Criadas em laboratório células essenciais à audição

Cada um dos nossos ouvidos tem cerca de 15.000 células ciliadas. Quando diminuem, começa a perder-se a audição. E se fosse possível regenerá-las? Foi isso que um grupo de cientistas fez em ratinhos.

Foto
Colónia de células estaminais, e, a magenta, as células ciliadas Will Mclean

Cinco por cento da população mundial sofre com perda de audição, o que corresponde a 360 milhões de pessoas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Para resolver este problema, é preciso entrar no ouvido interno. É lá que estão os cílios, que se movem por vibrações sonoras. Quando se perdem células ciliadas, a audição diminui. Um grupo de cientistas percebeu (por agora em ratinhos) como poderá regenerá-las nos ouvidos.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Cinco por cento da população mundial sofre com perda de audição, o que corresponde a 360 milhões de pessoas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Para resolver este problema, é preciso entrar no ouvido interno. É lá que estão os cílios, que se movem por vibrações sonoras. Quando se perdem células ciliadas, a audição diminui. Um grupo de cientistas percebeu (por agora em ratinhos) como poderá regenerá-las nos ouvidos.

Para percebermos a falta de audição, viajemos até ao ouvido. Vamos imaginar: quando alguém nos chama, esse som entra pela orelha, que por sua vez o encaminha para o canal auditivo. Depois, é no tímpano que esse som se transforma em vibrações. Mas é o martelo, a bigorna e o estribo que passam as vibrações para o ouvido interno, também conhecido como cóclea. E paremos: é aqui que estão os cílios, minúsculos pêlos, que se movem quando há vibrações sonoras. Cada ouvido humano tem cerca de 15.000 células ciliadas e, quando elas diminuem, há perda de audição. Ou seja, não ouvimos bem quando alguém nos chama.

E se conseguíssemos criar células ciliadas? Cientistas do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT) e da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, partiram desta questão. Usando uma combinação de substâncias químicas e dos chamados “factores de crescimento”, conseguiram criar mais de 11.500 células ciliadas. Fizeram-no a partir de uma única célula estaminal do ouvido de ratinho (um tipo de células que tem a capacidade de originar células ciliadas).

Mas este resultado já tem antecedentes. Em 2013, investigadores do Hospital dos Olhos e Ouvidos do Massachusetts tinham conseguido regenerar células ciliadas – cerca de 200 –, ao transformarem outras células do ouvido interno naquelas células. Assim, os ratinhos conseguiram recuperar parte da audição.

Desta vez, e isso vem relatado na revista Cell Reports desta semana, o trabalho tem uma dimensão maior. Os ratinhos têm em cada ouvido cerca de 3000 células ciliadas. Como já vimos, agora os investigadores criaram mais de 11.500 células ciliadas.

Para tal, usaram células estaminais de ratinhos recém-nascidos (entre um a três anos de idade) e de adultos (com 30 a 60 dias), bem como de um primata adulto e, ainda, de um humano. No caso dos ratinhos, usaram-se tanto células como tecidos da cóclea.

Mas como fizeram esta regeneração? Em 2013, os cientistas já tinham visto que o ouvido interno tem células estaminais que podiam ser manipuladas num pratinho de laboratório. Elas têm uma proteína chamada “Lgr5”, que também existe em células estaminais intestinais dos adultos, células estas que, a cada oito dias, regeneram todo o revestimento dos intestinos, explica um comunicado do Hospital dos Olhos e Ouvidos do Massachusetts. Os cientistas decidiram explorar esta capacidade de regeneração e tentar criar células com cílios. Com substâncias químicas, transformaram então células de ratinhos que tinham a proteína Lgr5 em novas células ciliadas.

“Mostrámos que conseguimos aumentar a produção de células que expressam a Lgr5, para as diferenciar em células ciliadas, o que abre a porta para a descoberta de medicamentos para a audição”, diz, no comunicado, Albert Edge, da Universidade de Harvard e também um dos autores do artigo.

E no ser humano?

Nem só os resultados em células de ratinhos foram “surpreendentes” para a equipa. No estudo também se usou tecido nervoso do ouvido interno de um homem de 40 anos (retirado durante uma cirurgia a um tumor no cérebro). As células estaminais recolhidas neste tecido humano foram submetidas ao mesmo tratamento feito às células dos ratinhos. Em 12 dias, multiplicaram-se as células estaminais e geraram-se novas células ciliadas “de forma semelhante aos ratinhos”, diz-nos outro autor do trabalho, Jeffrey M. Karp, da Universidade de Harvard, sem adiantar quantas células ciliadas humanas se obtiveram.

“Demonstrámos que o cocktail de moléculas funciona no tecido humano. Mais importante do que isso, demonstrámos que as nossas moléculas têm capacidade para expandir as células estaminais da cóclea do ser humano e gerar novas células ciliadas”, explica Jeffrey Karp.

Voltemos aos ratinhos: se cada um deles tem 3000 células ciliadas em cada ouvido, obter 11.500 não será de mais? “Ao longo das nossas experiências, observámos que podemos duplicar o número de células ciliadas e ter uma cóclea saudável”, responde Jeffrey Karp. “Quando as células ciliadas do tecido intacto da cóclea morreram devido a antibióticos, vimos que os nossos compostos as regeneravam para os níveis do tecido saudável.”

O objectivo é um dia reparar os danos na audição. Para fazer ensaios clínicos (em pessoas), previstos para daqui a 18 meses, segundo um comunicado do MIT, alguns elementos da equipa criaram a empresa Frequency Therapeutics. A equipa espera que um tratamento destes seja fácil de aplicar, com medicamentos que se possam injectar no ouvido médio e difundam através da membrana para o ouvido interno. Este tipo de injecção é frequentemente usado para tratar infecções nos ouvidos.