Mais uma vez, com sentimento: This Is Us é o regresso do drama familiar à TV
É um produto do seu tempo, mas também é voltar às histórias mundanas sem as exigências da ficção de prestígio actual — embora lhes pisque o olho. Dito isto, avisamos, não fazemos spoilers.
Dos idos de Uma Casa na Pradaria (1974-82) a Irmãos e Irmãs (2006-11) e Parenthood (2010-15), com um desvio lúgubre para Sete Palmos de Terra (2001-5) ou para a orfandade 90s de Party of Five, o drama familiar tem uma posição histórica na televisão. Mas nos últimos anos de produção intensiva, há mais famílias memoráveis na comédia ou nas novelas do que nas séries dramáticas. Até agora. This Is Us é o regresso da série de e sobre famílias à televisão com uma unanimidade rara e recursos que a tornam um produto indubitável do seu tempo — de Trump aos plot twists.
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Dos idos de Uma Casa na Pradaria (1974-82) a Irmãos e Irmãs (2006-11) e Parenthood (2010-15), com um desvio lúgubre para Sete Palmos de Terra (2001-5) ou para a orfandade 90s de Party of Five, o drama familiar tem uma posição histórica na televisão. Mas nos últimos anos de produção intensiva, há mais famílias memoráveis na comédia ou nas novelas do que nas séries dramáticas. Até agora. This Is Us é o regresso da série de e sobre famílias à televisão com uma unanimidade rara e recursos que a tornam um produto indubitável do seu tempo — de Trump aos plot twists.
A forma mais inofensiva de descrever This Is Us é dizer que acompanha a vida de três pessoas nascidas no mesmo dia. O resto é a sua história, que passa a partir quinta-feira, de dia 23, na Fox Life às 22h20. Nos EUA, na NBC, as audiências cresceram de semana para semana, as surpresas na intriga foram servidas de forma doseada e os problemas mundanos eram reflectidos no espelho de uma história bem contada. Classe, peso, amor em tempos de cólera, raça, tudo num espaço que tem estado ou cheio de comédias familiares (Uma Família muito Moderna) ou de dramas românticos (Anatomia de Grey) ou mais exigentes (dos fenómenos autorais da TV paga até aos procedurals).
Mas família e drama era algo que quase só Empire ou The Affair, e de uma forma mais sensacionalista e temática, ofereciam ao grande público. Sim, há séries de segunda e terceira linha como Família de Acolhimento, Trocadas à Nascença ou A Vida Secreta de Uma Teenager, mas nenhuma cativou tanto quanto esta novidade da temporada 2016/17.
“Adoro A Guerra dos Tronos, House of Cards, Breaking Bad, mas são... escuras. Esta série é de qualidade e afirma um sentido de bondade”, descreve Sterling K. Brown (O Caso de O.J.), uma das personagens centrais da série protagonizada por Milo Ventimiglia (Heroes, Gilmore Girls) e Mandy Moore, cuja primeira temporada agora começa em Portugal mas que termina em Março nos EUA. Há muita gente já a vê-la online e a série gerou mais actividade nas redes sociais do que qualquer outra série na televisão americana de Outono, incluindo, como assinala o Washington Post, aquelas que são tradicionalmente mais discutidas, como as séries da TV por subscrição como Walking Dead.
This Is Us, porém, sendo uma série de um canal generalista de grande audiência, não existe num vácuo criativo — pode argumentar-se que algumas das suas surpresas e traços narrativos, que não serão nomeados a bem da experiência televisiva, vêm destes tempos em que o público tem hábitos mais exigentes. Dan Fogelman, o criador da série e de comédias românticas como Amor, Estúpido e Louco (2011), compara as vinhetas de This Is Us a vídeos caseiros de uma família. O segredo está depois na mistura. Por outro lado, com a NBC a garantir mais duas temporadas numa altura em que todas as semanas há nova estreia em diferentes canais e plataformas (e os correspondentes cancelamentos ou títulos de uma só temporada), este drama quer garantir um lugar à mesa da família dos espectadores, tranquilizando-os na hora de decidir se embarcam em mais uma série.
Outro sinal dos tempos é o enquadramento com que surge qualquer expressão criativa made in America nos últimos meses. Não se consegue escapar a leituras afuniladas sobre o momento político, por mais que muitos filmes, séries, livros ou até colecções de moda tenham sido pensados e feitos meses ou anos antes do aumento de virulência no tom do discurso público americano. A abordagem de This Is Us já se ajustou a isso. This Is Us estreia-se em Setembro, a campanha para as presidenciais inflama-se ainda mais em Outubro, a série “tornou-se o programa de televisão escapista ideal” em Novembro, escrevia a Slate. Ou, como lhe chamou Mandy Moore no New York Times, é “entretenimento catárctico”. “Acho que o clima actual é tão pleno de negatividade e ameaça que as pessoas só querem apreciar algo que parece inteligente, sofisticado mas que é caloroso e que dá vontade de partilhar”, disse a presidente da NBC para o entretenimento, Jennifer Salke, em Outubro, sobre o êxito da série com uma média de 15 milhões de espectadores.
Ainda assim, o drama familiar como categoria tem tanto boa quanto má reputação, seja pelo conservadorismo ou pela manipulação emocional (Fogelman inspirou-se em parte no drama Laços de Ternura, com Debra Winger e um Óscar para Shirley McClaine) seja pela dependência dos mecanismos narrativos de surpresa, tempo ou choque para se equiparar à ficção mais arriscada — por exemplo, Ben Travers, no IndieWire, acusa This Is Us de tentar “entrar pela porta das traseiras no Clube da TV de Prestígio”.