LGBT: não é pai ou mãe quem quer, é quem pode
Apesar dos avanços legislativos, a parentalidade LGBT ainda é um "privilégio", conclui o projecto de investigação Intimate de CES de Coimbra. Principais resultados vão ser apresentados na Conferência Internacional Queering Parenting
Quando existem restrições em termos de direitos reprodutivos, a “parentalidade em vez de ser uma escolha passa a ser um privilégio” — e, apesar dos avanços legislativos dentro da área, por exemplo com o alargamento da Procriação Medicamente Assistida (PMA), esse ainda é o cenário de Portugal nos dias de hoje, concluiu o projecto de investigação Intimate do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.
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Quando existem restrições em termos de direitos reprodutivos, a “parentalidade em vez de ser uma escolha passa a ser um privilégio” — e, apesar dos avanços legislativos dentro da área, por exemplo com o alargamento da Procriação Medicamente Assistida (PMA), esse ainda é o cenário de Portugal nos dias de hoje, concluiu o projecto de investigação Intimate do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.
“Continuamos a assistir a um contexto em que a parentalidade, em vez de ser uma escolha, é um privilégio”, assegura, ao telefone com o P3, Ana Cristina Santos, investigadora do CES e coordenadora do projecto internacional que esta quinta e sexta-feira promove, em Coimbra, a Conferência Internacional Queering Parenting, a segunda do Intimate. E deixa uma prova: “Foi aprovada a lei de gestação de substituição [que permite o acesso] apenas por questões de saúde, deixando de parte pessoas como casais de homens.” Que só conseguem aceder à parentalidade desta forma se, por exemplo, tiverem meios para viajar para os EUA e Canadá.
A parentalidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero)/Queer é o tema central do colóquio desta semana, onde vão ser apresentados os principais resultados dos estudos implementados em Portugal, Espanha e Itália em torno deste tema, com especial enfoque na PMA e na gestação de substituição. Dois temas que estão na ordem do dia em Portugal, o que foi uma “coincidência”, sublinha Ana Cristina Santos, já que a análise já estava prevista ainda antes do arranque do Intimate – Micropolítica da Intimidade na Europa do Sul, em 2014.
Depois da conjugalidade lésbica e do poliamor, o segundo eixo do projecto internacional, que recebeu 1,4 milhões de euros do Conselho Europeu de Investigação, centrou-se na parentalidade. Para tal, foram realizadas 26 entrevistas biográficas a pessoas LGBT entre os 25 e os 45 anos de idade com experiência em PMA ou gestação de substituição que estivessem a viver em Portugal, Espanha ou Itália e ainda 28 entrevistas semi-estruturadas a “peritos” de várias áreas, da saúde ao activismo.
Do estudo foi possível ainda auferir que, ao contrário da “parentalidade heterossexual, que muitas vezes acontece de forma não planeada”, as mães e os pais LGBT só o são “depois de um planeamento cuidadoso”. O que, na opinião da investigadora, é “interessante” pois deita por terra uma das mais badaladas objecções: “Um dos grandes argumentos para negar a parentalidade a pessoas LGBT é o bem-estar da criança, mas nestas situações, em que a parentalidade tem de ser planeada, a criança esteve e está sempre no centro”. Surgiram também muitas preocupações em relação à idade e aos “regulamentos tácitos das unidades de saúde que a partir dos 44 anos já não fazem tratamentos”.
Parentalidade: um gatilho para o coming out?
Para este grupo, a parentalidade toca também noutra dimensão relacionada com os “custos materiais e emocionais” da reprodução. Em países, como Itália em que, por exemplo, a PMA está vedada a mulheres que se identifiquem como lésbicas ou bissexuais, as pessoas são forçadas a sair do país para exercer a parentalidade. Um “exílio reprodutivo” que acarreta “custos fortíssimos” a nível financeiro, graças às viagens e tratamentos, mas também emocionais, em caso de tentativas frustradas, com “impacto no próprio casal”. Curiosamente, a parentalidade é muitas vezes o gatilho para o coming out, acabando por promover a “visibilidade” das pessoas LGBT. “Muitos entrevistados descreveram que o momento em que vão ser mães ou pais é aquele que leva a que a conversa adiada acerca da orientação sexual seja feita”, relata Ana Cristina, referindo inclusive um caso em que a criança foi um “pretexto para reunir a família”. “Os futuros avós não estavam em bons termos com a filha, mas a partir do momento em que apareceu a criança o avô, que não era da parte da gestante mas da companheira, teve o maior orgulho no neto.”
Mais conclusões serão apresentadas a partir desta quinta-feira no Queering Parenting que reúne no Teatro da Cerca de São Bernardo e no CES, em Coimbra, mais de 150 participantes de todo o mundo, entre académicos, activistas e decisores políticos. A entrada é livre e o programa preenchidíssimo. Entre os confirmados estão a Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Catarina Marcelino, o deputado José Soeiro, e o presidente do Intergrupo do Parlamento Europeu para os Direitos LGBTI, Daniele Viotti, que na sexta-feira à tarde participam num debate sobre as políticas LGBT no Sul da Europa, um dos pontos altos do encontro.
“Planeámos uma sessão plenária com decisores políticos justamente para tomarem uma posição sobre como tem sido o processo”, sublinha Ana Cristina, para quem a situação em Itália é particularmente “preocupante”, pois “todas as questões da homoparentalidade estão vedadas”. É também uma forma de “dar mais visibilidade e conferir mais dignidade a estes temas”, ressalva a investigadora, que conclui a conversa com o P3 repetindo: “Quando temos restrições, a parentalidade não é uma escolha, é um privilégio. Não é uma ‘coisa’ que tem a ver com uma minoria, são questões que vão muito além do nosso próprio umbigo e têm consequências a nível dos direitos humanos.”