"Nem todo o sofrimento é tratável", diz PAN em projecto de lei sobre eutanásia

Proposta do PAN sobre morte assistida obriga ao parecer favorável de três médicos. O projecto de lei é apresentado nesta terça-feira.

Foto
André Silva, deputado do PAN Nuno Ferreira Santos

Numa semana, é a segunda proposta de diploma sobre morte medicamente assistida a dar entrada no Parlamento. Depois do Bloco de Esquerda, o PAN entrega nesta terça-feira o seu projecto de lei. São 34 artigos que regulam o acesso à morte medicamente assistida — que implica obrigatoriamente o parecer favorável de três médicos diferentes, deixando de fora os menores e as pessoas com doenças do foro mental.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Numa semana, é a segunda proposta de diploma sobre morte medicamente assistida a dar entrada no Parlamento. Depois do Bloco de Esquerda, o PAN entrega nesta terça-feira o seu projecto de lei. São 34 artigos que regulam o acesso à morte medicamente assistida — que implica obrigatoriamente o parecer favorável de três médicos diferentes, deixando de fora os menores e as pessoas com doenças do foro mental.

“Nem todo o sofrimento é tratável”, defende o PAN na longa exposição de motivos do projecto de lei, em que considera que a diferença entre matar e deixar morrer não é assim “tão nítida” e cita a frase de um deputado francês (Caillaout): “O indivíduo não deve acabar como carne de laboratório, irrigado, desintoxicado, bombeado para uma máquina, deve admitir-se um direito de viver com dignidade a sua própria morte.”

As questões relacionadas com o fim de vida e a morte “necessitam de ser discutidas sem tabus”, acrescenta, considerando que a despenalização da morte medicamente assistida que propõe (e que implica a alteração dos artigos 134 e 135 do Código Penal) não exclui nem entra em conflito "com a oferta e o investimento nos cuidados paliativos". Cuidados estes que, porém, segundo este partido,  "não eliminam por completo o sofrimento em todos os doentes". 

De resto, tal como acontecia no anteprojecto de lei do Bloco de Esquerda, apresentado na semana passada, é garantido aos médicos o direito à objecção de consciência e sublinha-se que o pedido apenas é admissivel nos casos de “doença ou lesão incurável, causadora de sofrimento físico ou psicológico intenso, persistente e não debelado ou atenuado para níveis suportáveis”.

Em comunicado, o PAN recorda que este tema constava do seu programa eleitoral e anuncia que, após “um intenso processo de estudo e de audições”, iniciado em Março de 2016, decidiu formalizar agora a entrega do seu projecto de lei em que estipula que o doente tem de estar “consciente e lúcido”. Será ele, aliás, a redigir o seu pedido por escrito e a entregá-lo ao médico assistente, devendo ambos discutir outras possibilidades, como as oferecidas pelos cuidados paliativos.

Parecer de psiquiatra obrigatório

Uma das diferenças em relação ao anteprojecto do BE é a de que o parecer de um psiquiatra é obrigatório no caso do diploma do PAN (o Bloco apenas prevê esta possibilidade em determinadas situações específicas), e está prevista a criação de uma comissão de controlo e avaliação da aplicação da lei, que tem três médicos, três juristas, mas apenas um especialista em ética (no do BE são três).

O diploma do PAN prevê igualmente que o doente possa revogar o seu pedido em qualquer momento e, se ficar inconsciente entretanto, o processo é interrompido. Da mesma forma, a prática da eutanásia (quando o fármaco letal é administrado por um médico ou um enfermeiro, desde que supervisionado por um clínico) ou do suicídio medicamente assistido (quando é o próprio doente a administrar o fármaco, sob a orientação de um médico) pode ser efectuada em unidades de saúde públicas ou privadas ou no domicílio do paciente.

Na exposição de motivos, o PAN defende que "viver é um direito e não uma obrigação" e lembra que a prática médica tem, cada vez mais, sido "caracterizada pela autonomia e liberdade do paciente". Recorda ainda a posição de vários constitucionalistas que defendem que uma lei que permita a eutanásia ou o suicídio medicamente assistido "não é inconstitucional", nomeadamente "Luísa Neto, Teresa Beleza e Faria Costa", além de Jorge Reis Novais, para quem é a situação actual, ao "não atender à vontade da pessoas", que é "inconstitucional".

Sublinhando que não entra "em discussões alarmistas relacionadas com o argumento da ´rampa deslizante`", o PAN lembra que na Suiça as mortes por eutanásia e suicídio medicamente assistido representam "1,4% do total de mortes" e, na Holanda, 2.9%, "não constituindo esta situação um excesso de mortalidade dado que antes da entrada em vigor da lei morria o mesmo número de holandeses que agora morrem (cerca de 140 000/ano)". Os países que despenalizaram a eutanásia, acrescenta, são "países evoluídos".