Sete irmãs da Terra descobertas na nossa vizinhança cósmica

É a primeira vez que se encontram tantos planetas rochosos como o nosso à volta de uma só estrela. Além disso, estão a uma distância dela que permite que a água fique líquida. Anunciada na revista Nature, a descoberta é de uma equipa internacional em que participa uma astrofísica portuguesa.

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Agora que todos acabámos de saber que uma pequena estrela aqui na nossa vizinhança cósmica tem a acompanhá-la sete planetas mais ou menos do tamanho da nossa Terra, perguntamo-nos: será que estes novos mundos têm temperaturas nem muito altas nem muito baixas e condições ambientais amenas? Que a água existe? Que há rios que desaguam em oceanos? E, a interrogação derradeira, que nos interpela directamente como espécie inteligente que vive num planeta com tanta diversidade biológica, terá a vida surgido também nalgum destes sete planetas? Ou, simplesmente, como são as suas paisagens?

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Agora que todos acabámos de saber que uma pequena estrela aqui na nossa vizinhança cósmica tem a acompanhá-la sete planetas mais ou menos do tamanho da nossa Terra, perguntamo-nos: será que estes novos mundos têm temperaturas nem muito altas nem muito baixas e condições ambientais amenas? Que a água existe? Que há rios que desaguam em oceanos? E, a interrogação derradeira, que nos interpela directamente como espécie inteligente que vive num planeta com tanta diversidade biológica, terá a vida surgido também nalgum destes sete planetas? Ou, simplesmente, como são as suas paisagens?

Houvesse telescópios suficientemente potentes (não há) para que os nossos olhos alcançassem as superfícies destes planetas, em órbita de uma estrela a 40 anos-luz de distância de nós (a luz dela demora 40 anos a chegar-nos, o que em termos cósmicos não é nada), e talvez já tivéssemos mais certezas para algumas das perguntas. Mesmo para chegar até à descoberta destas “sete irmãs da Terra”, revelada na edição desta quinta-feira da revista Nature, por uma equipa internacional coordenada pelo investigador belga Michaël Gillon, da Universidade de Liège, foi preciso percorrer um longo caminho.

Ao chamarmos-lhes “sete irmãs da Terra”, estamos a dizer que têm superfícies firmes e rochosas como a Terra, que possuem sensivelmente a mesma massa do nosso planeta e que se encontram na chamada “zona habitável”, a distância certa da sua estrela que torna possível que a água, a existir, esteja no estado líquido, uma das condições consideradas essenciais para a existência de vida.

“É um sistema planetário extraordinário, não apenas por termos encontrado tantos planetas mas porque todos são surpreendentemente parecidos com a Terra em termos de tamanho”, sublinhou Michaël Gillon, citado num comunicado do Observatório Europeu do Sul (ESO), cujos telescópios desta organização no Chile a equipa utilizou, entre outros de vários pontos do globo. “A estrela é tão pequena e fria que os sete planetas são o que se diz ‘temperados’, o que significa que podem ter alguma água líquida e, por extensão, vida na sua superfície”, acrescentou o astrofísico belga numa conferência de imprensa organizada na terça-feira pela revista Nature, e que esta quarta-feira voltou a falar numa conferência da NASA. “É a primeira vez que tantos planetas de tipo terrestre estão na zona habitável.”

Foi apenas em 1995 que se detectou o primeiro planeta extra-solar, ou seja, noutro sistema solar além do nosso, um feito de Michel Mayor e do seu estudante de doutoramento Didier Queloz, do Observatório de Genebra, na Suíça. Ficámos então a saber que os planetas que rodeiam o nosso Sol não são os únicos no Universo. Pelo menos em órbita da estrela Pégaso-51, a 50 anos-luz de distância de nós, havia um planeta gigante composto por gases que andava quase colado ao seu sol e, por isso, bastante quente.

Na década seguinte, o que se conseguiam descobrir eram planetas gigantes gasosos, como Júpiter, o planeta-monstro do nosso próprio sistema solar, ou Saturno. Os avanços da ciência e da tecnologia foram permitindo localizar planetas um pouco mais pequenos, até que em 2004 se encontrava o primeiro que se supunha ser rochoso (à volta da estrela mu Arae, a 50 anos-luz). Mas como tinha dez vezes a massa do nosso planeta, ainda era muito “grande” para ser considerado uma Terra.

Ainda assim, estava dado o pontapé de saída para a detecção de super-Terras, e houve entretanto várias encontradas, cada vez mais pequenas. E embora ainda sendo super-Terras, também se foram descobrindo algumas na zona habitável das suas respectivas estrelas, aproximando-as das características do nosso planeta. E, finalmente, localizaram-se outras Terras. E até já vários planetas rochosos mais pequenos do que a Terra – como o sistema solar Kepler-444, com os seus cinco planetas, com tamanhos entre Mercúrio e Vénus, cuja descoberta foi anunciada no início de 2015 por uma equipa internacional com vários cientistas portugueses e cujo primeiro autor é o português Tiago Campante, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido. Não sendo então já propriamente inédito, cinco planetas extra-solares rochosos em órbita de uma só estrela não deixava de ser raro. A lista de todos os planetas extra-solares, desde os monstros gasosos até aos rochosos, já vai agora em cerca de 3500.

Uma banalidade interessante

Voltando à equipa de Michaël Gillon, em 2010 começou a vasculhar estrelas anãs e “frias” na vizinhança do Sol, à procura de planetas de dimensão semelhante à da Terra. As observações foram feitas num telescópio robótico instalado no Chile chamado Trappist-Sul (acrónimo de Transiting Planets and Planetesimals Small Telescope), que usa uma das técnicas mais comuns para detectar planetas extra-solares, o método dos trânsitos.

O que este método faz é medir minúsculas reduções no brilho de uma estrela sempre que alguma coisa transita à sua frente, provocando um pequeno eclipse, e se o fizer de forma regular é porque há por ali um planeta em órbita.

Ora em Maio de 2016, a equipa de Michaël Gillon anunciou, num artigo na Nature, que à volta da estrela Trappist-1, com apenas 8% da massa do Sol e situada a 40 anos-luz de nós, tinham sido descobertos três planetas do tamanho da Terra. Da equipa fazia parte Didier Queloz, que, tal como no artigo desta quinta-feira, estava entre os autores.

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O sistema solar Trappist-1 e os seus sete planetas NASA/JPL/Caltech

Um batalhão de telescópios virou então as suas lentes para a estrela Trappist-1. Desde o telescópio espacial Spitzer, da agência espacial norte-americana NASA, até telescópios situados em terra – no Chile, de novo, e em Marrocos, no Havai, em Liverpool, nas Canárias e na África do Sul. Afinal, a Trappist-1 tem um séquito de pelo menos sete planetas de tamanho semelhante ao da Terra. Os seus nomes: Trappist-1b, c, d, e, f, g, h, por ordem crescente de distância à estrela.

“Descobrimos que cinco dos planetas (b, c, e, f, g) têm tamanhos semelhantes à Terra, enquanto os outros dois (d, h) têm um tamanho intermédio entre Marte (cujo raio é cerca de metade do da Terra) e a Terra. A massa estimada para os seis planetas mais interiores sugere, grosso modo, a existência de composições rochosas”, lê-se no artigo de agora.

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A astrofísica Catarina Fernandes, de 31 anos DR

“Pelo estudo da densidade dos planetas, pensa-se que seis são rochosos, o que poderá vir a ser confirmado nos próximos meses com continuação dos estudos”, acrescenta ao PÚBLICO Catarina Fernandes, também autora do artigo e que está a fazer o doutoramento em astrofísica na Universidade de Liège (“tive a oportunidade de participar nas observações de follow-up do sistema Trappist-1”). Quanto ao sétimo planeta, há mais dúvidas (“a densidade é baixa, daí se julgar que tenha uma composição volátil”).

Também a investigadora portuguesa considera a descoberta “extraordinária”: “É a primeira vez que se detecta um sistema com um tão grande número de planetas semelhantes à Terra, em tamanho e temperatura, sendo que pelo menos três podem teoricamente ter água na sua superfície”, disse referindo-se aos planetas Trappist-1e, f, g.

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A estrela Trappist-1 tem 8% da massa do nosso Sol, ou 11% do seu diâmetro, e é muito mais vermelha ESO

Num comentário ao trabalho, na mesma edição da Nature, Ignas Snellen, da Universidade de Leiden (Holanda), chama a atenção para quão banais afinal podem ser os planetas terrestres. “Nos últimos anos, acumularam-se provas de que os planetas do tamanho da Terra são abundantes na Galáxia [a nossa Via Láctea], mas as descobertas de Gillon e dos seus colegas indicam que estes planetas são ainda mais comuns do que se pensava antes”, frisou aquele astrofísico no comentário intitulado Sete Irmãs da Terra. “Por cada planeta descoberto que faça um trânsito [à frente do disco da sua estrela] deverá haver uma multitude de planetas similares (20 a 100 vezes mais), que, a partir da Terra, nunca passam à frente das suas estrelas.”

Além destas particularidades dos sete planetas, seis estão muito próximos entre si e muito próximos da sua estrela. Quanto ao sétimo, de novo não se sabe bem, parece estar muito afastado.

Mas por causa dessas proximidades, os seis mais interiores completam uma volta à Trappist-1 entre apenas 1,5 e 12 dias. “O que é uma reminiscência do sistema de luas à volta de Júpiter”, notou Michaël Gillon na conferência de imprensa, referindo-se às luas descobertas por Galileu (Io, Europa, Ganimedes e Calisto dão uma volta ao seu planeta entre 1,7 e 17 dias). Ainda que a Trappist-1 esteja muito próxima dos seus planetas, como é anã e fria – à superfície tem cerca de 2200 graus Celsius, enquanto o nosso Sol chega aos 5500 graus –, a radiação que eles recebem dela é comparável à que, no nosso sistema solar, chega a Vénus, à Terra e a Marte. “Como são estrelas mais frias, a zona potencialmente habitável para estas estrelas está mais próxima do que a da Terra ao Sol”, explica Catarina Fernandes.

Então, se olhássemos dali para o céu, o que veríamos? “Se um planeta do sistema Trappist-1 fosse a nossa casa, veríamos uma estrela maior e mais vermelha do que o nosso Sol e teríamos vizinhos bem mais próximos do que Vénus ou Marte”, diz Catarina Fernandes. “No artigo da Nature também se diz que é de esperar que alguns dos planetas estejam com a mesma face virada para a estrela, como a Lua que tem sempre a mesma face virada para a Terra”, acrescenta. “Como estaríamos com a mesma face virada para a estrela, estaríamos ou sempre de dia ou sempre de noite, dependendo de onde estivéssemos.”

E como é que a astrofísica, num exercício de ficção científica, imaginaria estes mundos? “Imagino a possibilidade de haver oceanos (alguns líquidos e congelados), uma geologia a uma escala diferente do que temos na Terra, marés diferentes das que experienciamos na Terra.”

O telescópio espacial Hubble já está a procurar atmosferas. E os próximos instrumentos de observação que aí vêm, agora em construção, o telescópio espacial James Webb (da NASA) e o Telescópio Europeu Extremamente Grande (do ESO), por exemplo, vão procurar moléculas que possam indicar a existência de uma actividade biológica. Se de facto estes planetas têm vida, microscópica ou outra, não sabemos. Mas sonhar não faz mal, pelo contrário.