Antiga escola primária de Vila de Rei transformada em capela mortuária

Município pioneiro na atribuição de subsídios de apoio à fixação da população jovem, ao casamento e à natalidade continua a revelar dificuldades em inverter o declínio demográfico.

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Vila de Rei tem falta de gente jovem. Em contrapartida, é um concelho envelhecido, com uma das mais elevadas taxas de mortalidade do país. Por isso, um dos equipamentos de que mais carece é uma capela mortuária para velar os seus mortos. Sintomaticamente, são os locais outrora dos mais novos que agora são destinados aos mais velhos: a câmara acaba de aprovar a construção da capela mortuária deste concelho do Médio Tejo aproveitando as instalações de uma antiga escola primária que também foi residência de estudantes e se encontrava desocupada há cerca de seis meses.  

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Vila de Rei tem falta de gente jovem. Em contrapartida, é um concelho envelhecido, com uma das mais elevadas taxas de mortalidade do país. Por isso, um dos equipamentos de que mais carece é uma capela mortuária para velar os seus mortos. Sintomaticamente, são os locais outrora dos mais novos que agora são destinados aos mais velhos: a câmara acaba de aprovar a construção da capela mortuária deste concelho do Médio Tejo aproveitando as instalações de uma antiga escola primária que também foi residência de estudantes e se encontrava desocupada há cerca de seis meses.  

A decisão tomada baseia-se nas condições que o antigo edifício escolar apresenta. “Possui cozinha e casas de banho e necessita apenas de pequenos trabalhos de adaptação das salas e do espaço envolvente”, diz um comunicado da autarquia. E acrescenta que a opção tomada “constitui uma necessidade premente da população” por não existir no concelho um “espaço que reúna as condições ideais para a realização de velórios e missas fúnebres”.

A transformação de uma escola desactivada devido à escassez de alunos num equipamento que o presidente do município, Ricardo Aires (PSD), considera “uma obra de grande importância para o concelho”, expressa uma realidade que se mantém há décadas: no balanço demográfico, são mais os que morrem do que aqueles que nascem. A base de dados da Pordata referente a Vila de Rei assinala que, em 1960, a taxa de mortalidade bruta era de 12,8 óbitos por mil habitantes, tendo subido para 24,4 em 2015, o que faz desta a oitava mais alta do país. Em contrapartida, a taxa de natalidade bruta era, em 1981, de 7,1 nascimentos por mil habitantes mas desceu para 6,2 em 2015, das mais baixas a nível nacional.

Para estancar o declínio demográfico (em 1970 a população residente em Vila de Rei era de 6209 habitantes e, nos Censos de 2011, reduziu-se para 3449), os sucessivos executivos da autarquia testam, há três décadas, medidas de acção social. Vila de Rei foi pioneira na atribuição de subsídios ao matrimónio, à natalidade, na fixação de população jovem. O actual presidente da câmara diz que as instituições de apoio social (lares, centros de dia, cuidados continuados) são uma das áreas de maior dinamização socioeconómica do concelho. “A economia social foi a semente que germinou depois de quase 30 anos de uma luta desigual (contra o flagelo dos incêndios que destruíram quase 80% da floresta do concelho)”, diz o autarca para justificar a opção tomada.

Subsídios para todos

O município de Vila de Rei atribui, desde 1989, subsídios de 750 euros de apoio ao casamento e instalação, 750 euros de apoio ao nascimento do primeiro filho, 1000 euros para o segundo filho, 1250 euros para o terceiro e seguintes filhos e 1500 euros para nascimentos com recurso à fertilização in vitro. Acrescem ainda os encargos com os custos dos manuais escolares para os alunos do ensino secundário.

Entre o ano 2000 e 2015 casaram-se em Vila de Rei 119 jovens e nasceram 223 bebés, o que implicou um encargo para a autarquia de quase 300 mil euros. Em 2016, a câmara pagou 25 apoios ao nascimento, quatro apoios ao casamento e um apoio ao nascimento com recurso à fertilização in vitro, num total de 27 mil euros, frisando que este é o maior valor em subsídios já atribuídos desde 2005, ano em que foram entregues 27 apoios ao nascimento.

Segundo os dados da Pordata, em 2001 frequentavam os diferentes níveis de ensino em Vila de Rei 358 alunos. Em 2015 o número desceu para 335.

No pré-escolar regista-se a única subida: 42 crianças em 2001 e 46 crianças em 2015. Já no ensino básico e nos 2.º e 3.º ciclos, o número baixou dos 203 alunos para 165, enquanto para o secundário não existem dados relativos a 2001 — em 2015 havia 39 alunos.

No início do ano, o vice-presidente da Câmara de Vila de Rei, Paulo César Laranjeira Luís (PSD), divulgou os dados sobre a frequência actual nas escolas do concelho: o número de alunos no ensino secundário e profissional no concelho é de 51, no 10.º ano estão 21 alunos e no 9.º ano 24.
No entanto, e apesar de ao longo dos últimos dois anos se observar “um crescimento na taxa de natalidade, os resultados continuam a estar muito longe de uma substituição saudável da população”, assinala ao PÚBLICO Miguel Baptista Jerónimo, vereador do Partido Socialista, frisando que a realidade “é o que é” e por isso “continua a ser muito complicada”, acentua.

Aposta na economia

O autarca socialista critica as opções do actual executivo, “ao privilegiar apenas a acção social”, quando teria de haver “uma forte aposta na diferenciação da economia, no turismo, na agricultura, na floresta, o que não está a acontecer neste momento”, realça.

Vários factores contribuíram para as fragilidades no tecido económico local. O primeiro golpe foi dado com a construção da barragem de Castelo do Bode, “uma grave calamidade” como vem referido no documento Vila de Rei e o seu concelho, publicado na sequência da inauguração da barragem em 1951 e divulgado recentemente pela autarquia.

Nessa altura, as águas da albufeira que hoje fornece água a Lisboa submergiram sete povoações do concelho “cujos moradores, bem ou mal indemnizados, tiveram de imigrar”.

Seguiu-se, décadas mais tarde, o pesadelo dos incêndios, sobretudo os que ocorreram em 1986 e 2003. A floresta do concelho sofreu uma brutal redução na ordem dos 80% da sua área e a actividade económica associada à floresta, que tinha uma enorme importância na criação de emprego (serração de madeiras, extracção de resinas, etc.), ficou praticamente extinta.  
Mais recentemente, e quando já se assistia ao repovoamento florestal, surge a praga de nemátodo do pinheiro.  

“No nosso ponto de vista”, refere o autarca socialista, a opção pelas acções sociais está prestes a esgotar-se “por ter sido atingido o número de postos de trabalho que pode suportar” num contexto em que a maioria da população do concelho tem mais de 65 anos. Algumas instituições particulares de solidariedade social “já revelam algumas dificuldades de gestão”, acrescenta Miguel Jerónimo. Destaca que outros concelhos das periferia de Vila de Rei “têm um contexto social equivalente, mas a sua dinâmica económica é muito mais forte na criação de emprego”.

O enorme desequilíbrio social entre os que nascem e os que morrem veio para ficar e acaba por se traduzir no novo uso que vai ser dado a uma antiga escola primária que deixou de ter crianças para a frequentar. O autarca socialista diz ter ficado “surpreendido”, quando a proposta para ali instalar a capela mortuária do concelho foi apresentada em reunião de câmara. “Não achámos que fosse o sítio que fazia mais sentido”, refere Miguel Jerónimo. Porém, como o município não tinha uma casa mortuária e os velórios ocorriam na igreja matriz do concelho, sem condições para acolher as pessoas, a proposta foi aprovada por unanimidade.