“Um registo oncológico sem os dados dos doentes não serve para nada”

Directora do Registo Oncológico Regional Sul critica posição da Comissão Nacional de Protecção de Dados.

Foto
Agora, os dados do registo do sul estão centralizados no IPO Fábio Augusto

Para a directora do Registo Oncológico Regional Sul (ROR-Sul), se a proposta de um registo oncológico nacional avançar com o pressuposto de que os dados dos doentes devem omitidos, então o projecto “não vai servir para nada”. Ana Miranda lembra que os actuais registos de âmbito regional, como o ROR-Sul, nunca trouxeram problemas de segurança e privacidade para os doentes e “funcionam com acesso aos dados pessoais, fundamentais para se estudar o cancro”.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Para a directora do Registo Oncológico Regional Sul (ROR-Sul), se a proposta de um registo oncológico nacional avançar com o pressuposto de que os dados dos doentes devem omitidos, então o projecto “não vai servir para nada”. Ana Miranda lembra que os actuais registos de âmbito regional, como o ROR-Sul, nunca trouxeram problemas de segurança e privacidade para os doentes e “funcionam com acesso aos dados pessoais, fundamentais para se estudar o cancro”.

A proposta de lei sobre a criação de um registo oncológico nacional já deu entrada na Assembleia da República, mas a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) deu um parecer negativo, levantando fortes objecções ao documento, por considerar que não salvaguarda a privacidade dos doentes. A CNPD defende que o registo só deve avançar se não forem incluídos o número de utente e o número do processo clínico dos utentes.

O Governo já tinha acatado uma primeira recomendação da comissão, que ia no sentido de também não ser introduzido nem o nome nem o mês de nascimento dos doentes no registo. Uma recomendação que Ana Miranda não entende. A médica do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa vai mais longe e insiste: “Se aprovarem a lei assim o registo acaba. Sem identificação dos doentes não há registo”. A directora do ROR-Sul lembra que os doentes oncológicos circulam por vários serviços e hospitais e explica que, por exemplo, à base de dados do ROR-Sul chegam por vezes resultados de “uma citologia, biópsia e peça operatória do mesmo doente” – e só com acesso aos dados conseguem agrupar a informação.

"Embirração com o registo do cancro"

Ana Miranda afirma que os problemas levantados pela CNPD representam uma “falsa questão” e insiste que não são apenas os registos regionais do Sul, Centro e Norte a funcionarem até agora sem problemas. A especialista do IPO diz que o sistema informático dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde “tem estes mesmos dados relativos a doenças como hipertensão, enfarte, acidente vascular cerebral, VIH/Sida ou mesmo cancro”. “Funcionamos todos na mesma intranet na rede informática da Saúde, pelo que esta questão [da CNPD] é uma embirração com o registo de cancro”.

A directora do ROR-Sul foi uma das pessoas ouvidas pelo grupo de trabalho que está a acompanhar a proposta sobre o registo nacional. “Quando fui ouvida disse que esta decisão [da inclusão dos dados] é uma decisão política. Não é uma decisão técnica. E se aprovarem o registo assim, sem os dados, estão a acabar com o registo de cancro”.

O coordenador do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas da Direcção-Geral da Saúde, Nuno Miranda, também já tinha referido ao PÚBLICO, em Dezembro, que considerava que a CNPD estava a levantar “obstáculos excessivos e desproporcionais”. “Não se trata de um registo aberto e acessível ao público em geral, pelo que não me parece que faça sentido esta quantidade de obstáculos face a um registo que é extremamente necessário para sabermos o que se passa em termos de realidade oncológica em Portugal”, defendeu, na altura.

Além de agregar e uniformizar os dados dos registos oncológicos regionais, a base nacional somará os novos casos de cancro (cujo registo terá de ser feito até nove meses a contar do diagnóstico) e a posterior actualização anual do estadio da doença, das terapêuticas usadas e do estado vital do doente. Os dados são mantidos no anonimato até 15 anos após a morte do doente.