Mais de oito mil portugueses produzem luz para autoconsumo
No segundo ano do novo regime de produção eléctrica para autoconsumo, o número de pequenas instalações que não necessitam de registo ou licença cresceu 67%.
O que têm em comum o apartamento de um engenheiro electrotécnico em Carnaxide, a biblioteca municipal de Águeda, ou uma produtora de queijos de Loures? Quase nada, a não ser a produção de energia eléctrica para autoconsumo. Trocado por miúdos, em todos estes locais, foram (ou estão a ser) instalados painéis fotovoltaicos para produção de electricidade para consumo próprio ao abrigo do novo regime do autoconsumo introduzido pelo anterior Governo PSD-CDS e em vigor desde Janeiro de 2015.
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O que têm em comum o apartamento de um engenheiro electrotécnico em Carnaxide, a biblioteca municipal de Águeda, ou uma produtora de queijos de Loures? Quase nada, a não ser a produção de energia eléctrica para autoconsumo. Trocado por miúdos, em todos estes locais, foram (ou estão a ser) instalados painéis fotovoltaicos para produção de electricidade para consumo próprio ao abrigo do novo regime do autoconsumo introduzido pelo anterior Governo PSD-CDS e em vigor desde Janeiro de 2015.
Foi este diploma que abriu a porta a que os consumidores pudessem tornar-se produtores, pondo a tónica na poupança, ou seja, na redução da factura da luz, e não na venda de electricidade à rede com tarifas administrativas (ainda que essa possibilidade continue a existir), como era obrigatório com as unidades de micro e minigeração, cujo enquadramento legal foi substituído pelo novo regime.
Se em 2015 foram instaladas cerca de 3500 unidades de produção de electricidade para autoconsumo (UPAC), ao longo de 2016 este número subiu para 6067 instalações, aproximando-se agora das dez mil no conjunto dos dois anos, com uma potência instalada total de 50.393 kW, de acordo com os dados disponibilizados ao PÚBLICO pela Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG).
À semelhança do que ocorreu em 2015, no ano passado a grande maioria das instalações necessitou apenas de uma comunicação prévia à DGEG (através da plataforma digital SERUP) por se tratar de sistemas entre os 200 Watts a 1500 Watts e sem injecção na rede eléctrica, que variam entre um e seis painéis. Neste último caso, trata-se de um investimento que poderá rondar os três mil euros, tendo em conta que o preço dos painéis oscila entre 500 a 700 euros, mas que pode ficar muito mais caro, se a solução incluir uma bateria para armazenamento da energia.
Em 2015 houve 3280 meras comunicações prévias, número que subiu para 5488 no ano passado. Por estarem em causa instalações dimensionadas para consumos pequenos, é possível concluir que a esmagadora maioria das quase 8700 comunicações prévias registadas nos dois anos primeiros anos do novo regime do autoconsumo (que no conjunto representam uma potência de 7022 kW) se refere a clientes residenciais.
Poupanças até 50%
As casas são alimentadas pelas UPAC quando a energia produzida é suficiente e pela rede pública quando a produção não chega. É que, ao contrário do que sucede nas empresas, em que o maior consumo se regista durante o dia, coincidindo com a produção solar, nas casas particulares os picos ocorrem logo cedo e ao final do dia. Dependendo do consumo e das soluções adoptadas, podem conseguir-se reduções de entre 20% a 50% na factura eléctrica, disse ao PÚBLICO o presidente da Apisolar — Associação Portuguesa da Indústria Solar, João Carvalho.
Se os consumidores optarem por instalar um painel até 200 Watts, não têm sequer de o comunicar à DGEG, o que significa que ficam fora dos números oficiais.
É o caso de Nuno Martins. Foi “a facilidade de não ter de realizar qualquer comunicação”, misturada com alguma “curiosidade profissional” e a possibilidade de “ficar com a consciência mais tranquila” por consumir electricidade de fonte renovável, que levou a que, no final do ano passado, este engenheiro electrotécnico aproveitasse a sua “varanda virada a sul” para instalar um painel no gradeamento.
Com ele, Nuno Martins consegue compensar os consumos dos aparelhos em stand-by e, “em certas alturas, até do frigorífico”, com uma redução de dois euros/mês na factura.
Embora reconheça que a instalação vertical (em vez da instalação horizontal, como num telhado) não permite retirar o rendimento máximo do painel (comprado em segunda mão, por “cerca de 300 euros”), pelas suas contas, “ao custo actual da energia, serão precisos entre seis a oito anos” para obter o retorno.
Um tempo que considera “longo” e que o leva a dizer que estes sistemas “ainda são mais para curiosos”.
Factor de competividade
Para as empresas o tema vai muito além da curiosidade, garante João Carvalho. Mas se todas vêem com bons olhos a possibilidade de reduzir a factura eléctrica, muitas ainda “esbarram na falta de instrumentos” de financiamento.
Nem todas têm capacidade para suportar investimentos que podem andar na casa dos 90 mil euros (para cerca de 100 kW) com retornos a seis ou sete anos, exemplifica. Calculando que existam cerca de 15 megawatts de capacidade instalada para autoconsumo no segmento empresarial (que no ano passado movimentou “entre 20 a 25 de milhões de euros”), o presidente da Apisolar diz que “o potencial de crescimento é muito grande”, mas são precisas “soluções de financiamento adequadas em prazo e em custo”.
Como o retorno do investimento se mede “por aquilo que a empresa deixa de pagar e isso depende das tarifas que tem”, o presidente da Apisolar sublinha que é fundamental que a instalação esteja “bem dimensionada e alinhada com o perfil de consumo”. “O perfil teórico ideal” para retirar o máximo retorno destes projectos seria “um consumo diurno, sete dias por semana”, porque a energia que não é consumida é vendida à rede por um preço inferior ao preço médio grossista, o que não é rentável.
Uma vez que não é possível “apagar” o sol quando as fábricas estão fechadas (como ao fim-de-semana), as contas têm de ser bem feitas para que as empresas não acabem a perder dinheiro. Por isso, João Carvalho garante que o sector, “que é muito competitivo”, faz “uma aposta grande na formação” dos seus técnicos.
Depois de um período de crise marcado pela descida das tarifas de venda à rede (que desincentivou o investimento de particulares e empresas) e pelo vazio legal que antecedeu a publicação do actual regime do autoconsumo, a indústria solar começou a reanimar-se em 2014, mas “ainda tem muito caminho para andar”, diz João Carvalho. “As empresas perceberam que estes são investimentos que já valem por si” e “não precisam de subsidiação”, mas sim de resposta adequada por parte da banca, insiste.
O regime de autoconsumo prevê ainda a possibilidade de instalação de unidades de pequena produção (UPP) com potência de ligação à rede igual ou inferior a 250 kW, que vendem o total da produção com tarifas fixas conseguidas em leilão, mas que têm, segundo João Carvalho, “uma expressão muito pequena”.
A Montiqueijo, fabricante de queijos do concelho de Loures, tem uma das licenças “mais antigas” do regime do autoconsumo (foi na inauguração desta UPAC que o antigo ministro da Energia Jorge Moreira da Silva veio assinalar oficialmente a nova legislação) e está a produzir desde o Verão de 2015.
A empresa investiu cerca de 140 mil euros numa central com 460 painéis, com potência de 115 kW, “na fronteira entre o médio e o grande”, como adiantou ao PÚBLICO Maria João Rodrigues, consultora para a gestão de energia desta firma fundada em 1963. Contas feitas, a Montiqueijo conseguiu no ano passado reduzir a factura eléctrica em cerca de 20% e conta recuperar o investimento em sete anos.
À espera das baterias
Uma poupança anual de 30 mil euros é quanto espera o município de Águeda com a instalação de UPAC em 11 edifícios públicos, incluindo várias escolas, a biblioteca, o estádio municipal e uma incubadora de empresas, revelou ao PÚBLICO o director-geral da Sunenergy, Raul Santos. A empresa ganhou o concurso público de 145 mil euros lançado pela autarquia para a instalação de 540 painéis fotovoltaicos e “está neste momento a finalizar o projecto”. Recentemente, a Sunenergy também concluiu a instalação de 850 painéis no edifício-sede da distribuidora de medicamentos Plural, em Coimbra. A Plural não quis divulgar o valor do investimento, mas Raul Santos afirma que “o retorno é esperado em quatro a cinco anos”.
Lembrando que, no caso dos clientes domésticos, há um desencontro entre consumo e produção, o director-geral da Sunenergy admite que os investimentos poderão vir a tornar-se mais atractivos para este público-alvo à medida que for descendo o preço das baterias de iões de lítio que permitem armazenar a energia produzida durante o dia. “É uma opção que ainda não tem grande saída, mas os preços das baterias também vão baixar, como sucedeu com os painéis solares”, diz o gestor.
A EDP Comercial, que lidera o mercado liberalizado da electricidade, com mais de quatro milhões de clientes, não tem descurado o interesse crescente dos portugueses no solar fotovoltaico para autoconsumo como estratégia de fidelização. A empresa tem vindo a apostar na oferta de soluções solares “chave na mão” para os seus clientes e diz que já instalou “mais de dez mil soluções solares, a que corresponde uma quota de 85% do total dos sistemas em operação”. Este é um número que, segundo a EDP, inclui sistemas instalados antes de 2015, ou seja, antes de ter entrado em vigor o novo regime do autoconsumo.
A EDP Comercial dá aos clientes a possibilidade de instalação de sistemas solares com pagamento em 36 mensalidades para sistemas até seis painéis. Para “clientes típicos” com uma potência contratada de 6,9 kVA e com dois painéis, as mensalidades atingem 36 euros, mas podem chegar aos 64 euros com sistemas de quatro painéis e uma potência contratada de 10,5 kVA, exemplifica a empresa. Este segmento “continua a ser uma prioridade do grupo”, como adiantou fonte da EDP Comercial ao PÚBLICO.