Sobreiros caem por terra para dar lugar a olival intensivo na Azambuja

A seguir a uma intervenção ilegal em que foi derrubado um número não quantificado de sobreiros, o ICNF autorizou um abate de grandes dimensões no mesmo montado.

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Primeiro ilegalmente, agora legalmente. Centenas de sobreiros no concelho da Azambuja estão a ceder terreno ao olival intensivo, o que preocupa autarcas e ambientalistas.

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Primeiro ilegalmente, agora legalmente. Centenas de sobreiros no concelho da Azambuja estão a ceder terreno ao olival intensivo, o que preocupa autarcas e ambientalistas.

O Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) aprovou, em meados de Dezembro, o abate de quase 200 sobreiros em terrenos da Sociedade Agrícola da Quinta do Convento da Visitação, no concelho de Azambuja. Uma semana depois, a operação foi executada sem que António Manuel Loureiro, presidente da Junta de Freguesia de Alcoentre, recebesse qualquer indicação sobre o derrube de quase duas centenas de árvores.

O autarca disse ao PÚBLICO ter recolhido fotos do corte e que as enviara para o ICNF, acompanhadas de um pedido: “A junta quer saber se o abate de um elevado número de sobreiros está autorizado”. Manuel Loureiro referiu que, em 2015, já tinha tido lugar, no mesmo local, um corte de “grandes dimensões para plantio de oliveiras” nos terrenos que já foram propriedade da Colónia Penal de Alcoentre.

A informação de que estavam a ser cortados sobreiros junto à IC2/EN366, próximo de Alcoentre, chegou ao conhecimento de Domingos Patacho, coordenador do grupo de trabalho de florestas da Quercus, que se deslocou ao local em meados de Janeiro. E confirmou “o abate de sobreiros dispersos, mas também num povoamento, sem que existisse autorização para a conversão do mesmo”. A Quercus avançou com a participação da ocorrência ao Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da GNR e ao ICNF, solicitando o “devido esclarecimento da situação.”

A resposta do ICNF chegou no início de Fevereiro: “(...) Foi autorizado o corte de cerca de duas centenas de sobreiros, alguns secos e caducos, e outros em concorrência com áreas de olival, em parte da propriedade Quinta da Torre Bela e da Colónia de Alcoentre (ambas no concelho de Azambuja) devidamente solicitados por requerimentos da actual comodatária daqueles terrenos, entrados nestes serviços durante o ano de 2016.”

Na resposta que endereçou ao PÚBLICO, o ICNF adiantou ter recebido dois requerimentos para o abate de 196 sobreiros no total, dispersos em duas parcelas. Na Herdade da Quinta da Torre Bela, “62 sobreiros dos quais três estavam completamente secos e dois se encontravam em estado de declínio acentuado.” Estas árvores encontravam-se dispersas por uma área de 85 hectares. Na outra propriedade conhecida por Colónia Penal, a autorização de corte abrangia “134 sobreiros, dos quais 35 eram árvores jovens e 99 eram árvores adultas, estando duas completamente secas.” Estas árvores encontravam-se distribuídas “por cinco pequenas manchas dispersas pela propriedade e quatro exemplares encontravam-se isolados.” Como não foi indicada a área total abrangida pelos abates, o PÚBLICO solicitou que fosse prestada essa informação mas o ICNF não respondeu assim como não esclareceu se, em 2015, o arrendatário da Sociedade Agrícola da Quinta do Convento da Visitação, foi autorizado a proceder ao corte de um elevado número de sobreiros para plantar olival intensivo.

Sobre esta questão, a Sociedade Agrícola da Quinta do Convento da Visitação referiu ao PÚBLICO que, relativamente ao corte e abate de sobreiros em anos anteriores, “tem cumprido em todas as operações florestais com a legislação em vigor”. No entanto, esta explicação contraria a informação que o ICNF transmitiu à Quercus, onde se confirma que “há um auto levantado em 2015 pela GNR

SEPNA, relativo igualmente a um corte de sobreiros naquele mesmo local, mas sem autorização prévia.” O arguido “é o anterior comodatário e cujo processo de contra-ordenação se encontra em fase de instrução.” Entretanto decorreram quase dois anos.

Acresce ainda outra situação observada pela Quercus quando se deslocou aos terrenos onde foram abatidos 134 sobreiros. Conforme as fotos comprovam, no povoamento de montado que não estava abrangido pela autorização do ICN, são visíveis as “cintagens” (marcação com um traço branco em redor do caule da árvore, que indica autorização para abate). 

Domingos Patacho adianta que “os vestígios do arranque dos sobreiros no limite do povoamento foram entretanto removidos”, operação que deu lugar a “uma mobilização profunda (do solo) por baixo da copa dos sobreiros, o que danifica o sistema radicular e destrói a regeneração natural.” Este procedimento está sujeito a contra-ordenação.

O ICNF observa que, no dia 20 de Janeiro, foi realizada ao local uma visita conjunta do ICNF e GNR (entre outras entidades) e “verificou-se que as autorizações de corte foram devidamente respeitadas, não se tendo registado corte nos povoamentos contíguos.” No entanto, a cintagem num dos “povoamentos contíguos” não foi retirada, nem é feita referência à gradagem ilegal do terreno mesmo junto ao caule dos sobreiros.