Almaraz: ministro admite que aterro serve para prolongar central e que esta não precisa de estudo
Ministro diz que a decisão de Espanha construir armazém de resíduos nucleares "está em aberto" e que se no final dos dois meses os dois países não se entenderem sobre o processo, Portugal voltará a entregar a queixa agora retirada.
João Pedro Matos Fernandes admitiu esta terça-feira que a construção do armazém de resíduos nucleares em Almaraz servirá para o prolongamento do tempo de vida útil da central nuclear e que este, ao contrário do aterro, não precisará de uma avaliação de impacto ambiental.
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João Pedro Matos Fernandes admitiu esta terça-feira que a construção do armazém de resíduos nucleares em Almaraz servirá para o prolongamento do tempo de vida útil da central nuclear e que este, ao contrário do aterro, não precisará de uma avaliação de impacto ambiental.
O ministro, que esteve na comissão parlamentar do Ambiente apenas duas horas depois do anúncio do acordo entre Portugal e Espanha, não foi absolutamente taxativo nestas questões, e respondeu por "inferências". Apesar da confiança com que entrou por causa do acordo diplomático, isso não impediu que tivesse recebido críticas (esperadas) do PSD e do CDS, mas também algumas violentas do Bloco, do PEV, do PAN e até - embora mais suaves - do PS.
O deputado do PAN - Pessoas-Animais-Natureza quis saber se "a construção do aterro - que Espanha irá fazer com ou contra a vontade, com avaliação negativa ou positiva de Portugal - prolonga o funcionamento da central por mais uma ou duas décadas" e qual a "posição exacta do Governo português sobre a política energética nuclear espanhola".
Na resposta, o ministro começou por dizer que "não é a obra de construção civil que nos assusta, é para aquilo para o que ela serve. É aí que está, sem dúvida, o problema e por isso estamos tão atentos." Sobre a relação entre esta construção e o prolongamento da vida útil da central para lá de 2020, João Pedro Matos Fernandes admitiu: "Essa inferência é legítima, mas eu não a tomava por absoluta."
O ministro afirmou "não haver qualquer documento" sobre a extensão da vida da central e que "nada foi apresentado". "Aquilo que Portugal fez foi dizer que, em seu entendimento, esta ampliação de tempo de vida obriga uma Avaliação de Impacto Ambiental e, uma vez mais, terá que contemplar os impactos transfronteiriços", defendeu o governante.
E acrescentou que "aqui a lista positiva é menos evidente". Porquê? Porque, segundo João Pedro Matos Fernandes Espanha poderá ter uma interpretação diferente e considerar que Portugal não precisa ser consultado e nem sequer é necessária uma avaliação do impacto ambiental (AIA). A directiva europeia obriga a que exista uma AIA para a construção de um aterro de resíduos nucleares se este for para durar mais de dez anos e se destinar a receber também resíduos de outras centrais, descreveu o ministro.
"Para a ampliação do período de vida da central não é tão evidente que assim o seja [a obrigação de AIA] e, por isso, quanto mais próximas as relações dos dois países sobre a matéria, mais perto estaremos nós de poder ter opinião informada e poder participar nessa decisão", argumentou João Pedro Matos Fernandes como que justificando o acordo e o esforço diplomático que o Governo colocou na questão.
André Silva não descansou e replicou que a "informação fidedigna" de que dispõe é que "se a central não fosse prolongada não precisaria deste armazém".
Decisão de construção "em aberto"
Depois de defender que foi a "luta" do movimento ambientalista e dos partidos políticos que "empurrou o Ministério do Ambiente para a acção", a deputada Heloísa Apolónia (PEV) quis saber como será a "participação de Portugal": se um mero "pró-forma, limitando-se a assistir" ou se poderá "conhecer o AIA, reformular os aspectos transfronteiriços, abrir uma consulta pública e se essa avaliação vai servir para uma decisão".
A deputada ecologista também teve de questionar duas vezes o ministro se o acordo "prevê a revogação da decisão de Espanha" de construir o aterro para conseguir uma resposta. E defendeu ser necessário alargar o prazo que Portugal e Espanha acordaram para negociar e fazer a avaliação de impacto ambiental transfronteiriço da construção do aterro pois "dois meses é muito escasso", mas o ministro considera tempo suficiente - e disse que só começará a contar no momento em que o Governo receber o estudo de impacto ambiental do congénere espanhol.
A pressa de Espanha residirá no facto de o pedido para o prolongamento da vida da central ter que ser feito até Junho deste ano (três anos antes do limite agora em vigor).
O ministro cortou as expectativas da deputada ao avisar que "a decisão final cabe sempre ao licenciador da obra" - o Estado espanhol - embora possa "ponderar" a posição do outro Estado-membro - Portugal. "Uma avaliação de impacto ambiental transfronteiriça não pressupõe irmos os dois de mãos dadas tomar decisão alguma."
O governante lembrou que "a decisão de construção foi tomada a 14 de Dezembro" e que o acordo prevê que Espanha se absterá, nestes dois meses, de "tomar quaisquer medidas que possam ser consideradas irreversíveis. É evidente que só podemos considerar que a decisão está em aberto." Não conseguiu convencer Heloísa Apolónia que avisou que o "Governo devia começar a pensar numa forma de assumir que os nossos interesses só serão salvaguardados o se pugnarmos pela não continuação da vida útil da central".
"Areia para os olhos"
A social-democrata Berta Cabral considerou que este foi um acordo "bom para Espanha, pois não resolve nenhum problema nem traz nada de novo sobre a construção do armazém nem sobre o prolongamento da central. Espanha não muda de opinião; apenas ganha tempo." O anúncio, disse, foi uma "manobra política" que teve como único objectivo "acalmar a opinião pública e o Parlamento", instituição que até esteve "do lado" do Governo nesta matéria. "É o que se chama atirar areia para os olhos das pessoas."
Na resposta o ministro disse que a questão de Almaraz é "discutida abundantemente" entre os dois governos e que não foi preciso esperar pela Cimeira Ibérica para chegar a um acordo e não resistiu a criticar quem "denegriu a queixa a Bruxelas" e não se preocupou em 2015.
Da socialista Maria da Luz Rosinha, o ministro levou o recado de que o Governo não deveria ter aceitado retirar a queixa de Bruxelas e o pedido para a comissão parlamentar de Ambiente também possa integrar a missão de visita à central de Almaraz, em breve.
Em resposta à deputada do PS e depois ao bloquista Jorge Costa, o ministro considerou que a queixa foi apenas "suspensa" e anunciou que espera que entre a "terceira semana de Março e meados de Abril esteja à disposição de todos a informação [da avaliação de impacto ambiental] sobre o armazém".
O deputado do Bloco disse que o "Governo está a sair de costas para parecer que está a entrar" na questão: a atitude do Executivo "é grave porque o recuo e a retirada da queixa é feita por intervenção do primeiro-ministro", que ainda não tinha participado publicamente no processo.
"É um recuo em toda a linha. É lastimável que tenha comprometido a unanimidade dos actores políticos sobre Almaraz, na luta pelo seu encerramento e o cumprimento da AIAT."