Um mês de Trump pôs o mundo em sobressalto
Em 30 dias, o Presidente dos Estados Unidos pôs a América e o mundo em sobressalto. O ritmo de decisões, anúncios e comportamentos foi frenético — Washington nunca viu nada assim.
Guerra aos media em arranque de mandato
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Guerra aos media em arranque de mandato
Para Donald Trump, os jornalistas são “falsos”, “uma desgraça”, “as pessoas mais desonestas do mundo”. Não há nada que eles digam que o Presidente não conteste, do número de pessoas que assistiram à sua cerimónia de tomada de posse em Washington à taxa de aprovação do seu desempenho na Casa Branca depois de um mês. “Estão fora de controlo, e a prestar um péssimo serviço”, resumiu. Para o seu principal conselheiro, Steve Bannon, os media são o verdadeiro partido de oposição e “deviam manter a boca calada”.
A obsessão de Trump com os media descredibilizou a sua Administração desde o primeiro dia, quando o porta-voz da Casa Branca repetiu que era um facto que a inauguração era a maior de sempre e depois a conselheira Kellyanne Conway inventou os “factos alternativos”.
O fim da ordem comercial liberal
As primeiras directivas confirmam a intenção do Presidente de desmantelar a ordem comercial liberal vigente e lançar a confusão nas alianças internacionais dos EUA. Acaba com o TTP e promete reabrir o NAFTA à negociação, intensificando o braço de ferro com o México depois de ameaças às empresas com fábricas no país. Sobre a China, que atacou persistentemente ao longa da campanha, nada diz, e é Pequim que beneficia ao ocupar o vazio da retirada dos EUA e aumentar o seu poder de influência.
No discurso de tomada de posse começou a perceber-se como Trump pretendia colocar a América primeiro: ao “contratar americano, comprar americano”. Para tal, começou por rasgar a parceria comercial da Ásia Pacífico (uma decisão mais mediática do que pragmática, uma vez que o Congresso nunca ratificara o acordo negociado pela Administração Obama) e por anunciar a renegociação do acordo de livre comércio da América do Norte. Ameaçou os patrões das indústrias e os chefes das multinacionais que mantêm unidades no estrangeiro com novas taxas alfandegárias e outras penalizações.
EUA contra México
A crise com o México agudiza-se – Trump transforma a relação de vizinhança num conflito regional, ao assinar uma directiva que lança a construção do muro na fronteira e reforça o combate aos imigrantes ilegais. Por causa disso, o Presidente Peña Nieto cancelou uma cimeira em Washington. Estados americanos prometem reagir contra o fim das cidades santuário. Começam as operações de detenção e deportação.
América fecha para os muçulmanos
O primeiro grande desafio e a primeira derrota: a directiva que proíbe a entrada de cidadãos de sete países muçulmanos e suspende o programa de acolhimento de refugiados provoca o caos nos aeroportos, mobiliza a sociedade contra a Administração e abre um conflito com o sistema judicial que trava a acção do Presidente. O resto do mundo assiste em pânico aos desenvolvimentos, com críticas de que as acções de Washington servem de propaganda para o recrutamento do Daesh.
Tudo é um alvo: secretas, tribunais, funcionários
A fúria de Trump contra juízes estraga o momento mais positivo, que é a indicação de Neil Gorsuch para a vaga do Supremo Tribunal. Além das invectivas contra os tribunais, o Presidente lança ofensiva contra as agências e outros serviços do governo que não colaboram com ele, e levanta dúvidas sobre os serviços secretos, atacando as fugas de informação. Antes mesmo de tomar posse, Donald Trump já comparava as investigações das agências à “Alemanha nazi” (a propósito do suposto dossier de kompromat da Rússia). Na sua última tirada, depois de divulgada a existência de conversas entre Michael Flynn e o embaixador russo em Washington, chamou “criminosas” e “antipatrióticas” às fontes dos serviços secretos que, disse, andam a distribuir informação classificada à imprensa “como rebuçados”.
Diplomacia — o que é isso?
Conversas com líderes internacionais começam inquinadas. Merkel tem de lhe explicar o que é a Convenção de Genebra; desliga o telefone ao australiano; avisa o Irão que está debaixo de olho; faz pausa na chamada com Putin e é obrigado a reconhecer a política de Uma China em mensagem a Xi Jinping. No encontro com Shinzo Abe comete gafes. Não condena o teste balístico da Coreia do Norte. No estrangeiro, organiza-se a oposição, com o Reino Unido a recusar recebê-lo no Parlamento. Não é só uma questão de estilo: Donald Trump desconhece as regras elementares da diplomacia, como demonstrou nos seus primeiros contactos com líderes internacionais.
Conflitos de interesses
Num mês, foram vários os casos que adensaram as suspeitas sobre os possíveis conflitos de interesses do Presidente, que nunca explicou convenientemente a forma como se separou do seu império empresarial. Foi questionada a forma como usa o seu resort de Mar-a-Lago, na Florida, como residência de fim-de-semana e como local para receber convidados oficiais — Abe esteve lá. Também há dúvidas sobre a legalidade do aluguer de um piso na Trump Tower de Nova Iorque pelo Departamento de Defesa. Outra polémica: a forma como reagiu, no Twitter, contra a Nordstrom, que cancelou a distribuição de roupa da marca Ivanka, a filha do Presidente que, apesar de não ter qualquer cargo oficial no governo, tem tido assento em várias reuniões dentro da Casa Branca classificadas como “sensíveis”.
A conexão russa
A demissão de Michael Flynn foi o primeiro grande escândalo da Administração, que abre suspeitas de ligações com a Rússia e pode levar à abertura de comissões especiais de investigação ao próprio Presidente. A perspectiva de infiltração russa na Casa Branca (ou a possibilidade de exercício de chantagem ou manipulação sobre o Presidente) pode tornar-se um escândalo maior que o Irão-Contra e o Watergate?
De volta à campanha para segurar as bases
A dois dias de completar um mês no cargo, Trump fez um comício para lançar a campanha de reeleição. Com a iniciativa, quis demonstrou que há um eleitorado contente com a sua actuação, tentou recuperar a iniciativa, segurar a base de apoio e desviar as atenções das fugas de informação e relatos de caos dentro da Casa Branca.
Governação por impulso
O estilo pouco ortodoxo de Trump está a deixar espantados (assustados?) os seus aliados políticos em Washington e os líderes internacionais — amigos ou inimigos dos EUA — que deixaram de saber com o que contar na Casa Branca. Como notam os analistas políticos, nada é mais prejudicial para o Presidente do que a actual percepção de que a sua Administração vive sob suspeita, em estado de crise permanente. “Para já, temos uma Administração sob cerco, comprometida pela abjecta falta de credibilidade do Presidente e dos seus porta-vozes”, escrevia em The Washington Post a colunista conservadora Jennifer Rubin, incrédula com o grau de tumulto e de debilidade que compromete a presidência.