Uma polémica não desfaz uma exposição
Sem ignorar a polémica, olhar a exposição A Cidade Global como um todo, porque há nela muito mais do que dois quadros.
Com considerável atraso, é inaugurada hoje no Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa, a exposição A Cidade Global, Lisboa no Renascimento. Oficialmente, o atraso que levou a exposição a falhar várias datas de abertura foi explicado por "procedimentos administrativos". Mas certamente algo mais se interpôs, para lá desta cândida explicação. A verdade é que o atraso nos vai sair caro: uma exposição desta envergadura, com um total de 249 peças cedidas por vários museus, instituições e coleccionadores particulares (64 nacionais e 13 internacionais) vai estar apenas aberta ao público durante mês e meio, em lugar dos quatro meses inicialmente previstos. Um desperdício.
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Com considerável atraso, é inaugurada hoje no Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa, a exposição A Cidade Global, Lisboa no Renascimento. Oficialmente, o atraso que levou a exposição a falhar várias datas de abertura foi explicado por "procedimentos administrativos". Mas certamente algo mais se interpôs, para lá desta cândida explicação. A verdade é que o atraso nos vai sair caro: uma exposição desta envergadura, com um total de 249 peças cedidas por vários museus, instituições e coleccionadores particulares (64 nacionais e 13 internacionais) vai estar apenas aberta ao público durante mês e meio, em lugar dos quatro meses inicialmente previstos. Um desperdício.
Como se tal não bastasse, a exposição abre envolta em polémica. Dois dos quadros que integram o primeiro dos seis núcleos de A Cidade Global vêem posta em causa a autenticidade da sua datação: Vista da Rua Nova dos Mercadores (ca. 1570-1619) e O Chafariz d’El Rey (ca. 1570-1580). No caso deste último, a controvérsia é antiga (tem duas décadas) e mantém-se, para alguns, inconclusiva. Mas o caso da Vista da Rua Nova dos Mercadores é recente e envolve historiadores, conservadores de arte e investigadores. A acusação de fraude, que envolveu O Chafariz sem que algo se provasse, é de certo modo agora extensível à Vista (um quadro único dividido em dois por aquele que é oficialmente apontado como o seu mais ilustre proprietário, o pintor e poeta pré-rafaelita Dante Gabriel Rossetti). Curiosamente, o apreço por ambos os quadros é essencialmente documental e iconográfico, já que do ponto de vista plástico são ambos algo rudimentares. Por isso, enquanto não for possível a ciência resolver, a contento, o diferendo em torno deles (e, de ambos os lados, há defensores de que voltem ao laboratório), a tese da sua autenticidade valerá pela prova documental dos estudos das duas comissárias da exposição, que são também autoras do livro The Global City – On The Streets of Renaissance Lisbon, publicado em 2015, sem que, apesar de nele se reproduzir e citar a obra em causa (além de muitas outras agora expostas), tenha suscitado à data qualquer discussão ou reparo científico.
Importa, porém, sem ignorar a polémica, olhar a exposição como um todo, porque há nela muito mais do que dois quadros. Uma polémica não desfaz uma exposição. Talvez, no caso, possa até "fazê-la".