Abandono da dieta mediterrânica está a fazer aumentar casos de cancro do cólon

Em 2011, foram diagnosticados 2563 novos casos de tumores malignos do cólon e registadas 1335 mortes na região sul. Dados do registo oncológico regional são apresentados esta quinta-feira.

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O diagnóstico atempado está a permitir aumentar a sobrevivência em alguns tumores ADRIANO MIRANDA

Chama-se dieta mediterrânica e tem como base o consumo abundante de frutas e legumes, mas também de peixe e gorduras como o azeite. Foi durante muito tempo o tipo de alimentação mais comum entre os portugueses. Mas perto dos anos 1980 começou a ser trocada por outros hábitos menos benéficos para a saúde. Este afastamento – cimentado ao longo de vários anos – está a ter agora reflexo nas doenças oncológicas, concretamente no aumento de casos de cancro do cólon entre os portugueses. “Os tumores do cólon e do recto neste momento ultrapassam os casos de cancro do pulmão no país”, alerta a directora do Registo Oncológico Regional Sul (ROR-Sul), Ana Miranda.

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Chama-se dieta mediterrânica e tem como base o consumo abundante de frutas e legumes, mas também de peixe e gorduras como o azeite. Foi durante muito tempo o tipo de alimentação mais comum entre os portugueses. Mas perto dos anos 1980 começou a ser trocada por outros hábitos menos benéficos para a saúde. Este afastamento – cimentado ao longo de vários anos – está a ter agora reflexo nas doenças oncológicas, concretamente no aumento de casos de cancro do cólon entre os portugueses. “Os tumores do cólon e do recto neste momento ultrapassam os casos de cancro do pulmão no país”, alerta a directora do Registo Oncológico Regional Sul (ROR-Sul), Ana Miranda.

Os dados do ROR-Sul vão ser apresentados nesta quinta-feira, em Lisboa, numas jornadas que juntam vários especialistas em oncologia e epidemiologistas dedicados ao registo de dados sobre o cancro. Ana Miranda, numa antecipação das conclusões ao PÚBLICO, salientou que os dados, relativos a 2011, confirmam a tendência que já vinha a receber a atenção dos profissionais de saúde. O próprio relatório do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, publicado há um ano, já indicava que Portugal está no pior quartil da Europa em termos de cancro colorrectal e defendia a importância de se reduzirem as assimetrias no rastreio a esta doença nas várias regiões do país.

Em Portugal há três registos oncológicos regionais: o do Norte, o do centro e o do Sul. O ROR-Sul cobre praticamente metade da população portuguesa, com um total de quase cinco milhões de habitantes, contando ainda com a Madeira. Entre esta população, em 2011 foram diagnosticados 2563 novos casos de tumores malignos do cólon e outros 1201 do recto. Foram registadas, no mesmo ano, 1335 mortes por cancro do cólon e 523 por cancro do recto. Apesar disso, os cancros da traqueia, brônquios e pulmão ainda são os que mais matam, com 1797 mortes. O cancro da mama, apesar de ser o mais comum, com 3420 novos doentes, surge apenas em quinto lugar na lista dos que mais matam.

Ana Miranda, também médica do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, atribui muitos dos novos casos de candro do cólon aos hábitos alimentares adoptados nas últimas décadas.  “[O valor também tem aumentado por] estarmos a fazer um melhor diagnóstico e por efeitos do rastreio”, ressalva. Como exemplo que foi em sentido contrário, destaca a quebra no número de casos de cancro do estômago com a “democratização do frigorífico”, que permitiu reduzir os produtos “conservados pela salga e pelo fumeiro”.

Em relação à dieta mediterrânica, a especialista reforçou que as mudanças nos comportamentos das populações levam, por vezes, muitos anos até terem um impacto reconhecido na saúde. Ainda assim, acredita que a aposta que a Direcção-Geral da Saúde (DGS) está a fazer na dieta mediterrânica, elevada a património da humanidade pela UNESCO em 2013, pode ser crucial para reverter esta tendência – mas vai demorar.

Aumentar

Mais cancros, menos mortalidade

Num retrato mais global, Ana Miranda refere que a incidência de casos de cancro em Portugal está a aumentar, mesmo quando os investigadores utilizam os chamados “dados padronizados”, em que se retira o efeito de envelhecimento da população, já que com o aumento da idade disparam os tumores. Mas nem tudo são más notícias. A médica destaca alguns dos resultados positivos encontrados na sobrevivência dos doentes, que considera ser uma das melhores formas de avaliar “o impacto da actuação dos serviços de saúde” e perceber se “o diagnóstico foi atempado e qual o impacto da terapêutica” dada aos doentes.

Quanto a dados nacionais mais gerais, o último relatório do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, publicado há um ano e referente a 2014, indicava que, nesse ano, a mortalidade relacionada com o cancro tinha descido ligeiramente em Portugal. O cancro do pulmão continuava a ser o mais mortal no país, mas os responsáveis da DGS manifestavam-se sobretudo preocupados com as tendências precisamente no cancro do cólon e do recto.

O relatório da DGS destacava também que, mesmo com a redução da mortalidade, ainda existiam vários tumores a contribuírem para um elevado número de anos potenciais de vida perdidos – um indicador que estima quantos anos é que a pessoa poderia ter vivido, se não tivesse tido um diagnóstico de cancro.

Cancro da mama: 90% de sobreviventes

Agora para o ROR-Sul, Ana Miranda comparou o número de sobreviventes três anos após o diagnóstico dos vários cancros em 2011 com os dados de 2000. Em pouco mais de dez anos há mudanças significativas. Nos casos da mama, a sobrevivência não aumentou muito “porque a base de partida já era muito boa”. Chega-se agora praticamente aos 90% de sobreviventes ao fim de três anos de diagnóstico. No caso dos tumores do cólon, existem agora mais casos, mas a sobrevivência dos doentes melhorou. Nas faixas até aos 55 anos, o valor passou de 68% para 79% nos homens, faixa em que os valores eram piores. No pulmão os valores subiram de 19% para 30%.

“Estamos a falar de uma década, não é uma revolução, mas um caminho que se tem vindo a fazer e que tem muita relação com o estadio dos diagnósticos que fazemos, cada vez mais precoces”, insiste Ana Miranda. Se estes dados não representam propriamente uma reviravolta mas um caminho, a expectativa da especialista é que os relatórios que venham a avaliar o presente – ou seja, os anos de 2016 para a frente – já tenham “um grande salto e resultados muito animadores”.

“Têm estado a chegar ao mercado tratamentos inovadores com resultados surpreendentes. Saíram novas moléculas de imunoterapia com grandes resultados e estou convencida de que em 2020 vamos notar uma grande melhoria”, diz a directora do ROR-Sul. Ana Miranda reconhece que “uma coisa é o ensaio clínico, outra coisa é a vida real”, mas admite que a expectativa é grande. Quanto ao preço destes tratamentos e à capacidade do Serviço Nacional de Saúde para os pagar, reconhece que é preciso prudência na análise do que traz reais benefícios para os doentes, mas lembra que os tratamentos tradicionais muitas vezes arrastam-se vários anos e acabam por também ser onerosos.

Por isso, insiste que é “fundamental medir os resultados” para classificar o que é feito com rigor. A questão da falta de avaliação do trabalho que é feito em Portugal já tinha sido levantada, em Dezembro, num estudo da Escola Nacional de Saúde Pública que deixava um alerta: os actuais dados recolhidos e centralizados não permitem avaliar “com seriedade” o que se faz.