Ler, ler e… ler

Para saber escrever, não dar erros e ter imaginação, é preciso ler, depois ler e a seguir ler. Quem o diz é António Mota, que nesta quinta-feira visitou uma escola na Póvoa de Varzim, em sessão partilhada com David Machado. Em 18 anos, o Correntes d’Escritas nas Escolas já chegou a 10 mil alunos.

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“Quis ser escritor porquê?”, “donde vem a inspiração?”, “qual é o seu livro de que mais gosta?” são perguntas recorrentes aos escritores que visitam escolas. E ao terceiro dia das Correntes d’Escritas lá estavam elas na EB 2/3 Dr. Flávio Gonçalves, na Póvoa de Varzim. Interrogados: António Mota e David Machado.

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“Quis ser escritor porquê?”, “donde vem a inspiração?”, “qual é o seu livro de que mais gosta?” são perguntas recorrentes aos escritores que visitam escolas. E ao terceiro dia das Correntes d’Escritas lá estavam elas na EB 2/3 Dr. Flávio Gonçalves, na Póvoa de Varzim. Interrogados: António Mota e David Machado.

Entre fazer humor sobre respiração, “inspirar e expirar” (António Mota), descrever como se deve “agarrar as ideias e trabalhá-las”, comparar livros a filhos — “é dificíl escolher entre os nossos livros, não se gosta mais de um filho do que de outro” (David Machado) —, os escritores foram respondendo a alunos de 5.º e 8.º anos, numa sessão bastante participada.

“Ser escritor é um bocado estúpido, não é?”, diz António Mota, que foi professor do 1.º ciclo do ensino básico durante muitos anos e gosta de provocar os alunos. O autor de livros para a infância lançou esta afirmação depois de dizer aos jovens que é possível “estar duas horas ou três horas sentado sem escrever uma palavra” e de confessar ainda que, depois de tantos livros já publicados, “continua a ter medo de não ser capaz de escrever”. No entanto, “de repente, acontece” e “o que não era passa a ser”.

David Machado diz saber logo a priori “as coisas importantes que vão acontecer” nos seus livros, mas ao longo do processo de escrita “elas vão-se transformando”, essa é “a beleza de criar”.

“O senhor é engraçado”

Os escritores falaram de como chegam aos títulos dos livros ou de como os títulos lhes chegam. E volta-se a falar de filhos, desta vez é António Mota: “Como é que se vai chamar a criança?” E dá o exemplo do livro Cortei as Tranças (Gailivro): “Surgiu-me de um sonho. Escrevi-o durante a noite, ensonado, e de manhã nem percebia a minha letra. Depois, percebi.”

As alunas Ana e Teresa, do 8.º ano e a assistir à sessão, disseram ao PÚBLICO que já o tinham lido e gostado “muito”, assim como Os Heróis do 6.ºF (ASA). Já Helena, da mesma turma, nunca leu obras de António Mota. “Mas o senhor é engraçado”, disse.

Sobre a origem do título Pedro Alecrim (ASA), o escritor contou que tinha planeado dar outro nome ao livro, que seria Partiram as Cordas ao Meu Cavaquinho, mas desistiu. “Nesse ano, Cavaco Silva foi eleito primeiro-ministro e podia ser mal interpretado”, lembrou divertido. Recordou ainda que Maria Alberta Menéres, “das primeiras escritoras a ir por iniciativa própria às escolas”, o aconselhou na busca de um novo título: “Lê o livro muitas vezes que o título está lá. Vais encontrá-lo.” E encontrou.

O mistério do “homem verde”

David Machado acordou um dia com uma frase na cabeça: “Um homem verde num buraco muito fundo.” Depois de muitos pensamentos — “seria um extraterrestre, estaria pintado, teria comido muita erva?” —, um dia, ao atravessar a rua, descobriu-o. “Era o homem verde do semáforo. Na minha história, ele desce do semáforo e vai brincar com duas crianças.” O livro nasceu com o título Um Homem Verde Num Buraco Muito Fundo (ilustrações: Carla Pott, edição: Editorial Presença). Mas, normalmente, este escritor vai tendo ideias para títulos à medida que vai escrevendo.

Sobre o livro Eu Acredito (ilustrações: Alex Gozblau, edição: Caminho), David Machado contou que a editora teria sugerido que escolhesse outro título, mas preferiu não o fazer. Em resposta a Beatriz, do 5.º ano, sobre a origem “da inspiração” (lá está), o escritor já tinha recordado que o escrevera na pausa da escrita de um romance. “Aquela repetição ‘eu acredito que…’, ‘eu acredito que…’, soou-me bem. E fiz uma listagem em duas horas.”

Desistiu de algumas ideias e mais tarde acrescentou outras. Este “mais tarde” significa “dois anos” depois. Pretexto para dizer aos miúdos que “guardem tudo o que escreverem” e “trabalhem as ideias”. É o que ambos os escritores fazem. António Mota tem uma pasta no computador a que chama “Restos” e David Machado tem uma de nome “Retalhos”. Volta e meia, visitam-nas e recuperam o que antes parecia não valer.

Acreditar “que as árvores se espreguiçam”

Houve ainda tempo para responder a Maria, que quis saber se a “Internet ajuda na escrita”. Os dois escritores concordaram que ajuda na fase da pesquisa, salvaguardando que “nem tudo o que está na Internet é verdadeiro”, e que têm de se desligar dela enquanto escrevem, para não se distraírem.

A pergunta mais filosófica da manhã veio de Lucas, 5.º ano: “Acha que a palavra ‘acredito’ torna tudo possível?” David Machado responde: “O mais importante da literatura é encontrar nas palavras o sentido mais profundo. A palavra ‘acredito’ tem uma carga forte. Quando a usamos, muda qualquer coisa dentro de nós.” Prossegue o autor: “Ao ler o livro, acreditamos que aquele rapaz acredita. E todos podem acreditar nas coisas que quiserem, por mais estranhas que nos pareçam.”

Até “que as árvores se espreguiçam”, como já tinha lembrado Beatriz na fase das perguntas. No final, a menina foi junto com outros colegas recolher o autógrafo do escritor e dizer-lhe: “Estou muito grata.” Pela voz e atitude, só se pode acreditar.

Na edição deste ano, o Correntes nas Escolas leva escritores a contactar com cerca de 600 alunos, do 1.º ciclo ao ensino superior. Porque acreditam que as escolas criam leitores.