“Fui menino de rua e isso serve-me como lição de vida”
À semelhança das crianças que fotografou para o projecto "Growing in Darkness", Mário Macilau foi um menino de rua em Maputo. Hoje, a sua casa é um palco da fotografia contemporânea, onde conquistou um lugar cativo
Aos oito anos de idade, em 1992, Mário Macilau já trabalhava num supermercado em Maputo, numa zona privilegiada da cidade, ajudando os clientes a transportar as suas compras e a lavar os seus automóveis. Tinha a seu cargo a subsistência da sua mãe e irmãs, que não via todos os dias. Terminado o seu turno, deixava-se ficar na companhia dos amigos, que viviam nas ruas da capital e que se dedicavam à pequena criminalidade como forma de subsistência.
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Aos oito anos de idade, em 1992, Mário Macilau já trabalhava num supermercado em Maputo, numa zona privilegiada da cidade, ajudando os clientes a transportar as suas compras e a lavar os seus automóveis. Tinha a seu cargo a subsistência da sua mãe e irmãs, que não via todos os dias. Terminado o seu turno, deixava-se ficar na companhia dos amigos, que viviam nas ruas da capital e que se dedicavam à pequena criminalidade como forma de subsistência.
O projecto fotográfico “Growing in Darkness”, a que se dedica ininterruptamente desde 2012, faz o retrato actual de uma realidade que já viveu. “Em Moçambique, os rapazes e as raparigas menores de idade pertencem, muitas das vezes, à classe trabalhadora, a lares monoparentais ou a agregados cujo sustento depende das próprias crianças”, explicou ao P3, em entrevista. “As circunstâncias forçam estas crianças a sair de casa e a viver na rua. Estão [por isso] frequentemente sujeitas a abusos, negligência, exploração ou, em casos extremos, a trabalho em fábricas e em mercados formais e informais.” Macilau entrou no espaço privado destas crianças, visitou as pontes e os prédios abandonados onde vivem e dormem. “São lugares muito escuros, húmidos e perigosos”, descreve. “Não existe água nem electricidade nem qualquer tipo de comodidade ou apoio doméstico. São lugares eternamente provisórios.”
Nas ruas de Maputo, a sobrevivência é Lei
O abuso de droga aparece, neste contexto, como um escape à dura realidade em que estão imersas. “As crianças refugiam-se no uso de drogas altamente prejudiciais e viciantes e ficam num estado de saúde debilitado, subnutrido”, explica o fotógrafo. “Alguns dos riscos que enfrentam incluem doenças, lesões corporais resultantes de acidentes rodoviários, lutas de rua, assédio por parte de extorsionários e da polícia, exploração sexual por pedófilos e proxenetas, exposição ao abuso de substâncias e a doenças sexualmente transmissíveis.” São os inalantes e os solventes – entre eles o rugby, uma cola à base de tolueno – as drogas preferenciais dos meninos de rua de Maputo. O xarope para a tosse e a marijuana são também drogas de uso comum, que chegam a ser consumidas três vezes por dia. A violência e a pequena criminalidade fazem parte do seu quotidiano; nas ruas de Maputo, a sobrevivência é Lei.
Embora não tivesse capacidade económica para frequentar a escola, Mário conta que durante a adolescência lia com regularidade e se envolvia, como voluntário, em actividades promovidas por organizações não-governamentais de Maputo. Foi assim que aprendeu a falar inglês – uma ferramenta que se tornou essencial no desenvolvimento da sua carreira. Apenas um ano após a sua profissionalização, em 2009, Mário seria finalista do concurso a “Fotógrafo do Ano da UNICEF” e veria o seu trabalho exposto na África do Sul e no Zimbabué. No ano seguinte, o seu trabalho viajou pela Nigéria, Bélgica e Espanha. Em 2011, a distinção no prémio BES Photo fez com que a sua obra integrasse o espólio do Museu Colecção Berardo e, no mesmo ano, somou exposições em Lisboa, Londres, Nova Iorque e Berlim. Em 2012, a exposição do seu trabalho no Festival Les Rencontres d’Arles, em França, consagrou a sua presença no palco da Fotografa mundial.
"Estou aqui, seguindo em frente"
“É bom lembrar que o que é uma desvantagem hoje pode ser uma vantagem no futuro – e vice-versa. Eu sou uma pessoa que não vive agarrada ao passado, o que de certa forma é bom; afinal foi assim que alcancei a minha liberdade. Sou uma pessoa muito persistente e por isso sofro muito no presente. Sei que este é o momento em que tenho de cumprir a minha parte. Com isto eu quero dizer que fui menino de rua durante muitos anos, sofri muito, tive escola em atraso – ou melhor, não estudei – mas para mim, isso serve-me como lição de vida. Eu percorri muitos caminhos, tropecei muitas vezes, todos meus amigos de rua morreram devido a problemas de saúde, mas eu estou aqui seguindo em frente."