As aventuras de Louçã no Banco de Portugal
Este é só mais um exemplo de que neste país vale tudo, porque ninguém leva realmente a sério coisa nenhuma.
Não sei se é Francisco Louçã que está mais capitalista, se é o Banco de Portugal que está mais revolucionário, mas esta sua nomeação para o Conselho Consultivo do banco central português parece uma partida de Carnaval. Após o comunicado do Conselho de Ministros declarar que a nomeação de Louçã se justifica pela sua “reconhecida competência em matérias económico-financeiras e empresariais” estava à espera, a todo o momento, que a ministra da Presidência saltasse de trás de uma cortina vestida de índio, com uma pistola de estalidos, a ulular: “Era no gozo! Esqueçam lá isso do Louçã!” Mas não. Parece que é mesmo a sério.
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Não sei se é Francisco Louçã que está mais capitalista, se é o Banco de Portugal que está mais revolucionário, mas esta sua nomeação para o Conselho Consultivo do banco central português parece uma partida de Carnaval. Após o comunicado do Conselho de Ministros declarar que a nomeação de Louçã se justifica pela sua “reconhecida competência em matérias económico-financeiras e empresariais” estava à espera, a todo o momento, que a ministra da Presidência saltasse de trás de uma cortina vestida de índio, com uma pistola de estalidos, a ulular: “Era no gozo! Esqueçam lá isso do Louçã!” Mas não. Parece que é mesmo a sério.
Desculpem. Se o trotskista Francisco Louçã foi nomeado para o Conselho Consultivo do Banco de Portugal eu exijo ser duplamente nomeado para a Comissão Política do Bloco de Esquerda e para o Comité Central do PCP. Catarina Martins e Jerónimo de Sousa encontram o meu mail no final deste texto. É só indicarem os dias e as horas das reuniões, que eu apareço lá com uns livros de Milton Friedman e John Stuart Mill. Tal como Louçã, dispenso remuneração. É mesmo só pelo divertimento e pelo prazer em apresentar “opiniões fora da ortodoxia”, que foi a justificação que Francisco Louçã deu ao Diário de Notícias para a sua nomeação.
Às tantas o Banco de Portugal agora é a Assembleia da República, e tem de ter representação das várias sensibilidades parlamentares. Seria uma boa notícia para o senhor do Partido dos Animais, mas uma péssima notícia para o país. O Banco de Portugal faz parte do Eurosistema, e o Eurosistema tem como objectivo primordial definir e executar a política monetária do euro. Para quem tem falta de memória, recordo que a opinião de Francisco Louçã sobre o euro é esta: “O euro é destruidor de Portugal.” E esta: “É preciso pensar na saída do euro.” E esta: “O euro não tem salvação.” Ora, receio bem que isto não seja propriamente fugir à “ortodoxia”. Isto é simplesmente não acreditar na missão fundamental do banco que tem o dever de aconselhar. Faz tanto sentido quanto um vegetariano comer todos os dias um bitoque ao almoço para fugir à “ortodoxia”. Um homossexual dormir exclusivamente com mulheres para fugir à “ortodoxia”. Ou o papa Francisco passar a aconselhar o ayatollah Khamenei para fugir à “ortodoxia”.
Já vi gente criticar a nomeação de Louçã pelo facto de ele não ter, ao contrário do que se diz no comunicado do governo, qualquer “competência em matérias empresariais”. É verdade que não tem, mas esse está longe de ser o principal problema. O problema, minhas senhoras e meus senhores, é que Francisco Louçã não acredita no capitalismo. Está no seu inteiro direito, como é óbvio, mas não acredita. E acreditar no capitalismo deveria ser o mínimo dos mínimos para aconselhar o Banco de Portugal. Eu sei que muitos olham para o Bloco e para o PCP como uns partidos cheios de boas intenções e nenhumas consequências práticas. Mas eles têm princípios e objectivos políticos. Leiam os estatutos do Bloco, se faz favor. Está logo no artigo 1º: “O Bloco de Esquerda é um movimento político de cidadãs e cidadãos que (…) se comprometem (…) com a busca de alternativas ao capitalismo.” Francisco Louçã entregou o cartão de sócio da agremiação e não avisou ninguém? Converteu-se ao capitalismo e não sabemos? Ou este é só mais um exemplo de que neste país vale tudo, porque ninguém leva realmente a sério coisa nenhuma? Eu voto nesta última hipótese.