Encontros de Ferro e Cristas com Marcelo marcam tréguas sobre a Caixa
Presidente da Assembleia da República deixou claro, à saída do almoço com chefe de Estado, que “não haverá problema” com a nova comissão de inquérito exigida pela direita e líder do CDS está convicta que as suas queixas serão ouvidas.
Marcelo Rebelo de Sousa estava tranquilo e sorridente ao fim da tarde desta sexta-feira, claramente satisfeito com as tréguas políticas conseguidas após ter recebido em Belém primeiro o presidente da Assembleia da República (AR) e a seguir a líder do CDS-PP. A forma como PSD e CDS apresentaram o texto em que impõem uma nova comissão de inquérito sobre a Caixa Geral de Depósitos ajudou, adiando a polémica em relação aos SMS cujo pedido deixou para mais tarde.
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Marcelo Rebelo de Sousa estava tranquilo e sorridente ao fim da tarde desta sexta-feira, claramente satisfeito com as tréguas políticas conseguidas após ter recebido em Belém primeiro o presidente da Assembleia da República (AR) e a seguir a líder do CDS-PP. A forma como PSD e CDS apresentaram o texto em que impõem uma nova comissão de inquérito sobre a Caixa Geral de Depósitos ajudou, adiando a polémica em relação aos SMS cujo pedido deixou para mais tarde.
“Foi uma tarde em cheio a preparar um bom fim-de-semana. Permitiu-me retribuir variados convites para almoço do presidente da AR e ouvir o que a líder do CDS tinha para me dizer. O balanço das duas conversas foi muito bom”, disse aos jornalistas o Presidente da República à hora do jantar, à margem da apresentação do Manual de Direito Constitucional de Jorge Bacelar Gouveia.
O chefe de Estado ainda acrescentou que a tarde foi positiva, porque ouviu, da boca do vice-presidente da Comissão Europeia responsável pelo euro e pela estabilidade, Valdis Dombrovskis, que Portugal tenderá a sair do procedimento por défice excessivo — “são cinco anos de sacrifício dos portugueses que valeram a pena”, frisou. Mas às perguntas sobre os encontros com os dois protagonistas parlamentares, nada mais quis dizer.
Com poucas horas de intervalo, a Sala das Bicas no Palácio de Belém tinha sido palco de duas versões contraditórias sobre o funcionamento do Parlamento. Pouco depois de o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, ter garantido a “regularidade” no funcionamento das instituições democráticas, a líder do CDS veio dar conta a Marcelo Rebelo de Sousa da sua “preocupação” sobre a restrição de direitos da oposição que estava a acontecer no Parlamento. Mas Ferro Rodrigues já esvaziara a polémica, ao afirmar que não ia haver qualquer problema com a nova comissão de inquérito.
Marcelo tinha marcado uma posição. Num gesto simbólico e inédito, o Presidente foi à Sala das Bicas, entrada do Palácio de Belém, receber e depois despedir-se do presidente da Assembleia da República, a quem convidara para almoçar imediatamente antes de receber a líder do CDS-PP. Pouco antes, tinha sido conhecido o requerimento potestativo do PSD e do CDS para criação da nova comissão de inquérito à CGD (ver caixa), com vista a averiguar as condições de contratação da administração de António Domingues e todo o período até à sua demissão.
À saída do almoço, Ferro Rodrigues esquivou-se a responder se este assunto tinha sido conversado com Marcelo Rebelo de Sousa, mas o que disse foi significativo. “Julgo que cumpre em absoluto os termos regimentais e constitucionais, é um direito potestativo dos deputados e portanto penso que não vai haver qualquer problema”, disse, sacudindo o fantasma de o PS recusar este direito, o que ainda horas antes tinha sido agitado em conferência de imprensa pelos líderes parlamentares do PSD e do CDS. E, na sequência, Ferro acrescentou: “A única camisola que não dispo é a camisola da Constituição da República Portuguesa.”
Após pouco mais de uma hora com o Presidente, a segunda figura de Estado quis ainda sublinhar a absoluta normalidade do momento político, apesar da crispação das últimas semanas. “Todas as instituições funcionam com absoluta regularidade, a instituição Presidente da República, a instituição Assembleia da República e a instituição Governo, o país está normal”, garantiu. Uma frase que remete para o facto de o Presidente ser o garante no normal funcionamento das instituições, sendo uma crise destas motivo suficiente para, à luz da Constituição, usar a chamada “bomba atómica” dos poderes presidenciais, a dissolução do Parlamento.
Quanto ao encontro em si, a intenção era igualmente desdramatizar: “Foi um almoço entre duas pessoas que se respeitam, se estimam, um almoço simpático, como é sempre entre o Presidente da República e o presidente da Assembleia da República e entre Marcelo Rebelo de Sousa e Ferro Rodrigues.” De resto, garantiu que foi um almoço de trabalho, sobretudo no plano da agenda conjugada das duas instituições.
Ferro Rodrigues e Marcelo Rebelo de Sousa apareceram na Sala das Bicas às 14h21, seis minutos depois da hora prevista de chegada de Assunção Cristas, mas a líder centrista só chegou passados oito minutos. O suficiente para evitar que se cruzassem em público.
Uma hora depois, no final da audiência com o Presidente da República, Assunção Cristas assinalou haver uma “opressão” aos direitos da oposição no Parlamento, referindo-se aos chumbos das bancadas de esquerda aos requerimentos apresentados na comissão de inquérito na Caixa Geral de Depósitos. “Temos assistido a uma restrição intolerável dos direitos de oposição”, afirmou, recusando divulgar se Marcelo Rebelo de Sousa também mostrou preocupação sobre o assunto. “O Presidente da República ouviu atentamente e certamente fará uso da informação”, disse.
A líder do CDS-PP assegurou que o partido “tudo fará para exercer os seus direitos parlamentares”, sublinhando que o “dever do escrutínio da verdade é um direito e um dever para com os concidadãos”.
Questionada sobre a decisão de Ferro Rodrigues de dar luz verde à nova comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, Assunção Cristas concordou: “Assim sendo acho muito bem.” No CDS, a percepção é que a situação acabou por ser desbloqueada com a intervenção do Presidente, mas esta, por sua vez, só aconteceu porque a líder tornou pública a audiência desta sexta-feira.
Daí talvez a resposta que deu quando questionada sobre se se sentiu desconfortável por ter havido um almoço entre Marcelo e Ferro Rodrigues antes da sua audiência marcada para dar conta do que se passa no Parlamento. “De forma alguma. A audiência do CDS estava agendada há algum tempo. Não me compete pronunciar sobre com quem o Presidente fala”, afirmou.
Costa promete colaborar
O clima de desanuviamento foi também transmitido pelo primeiro-ministro, no Porto. “Colaboraremos totalmente com todas as comissões de inquérito, dando todos os elementos que nos sejam solicitados”, afirmou António Costa aos jornalistas, à margem da Assembleia Parlamentar do Mediterrâneo em que participou. Promessa feita, apesar de o chefe do executivo considerar que a nova comissão de inquérito parlamentar mais não faz do que “criar um conflito artificial que só demonstra irritação” da oposição, tendo em conta, por exemplo, o défice de 2016 que foi “o mais baixo de 42 anos de democracia”.
O primeiro-ministro defendeu que não se deve confundir a “luta política” com aquilo que são os “interesses fundamentais do país” e afirmou que “só um primeiro-ministro insano é que dispensaria um ministro das Finanças depois deste resultado”.
Já na Assembleia da República, o líder parlamentar e presidente do PS, Carlos César, mantinha a tensão, ao acusar PSD e o CDS de “cegueira partidária” . “O PSD e o CDS não sabem mais o que fazer para azedar a política e aborrecer os portugueses. Acusam o presidente da Assembleia da República, o PS e os partidos à esquerda de impedir os trabalhos de uma comissão parlamentar de inquérito e criam mais outra. No caso de o presidente do Parlamento aceitar a constituição da comissão, veremos que diligências serão propostas e qual o seu cabimento constitucional e legal”, disse Carlos César, citado pela Lusa.
Para o Carnaval, há tréguas. Na quarta-feira de cinzas, dia da conferência de líderes que irá tratar da nova comissão, logo se vê.