De Brando a Bush, seis momentos em que os Óscares foram políticos

Em quase 90 anos, os prémios da Academia distinguiram cinema político ou de causas, mas também foram palco para discursos imprevistos e palmas ou apupos vigorosos.

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Sacheen Littlefeather nos Óscares com o texto que explicava os motivos pelos quais Brando recusou o prémio DR

Direitos civis, direitos dos homossexuais, raçagolfinhos ou aquecimento global - não há hashtags que resumam todos os momentos, causas ou protestos políticos feitos na ágora dos Óscares. Hollywood produziu um Presidente, Ronald Reagan, e recebeu um punhado deles nos prémios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. A televisão foi o amplificador que levou os prémios a dezenas de milhões de pessoas e criou momentos em que tudo era possível. Como Marlon Branco ver um Óscar, ironizou o Los Angeles Times, como uma oferta que podia recusar. 

1973 - Brando e O Padrinho

Sacheen Littlefeather subiu ao palco a 27 de Março para rejeitar o Óscar de Melhor Actor para Marlon Brando por O Padrinho. Alguns aplaudiam, outros, muitos mais, apupavam a desfeita. Littlefeather, que se chamava Maria Cruz e envergava vestes tradicionais dos nativos americanos, explicava que o Óscar ficaria com a Academia “pelo tratamento actual dos índios americanos pela indústria do cinema e na televisão, nas repetições de filmes e com os acontecimentos recentes em Wounded Knee”, onde membros de várias tribos ocuparam território e protestaram contra o então presidente tribal Richard Wilson, situação que viria a arrastar-se nos meses seguintes e a causar a morte de dezenas de índios americanos.

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Direitos civis, direitos dos homossexuais, raçagolfinhos ou aquecimento global - não há hashtags que resumam todos os momentos, causas ou protestos políticos feitos na ágora dos Óscares. Hollywood produziu um Presidente, Ronald Reagan, e recebeu um punhado deles nos prémios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. A televisão foi o amplificador que levou os prémios a dezenas de milhões de pessoas e criou momentos em que tudo era possível. Como Marlon Branco ver um Óscar, ironizou o Los Angeles Times, como uma oferta que podia recusar. 

1973 - Brando e O Padrinho

Sacheen Littlefeather subiu ao palco a 27 de Março para rejeitar o Óscar de Melhor Actor para Marlon Brando por O Padrinho. Alguns aplaudiam, outros, muitos mais, apupavam a desfeita. Littlefeather, que se chamava Maria Cruz e envergava vestes tradicionais dos nativos americanos, explicava que o Óscar ficaria com a Academia “pelo tratamento actual dos índios americanos pela indústria do cinema e na televisão, nas repetições de filmes e com os acontecimentos recentes em Wounded Knee”, onde membros de várias tribos ocuparam território e protestaram contra o então presidente tribal Richard Wilson, situação que viria a arrastar-se nos meses seguintes e a causar a morte de dezenas de índios americanos.

Era o grande comeback da carreira de Brando, o melhor actor de sempre, e tornou-se parte da história dos Óscares, e nem sempre da parte mais solene. Em 2016, por exemplo, Leonardo DiCaprio usou o seu tempo de antena quando venceu o Golden Globe por O Renascido para voltar a lembrar os direitos dos índios americanos e no discurso do seu primeiro Óscar voltou à sua causa maior, as alterações climáticas

1975 - Bert Schneider e a Guerra do Vietname

O documentário Hearts and minds recebeu o Óscar mas nunca foi unânime. Versa sobre a Guerra do Vietname, um dos momentos mais divisivos da história americana e um dos pontos de fricção social e político da contracultura da década de 1970. Na cerimónia, subindo ao palco para agradecer o prémio o produtor Bert Schneider pegou num papel que passou a ler. Era um telegrama do embaixador Dinh Ba Thi, um dos representantes dos Vietcong nas conversações de paz que decorriam em Paris nessa altura. “Saudações de amizade a todo o povo americano”, terminava a mensagem que agradecia aos “amigos na América” pelos progressos nos acordos de paz.

O público na sala não gostou do que ouviu e Bob Hope, então o eterno apresentador da entrega dos Óscares, ficou furioso. Nos bastidores, convenceu Frank Sinatra a ler outra mensagem ao público na sala e em casa, ao qual pedia desculpas em nome da Academia por “quaisquer referências políticas feitas no programa”, como recorda Steven Pond no livro The Big Show: High Times and Dirty Dealings Backstage at the Academy Awards. A polémica, porém, não ficava por aí. Shirley MacLaine, membro da Academia das Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, irritou-se por seu turno com Sinatra por tomar uma tal posição em seu nome. 

Já em 1973, Jane Fonda, que ainda não se tinha tornado em Hanoi Jane, a actriz que foi ver o que se passava no terreno no Vietname e foi fotografada com militares vietnamitas para desagrado dos conservadores e patriotas americanos, aceitou um Óscar sem politização pelo seu protagonismo de Klute. Só nos bastidores é que se atirou à política externa norte-americana e classificou o que os EUA estavam a fazer na antiga Indochina como “homicídios”.

1978 - Vanessa Redgrave e Israel vs. Palestina

Era a quarta nomeação de Vanessa Redgrave, dama dos palcos e do cinema britânico, e a única que ganharia (até hoje). Redgrave, que desde o início da década de 1960 era politicamente activa e até candidata a deputada pelo partido revolucionário dos trabalhadores no Reino Unido, era também apoiante da OLP, a Organização pela Libertação da Palestina e defensora de que a luta contra o anti-semitismo e pela auto-determinação dos palestinianos faz parte de uma mesma causa. 

Nesse âmbito, realizou o documentário The palestinian, que suscitou críticas e boicotes (e apelos aos estúdios que não lhe dessem trabalho) por parte de organizações judaicas. Subiria ao palco em Abril de 1978 depois da decisão da Academia de lhe dar o Óscar de Actriz Secundária por Julia (um filme em que interpretava Lillian Hellman, activista anti-nazi). Agradeceu à indústria ali reunida e representada por não ter sido “intimidada pelas ameaças de um pequeno punhado de rufias sionistas cujo comportamento é um insulto ao estatuto de judeus em todo o mundo” e à sua história. Lá fora, vários membros da Jewish Defense League protestavam frente a apoiantes da OLP. 

No interior da sala, alguns aplaudiram mas muitos reagiram instintivamente às palavras de Vanessa Redgrave, apupando-a. Paddy Chayefsky, argumentista, criticaria depois Redgrave: “Estou farto de pessoas a explorarem a ocasião dos prémios da Academia para a propagação das sua propaganda política pessoal”. Foi aplaudido.

1993 - Susan Sarandon e Tim Robbins contra a sida, Richard Gere contra a China

Não é um dos mais unificadores momentos políticos dos Óscares, mas teve uma das mais puras reacções adversas por parte de quem organiza e monta “os Óscares” enquanto evento televisivo de brilhos, smokings e sorrisos. Susan Sarandon e Tim Robbins eram casados, politizados e estavam zangados. A “causa” ampla, a da luta contra a discriminação dos seropositivos, o caso era localizado - um grupo de refugiados haitianos estava sob quarentena em Guantánamo por serem portadores de HIV. O casal de apresentadores apelou a uma mudança de atitude dos EUA, enquanto que Richard Gere, noutro discurso, fez críticas às violações de direitos humanos na China, nomeando o então líder comunista Deng Xiaoping. 

O produtor da cerimónia, o histórico Gil Cates, ficou furioso, cita o LA Times. “Não os convidaria para minha casa e não os convidaria para um programa futuro. Alguém ser convidado para apresentar um prémio e usar esse tema para postular uma crença política pessoal é, penso, não só excessivo como de mau gosto e desonesto”. Gil Cates, que morreu em 2011, produziria a cerimónia dos Óscares num total de 14 vezes - a última foi em 2008. Tanto Sarandon quanto Robbins voltaram a ser convidados para os Óscares, com Sarandon a estar nomeada em duas outras edições produzidas por Cates.

Já Richard Gere foi banido do efémero cargo de apresentador nos Óscares, como escreveu o diário britânico Independent, e esteve duas décadas longe da cerimónia.

1999 - O regresso ao passado de Elia Kazan

Há lodo no cais, Um eléctrico chamado desejo, A leste do paraíso... a lista de filmes memoráveis de Elia Kazan é longa, e os Óscares não o esqueceram, premiando-o várias vezes e tentando, já perto do final da sua vida, reabilitá-lo. É que Elia Kazan, que inicialmente se identificava publicamente como comunista, testemunhou e denunciou vários dos seus colegas de Hollywood perante o House Un-American Activities Committee, a comissão que vigiava as actividades que considerava antiamericanas, entre as quais o sindicalismo e o comunismo. Amigos, colegas, argumentistas, realizadores, produtores, todos membros, como ele, do Partido Comunista americano numa altura em que as relações entre a Rússia e os EUA se inflamavam.

Desde 1952, a reputação de Kazan ficou marcada por ter cedido às pressões dos estúdios e do governo para continuar a ter uma carreira, ao contrário de outros, como Dalton Trumbo, que foram presos pela sua ideologia. O Óscar honorário de 1999 foi um momento dentro e fora do Dorothy Chandler Pavillion de Los Angeles. Havia manifestantes que contestavam o que consideravam ser o branqueamento de um delator e outros que o apoiavam. Os movimentos de quem estava no público quando o realizador de 89 anos subiu ao palco foram contabilizados como cruzes em boletins de voto. Quem aplaudiu de pé (Meryl Streep, Warren Beaty), quem ficou sentado (Ed Harris, Nick Nolte) e o que fez Spielberg, que aplaudiu, mas sentado. 

2003 - Quando Hollywood preferiu Bush a Michael Moore

A invasão do Iraque tinha começado há poucos dias e as feridas abertas pelos atentados de 11 de Setembro de 2001 estavam longe de sarar. O canal que transmite a cerimónia dos Óscares tinha mesmo pedido que o evento fosse adiado, mas mesmo sem grande pompa, os Óscares aconteceram. Bowling for Columbine era um documentário de óbvia carga política, sobre um tiroteio numa escola e a política de acesso às armas nos EUA, mas o autor de Fahrenheit 9/11 foi por outro caminho quando agradeceu o Óscar de Melhor Documentário. A frase final foi a que mais apupos deu a Michael Moore, e a que ficou na memória: “Shame on you, Mr. Bush, shame on you”. 

Moore atacou as manobras políticas que serviram de base à mobilização de tropas para o país de Saddam Hussein e classificou a era como cheia de falsidades. “Vivemos em tempos fictícios”, disse enquanto se começavam a ouvir vaias da plateia e dos bastidores, “num tempo em que temos resultados eleitorais fictícios que elegem um Presidente fictício. Vivemos num tempo em que temos um homem a mandar-nos para a guerra por razões fictícias. Que vergonha, sr. Bush, que vergonha”. George W. Bush era o visado e as eleições eram a ida às urnas de Novembro de 2000 em que a contagem de votos na Florida deu azo a uma forte polémica e à derrota do candidato democrata Al Gore. Moore foi silenciado pela banda e recebeu ameaças de morte após as suas afirmações.