das harmonias, mas gosta mais ainda do ritmo. Se não conseguir ser músico de jazz, também gostava de fazer parte de uma orquestra ou de um grupo de câmara. Sabe que o mercado da música não é “assim tão vasto”, mas acredita que o esforço há-de compensar.
Ao seu lado está André Araújo, presidente da associação de estudantes, também a frequentar o 12.º ano em regime integrado. Entraram ao mesmo tempo no conservatório, mas estudam instrumentos diferentes. André escolheu a flauta transversal, após ouvir pela primeira vez o som numa aula aberta. Aí mudou de ideias e deixou a guitarra para trás, instrumento em que inicialmente se queria especializar. Face às limitações que existem no mercado de trabalho para os músicos, tem uma perspectiva optimista, por acreditar que a escola onde estuda lhe permite adquirir ferramentas mais vastas: “O nossos professores introduzem-nos a diversos estilos musicais e isso faz com que o leque de opções se abra”, diz. Mais do que isso, o aluno que começou por estudar flauta transversal na variante clássica e passou depois para a variante jazz, diz também serem alertados para a existência de outros caminhos, nomeadamente o da possibilidade de seguirem a via do ensino. De resto, diz querer formar uma banda, mas também pondera ser professor. Por agora, a prioridade é mesmo ingressar no ensino superior para continuar a estudar música.
Estes dois alunos fazem parte do ensino em regime integrado, que existe no conservatório desde 2008, altura em que a escola se mudou do Palacete Pinto Leite, na rua da Maternidade, onde esteve entre 1975 e 2008, para a Praça de Pedro Nunes, onde está actualmente, na aula poente do edifício da Escola Secundária Rodrigues de Freitas. Antes disso já tinha estado no Palacete dos Viscondes de Vilarinho de São Romão, a primeira casa da instituição.
O ensino em regime integrado difere do articulado, que existe desde 1974, por combinar a componente geral com a componente vocacional dentro do mesmo programa curricular, explica António Moreira Jorge, director da instituição, à frente da escola desde 2005. Os alunos em regime articulado conciliam os estudos leccionados noutro estabelecimento de ensino, com a componente vocacional do conservatório. Estes dois regimes são abertos para alunos desde o 1.º até ao 12.º ano. Além destes dois regimes existem ainda os cursos livres, aberto a pessoas de todas as idades.
Em regime articulado está Laura Peres. Está no 11.º ano, na Escola Secundária Carolina Michaelis, a estudar ciências. No conservatório estuda violino, instrumento que toca desde os seis anos, muito por influência dos pais que também são músicos. A parte mais complicada de estudar neste tipo de regime é ter que conciliar muito bem o tempo para que nenhuma das áreas de ensino fique para trás, explica. Contudo, acredita que a dedicação à música ajuda-a a ganhar foco: “Aprender um instrumento exige muita disciplina. Isso ajuda-nos a ser pessoas mais focadas”, afirma Laura, que defende o ensino da música em todas as áreas por entender ser uma mais valia para a concentração e para o desenvolvimento de uma maior capacidade para lidar com o stress. Nesse sentido, acredita que todo o esforço vale a pena. Não vai deixar de estudar música, mas quer ter um plano B. Ainda tem um ano para decidir o que quer seguir na universidade e por isso ainda está indecisa se vai optar por estudar exclusivamente música ou seguir medicina.
O director da instituição diz ser também um dos objectivos do conservatório ajudar os alunos a escolher uma direcção, mostrando as alternativas que os alunos podem ter para o futuro. Sublinha que estudar música não é só aprender um instrumento e afirma que actualmente os alunos têm cada vez mais a noção de que há outros caminhos que podem seguir dentro do universo da música, inclusivamente o da produção ou o da via de ensino, como já foi referido.
Desde que mudaram para as novas instalações, a escola criada pela Câmara Municipal do Porto em 1917, Moreira Jorge diz existirem as melhores condições para os alunos desenvolverem a técnica, mas também para poderem criar uma habituação com o trabalho de palco, enfrentando um público. Acoplado ao edifício para onde o Conservatório se mudou, foi construído outro de raiz, que para além de salas de aula, tem um auditório com cerca de 250 lugares, outro auditório mais pequeno e um piano bar, usados pelos alunos da escola no âmbito da programação da instituição, que teve como 1º director o músico e musicólogo Eduardo Moreira de Sá.
É precisamente nestes espaços que vão decorrer alguns dos mais de 100 eventos programados para celebrar o 1.º centenário. Como por exemplo o 3.º Festival Nacional de Tubas e Eufónios, que termina a 1 de Março. Da programação das celebrações que iniciou em Dezembro do ano passado e pode ser consultada na página oficial do conservatório, o director destaca os dois concertos na Casa da Música, a 4 de Junho e 9 de Dezembro, que vai contar com mais de 300 pessoas em palco e assinalam as datas de fundação e inauguração do conservatório, e a 2ª edição do PianoPorto entre 1 e 2 de Julho – uma maratona de 24 horas ininterruptas de piano em vários pontos da cidade, que contam com pianistas convidados de renome que foram alunos da escola, como Madalena Soveral. Paulo Gomes ou Pedro Burmester.
Foram muitos os alunos que agora têm uma carreira musical que passaram pela escola, diz Moreira Jorge. Alguns fazem parte agora do corpo docente composto por 180 professores. A escola, com cerca de 1100 alunos, conta ainda com cerca de 19 funcionários entre assistentes operacionais e técnicos, que de acordo com o director são poucos para que a escola possa funcionar “ainda melhor”. “Um dos desafios para a escola”, diz.
A ensinar guitarra há 5 anos no conservatório está João Machado que diz que um dos maiores desafios que encontra na sua profissão é adaptar o ensino à motivação e empenho de cada um dos alunos. Ainda que acredite que quanto mais cedo se aprende um instrumento maior é a margem de progressão. No entanto, qualquer pessoa em qualquer idade, dependendo dessa motivação pode aprender um instrumento, como afirma.
Rafael, de 13 anos, está ainda na idade em que pode aproveitar o tempo que tem para progredir. Está a aprender um standard de jazz na guitarra com o professor. Está com dificuldades nalguns acordes, mas vai “chegar lá”. Diz que tem um problema: “Tenho os dedos pequenos”. Isso passa com a idade: “Eles vão crescer”, diz o professor.