Krakende wagen, brinquebalante, contraption: A geringonça está na moda

A "carripana" inventada por Costa para governar o país está a andar em alta velocidade pelas "estradas" europeias. Alguns partidos de esquerda vieram a Portugal apreender como funciona a geringonça. Os media elogiam-na. Costa é apresentado como um invejado "menino de ouro" da esquerda europeia

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A palavra geringonça não é fácil de traduzir

A chamada geringonça montada por António Costa para governar o país com o apoio parlamentar de BE, PCP e os Verdes está a percorrer estradas internacionais através de vários órgãos de comunicação social. Tecem-lhe elogios, lembram os números positivos da economia e citam vários políticos de esquerda europeia que sonham importar a solução para os seus países.

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A chamada geringonça montada por António Costa para governar o país com o apoio parlamentar de BE, PCP e os Verdes está a percorrer estradas internacionais através de vários órgãos de comunicação social. Tecem-lhe elogios, lembram os números positivos da economia e citam vários políticos de esquerda europeia que sonham importar a solução para os seus países.

A classificação feita por Vasco Pulido Valente para a coligação de esquerda num artigo no PÚBLICO em final de Agosto de 2014 e depois usada por Paulo Portas, ainda líder do CDS-PP, no Parlamento, era tida como uma máquina desajeitada que em pouco tempo se iria desfazer. Tal não aconteceu. A geringonça já tem mais de um ano, continua a circular e o termo depreciativo usado pela direita  agora repetido pelos partidos de esquerda como algo positivo que resulta e apresenta resultados.

O seu sucesso e durabilidade surpreendeu muitos em Portugal. Agora começou a chegar em força às páginas da imprensa internacional. Acima de tudo tentam compreender a “coisa” e discutem se é possível exportá-la para outros países, especialmente para aqueles em que a esquerda está afastada do poder ou em risco de o perder. E até já ganhou tradução para várias línguas. Krakende wagen, segundo os membros do Partido Trabalhista holandês que vieram a Portugal estudar o “fenómeno”; ou brinquebalante, de acordo com o candidato presidencial francês, Benoît Hamon, que também esteve em Portugal e se desfez em elogios a coligação de esquerdas; ou ainda contraption, palavra encontrada pelo site Politico, que na sexta-feira dedicou um longo artigo a dita geringonça.

Em Janeiro deste ano, o jornal francês Le Monde enviou a Portugal o jornalista Jean-Baptiste Chastand, que no dia 27 do mês passado publicou um artigo intitulado “O sucesso da esquerda plural”. O jornalista faz o historial do nascimento da aliança de esquerda, lembrando que ela saiu da cabeça do socialista António Costa, “filho de um militante comunista anticolonialismo, originário de Goa, na Índia, e a quem por vezes chamam o ‘Gandhi português’”. A conclusão do jornalista é a seguinte: “a geringonça está a funcionar” e a conseguir “resultados positivos” na economia.

Visitas de estudo

Mas se o jornalista francês esteve em Portugal para explicar a geringonça e o seu funcionamento, no final de Janeiro um grupo de jovens do Partido Trabalhista holandês veio a Lisboa para aprender como funcionava a coligação de esquerda.

“É como uma inspiração, para ver como um Governo de esquerda está a funcionar e queremos ver que medidas estão a tomar e quais os resultados. Estão a tentar fazer coisas diferentes em termos orçamentais e na relação com as instituições europeias. Queremos descobrir se há alternativa e espalhar a palavra”, disse na altura ao PÚBLICO Sebastian van der Vliet, presidente do think tank de jovens do partido.

Quem também veio a Lisboa em viagem de estudo na semana passada foi Benoît Hamon, o candidato socialista às presidenciais francesas de Abril próximo. Reuniu-se com o PS, com o BE e com as centrais sindicais, porque também ele procura em França “reunir a esquerda para governar”. “Em Portugal a esquerda decidiu que queria ganhar, por isso uniu-se e governa. Eu quero ganhar e reunir a esquerda para governar, mas não posso decidir por Jean-Luc Mélenchon [candidato presidencial da extrema esquerda]”, afirmou numa entrevista ao PÚBLICO. “O que se passa em Portugal inspira-me tanto”, concluiu.

Uns dias antes andava pelas ruas de Lisboa o historiador espanhol Filipe Nieto. Trazia uma “encomenda” do jornal online espanhol CTXT, dirigido pelo antigo jornalista do El País Miguel Mora: “saber como funciona e conhecer as políticas que se estão a levar a cabo em Portugal por um governo apoiado por todas as forças de esquerda.”

Pode a história repetir-se em Espanha?

Nieto falou com políticos dos diversos partidos da esquerda portuguesa, com sociólogos e jornalistas. Andou pelas calçadas de Lisboa “apinhadas de turistas na época baixa”, espantou-se com o imenso comércio, “as numerosas livrarias” e com os hotéis “e blocos de apartamentos reluzentes de dia e de noite” que estão a nascer na cidade.

"Portugal 2017: a aliança de esquerdas funciona", assim titulou o seu artigo.

Explica detalhadamente a história da geringonça, enumera os resultados positivos que estão a ser conseguidos na economia “apesar da dívida corrosiva do país” e as políticas e “as reformas visíveis” levadas a cabo especialmente na área social. Em jeito de conclusão, afirma: “A considerada frágil estabilidade dos acordos do Governo da esquerda portuguesa é uma realidade positiva, cada vez mais celebrada pela maioria da sociedade e pelos implicados. É o triunfo do pragmatismo que a todos favorece.”

“Há uma grande curiosidade em Espanha, especialmente à esquerda, em perceber como um partido socialista moderado [PS], um de inspiração leninista, o PCP, e um outro com diversas correntes políticas, nomeadamente marxistas e de orientação trotskista, o BE, se entendem tão bem numa situação pragmática que sustenta o Governo e em que poucos acreditavam que ia funcionar. Embora haja curiosidade, acho que em Espanha ainda não se falou o suficiente sobre esta solução”, disse ao PÚBLICO Filipe Nieto, durante a sua estadia em Lisboa, mostrando-se “muito entusiasmado” com a tarefa que tinha em mãos.

No seu texto, publicado no dia 14 deste mês, e em jeito de conclusão, o historiador diz que, durante a sua estada em Lisboa várias pessoas lhe perguntaram “porque não se unem os partidos de esquerda em Espanha para derrotar a direita”. Afirma que sempre lhe foi difícil responder. Cita porém um historiador e professor universitário espanhol, Jover Zamora, que a seguir à revolução dos cravos de 25 de Abril de 1974 foi questionado pelos seus alunos se a história portuguesa se poderia repetir em Espanha.  “A história de Espanha e Portugal teve sempre um caminho muito parecido, mas com quatro ou cinco anos de diferença”, respondeu na altura o professor aos seus alunos.

“A sentença do historiador Jover Zamora acabaria por se cumprir. E agora?”, pergunta Filipe Nieto.

Se Nieto deixa entender que a geringonça é exportável para outros países, nomeadamente para Espanha, o mesmo não pensa o italiano Gianni Pittella, líder do grupo socialista no Parlamento Europeu. “A experiência que se realizou em Portugal tem dado frutos muito importantes para a população portuguesa. Isso é muito relevante. O desemprego está a descer, o défice está bem e é claro que o Governo de António Costa se tornou muito estável. Contudo, esta experiência não pode ser exportada para fora. Não é um modelo exportável para fora simplesmente porque cada país tem as suas especificidades e peculiaridades. Não podemos reproduzir este modelo em diferentes contextos políticos”, afirmou na quinta-feira numa entrevista ao jornal económico online ECO.

Elogios e peças para exportação

A revista britânica Monocle fez dez anos na semana passada. Para comemorar o aniversário fez um número especial de 300 páginas. Destas, 64 são dedicadas a Portugal. O trabalho não visa directamente a geringonça, mas o trabalho é de tal forma elogioso para o momento que o país vive que ela acaba por ser directamente envolvida. O trabalho incluiu uma entrevista ao Presidente da República e uma outra ao primeiro-ministro.

“Portugal está no meio de algo notável”, assim começa a reportagem, que considera que o país está a ultrapassar a crise, a manter o comércio tradicional (como o fabrico de sapatos e cortiça) e, simultaneamente, a inovar no campo da tecnologia, energia e mobilidade. Sobram ainda elogios ao clima, à moda, ao design, à gastronomia e ao bom vinho. Portugal é ainda considerado um país hospitaleiro, com uma população fluente em inglês e com uma bonita orla costeira.

Já na sexta-feira a geringonça esteve várias horas em manchete do site europeu do jornal online Politico. “A esquerda europeia quer uma peça da contraption [geringonça] portuguesa”, titulo o artigo do jornalista Paul Ames. “Os socialistas europeus andam à procura de uma fórmula que inverta a sua decadência eleitoral e estão a folhear os dicionários para encontrarem uma tradução da palavra portuguesa geringonça”, começa por dizer o texto.

Também o Politico conta a história da coligação, enumera os números positivos da economia portuguesa e faz uma análise da possibilidade de ela ser importada por outros países onde a esquerda está em dificuldades. “Hanon e outros têm esperança que o sucesso alcançado pelo primeiro-ministro António Costa seja também obtido por eles. Mas poucos adivinhavam que Costa seria o poster boy da esquerda europeia”, é afirmado no texto.

Reinhard Naumann, membro do Friedrich-Ebert-Stiftung, um think tank ligado ao Partido Social Democrata alemão, diz ao Politico que o modelo português só é possível “porque a esquerda radical deu um grande passo”. “Os socialistas quase não têm de se mexer. O acordo exclui tudo o que possa detonar a geringonça”, acrescenta.

Depois de avaliar se a “improvável história de sucesso” poderá caber em outros países onde a esquerda está em dificuldade, o Politico conclui: “O que se passa em Portugal pode ser impossível de replicar, mas é fácil de ver que muitos estão ansiosos em ver se pelo menos alguns componentes da geringonça estão disponíveis para exportação.”

 

Nota: onde se lia briquebalante passou a estar, correctamente, brinquebalante.