No Carnaval cada um veste-se daquilo que é

Mascarar-me de quê? Para quê fazer de conta só para atirar um balão de água à cabeça do vizinho de quem não se gosta, numa atitude cobarde cuja culpa se conhece desde a partida, quando afinal tudo se deve resolver cara a cara como os adultos que pretendemos ser

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Golda/Pixabay

Assim dizia a professora Olga, professora de Físico-Química e outras magias, mas não só, mestra da vida e na vida, ou não tivessem os seus ensinamentos este eco ainda presente, 60 anos passados.

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Assim dizia a professora Olga, professora de Físico-Química e outras magias, mas não só, mestra da vida e na vida, ou não tivessem os seus ensinamentos este eco ainda presente, 60 anos passados.

A professora Olga não foi a minha professora, nem podia tê-lo sido, professora que foi nos anos 50 e 60, muito antes de os meus pais terem sequer concebido a ideia de me conceber. No entanto, lá por ter vivido no século passado não deixa de ter razão no seu saber.

O Carnaval, ou festival da carne, de origens católicas, pretende representar o deboche total de quem não vai poder comer carne durante todo o período antecedente à Páscoa. Assim sendo, antes da Quaresma faz-se uma daquelas festas de arromba em que toda a gente, literalmente, aparvalha no verdadeiro sentido do termo, fazendo de conta ser quem não é ou nunca foi, escondendo-se atrás de máscaras para poder fazer tudo quanto não se pode, ou deve, fazer, porque no Carnaval ninguém leva a mal, até levar, e talvez nem tudo se deva permitir ou anuir, e talvez algumas coisas se devam levar a mal, a começar desde logo pelo Carnaval e por esta necessidade de liberdade fingida, morta ao término de três dias quando todos tiramos a máscara e voltamos a ser aquilo que sempre fomos, cordeiros mansos no rebanho de um senhor contra o qual insistimos em não reclamar ou lutar, a não ser nos dias de Carnaval.

Para quem ainda não tenha percebido, não acho grande piada ao Carnaval. Mascarar-me para quê? E mascarar-me de quê? Para quê fazer de conta só para atirar um balão de água à cabeça do vizinho de quem não se gosta ou um par de ovos estragados à janela do mesmo, numa atitude cobarde cuja culpa se conhece desde a partida, quando afinal tudo se deve resolver cara a cara como os adultos íntegros que pretendemos ser.

E por isso é que no Carnaval cada um se veste daquilo que é, ao melhor estilo dos palhaços, fazendo desta vida um circo onde ninguém consegue ser verdadeiramente responsável, onde ninguém é consequentemente sério.

Ergo, não brinco ao Carnaval, não quero saber do Carnaval, não gosto do Carnaval e tenho raiva de quem gosta. E portanto aqui estou à porta deste Carnaval, especado à porta de casa com as penas na cabeça e as pinturas de guerra a condizer enquanto espero pelo meu vizinho, porque antes que um balão me caia na cabeça já eu lhe atirei um à tola, sem esquecer os quatro ovos no vidro do carro, e se no Carnaval ninguém leva a mal, então decerto não se importarão que por um olho eu tire um olho, e por um dente tire outro dente.