Antes de ser Basquiat, ele era tudo o que criava

Uma nova exposição nos EUA lança um renovado olhar sobre Jean-Michel Basquiat. A mostra Basquiat Before Basquiat, percorre o período de exploração criativa do icónico artista antes de se focar na pintura. Está até Maio no Museum of Contemporary Art, em Denver.

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Antes de se tornar um pintor consagrado na cena artística dos anos 1980, devido às cores garridas e letras crípticas com que decorava os seus quadros, Jean-Michel Basquiat passou por uma fase de descoberta artística em que a sua atenção foi distribuída em igual medida por diversas áreas criativas como o desenho, a escultura, a música, a performance teatral e a escrita.

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Antes de se tornar um pintor consagrado na cena artística dos anos 1980, devido às cores garridas e letras crípticas com que decorava os seus quadros, Jean-Michel Basquiat passou por uma fase de descoberta artística em que a sua atenção foi distribuída em igual medida por diversas áreas criativas como o desenho, a escultura, a música, a performance teatral e a escrita.

Este período corresponde ao ano em que o artista viveu com a namorada Alexis Adler num pequeno apartamento em Nova Iorque, e serve agora de mote à exposição Basquiat Before Basquiat: East 12th Street 1979-1980, que poderá ser visitada até 7 de Maio no Museum of Contemporary Art, em Denver, nos Estados Unidos. “O tempo de Basquiat com Alexis foi um importante momento de transição porque [o pintor] estava a explorar diferentes expressões criativas com a mesma paixão”, disse Nora Ambrams, curadora da exibição, citada pelo jornal norte-americano New York Times.

Na exposição, poderão ser encontrados mais de cem objectos artísticos, fotografias e outra memorabilia da colecção privada de Alexis Adler. Actualmente com 60 anos, a embrióloga era uma “recém-licenciada em Biologia com uma grande veia hippie” quando em 1979 conheceu Basquiat, na altura com 19 anos. Anteriormente, Adler e as suas amigas já haviam admirado os graffitis que Basquiat começara a espalhar pelos edifícios abandonados do bairro de Manhattan. Os dois viveram juntos ao longo de vários meses em três apartamentos diferentes, mas foi no sexto andar de East 12th Street que permaneceram mais tempo. “Esta era uma época em que Jean ainda não tinha telas para trabalhar, por isso usava tudo aquilo que podia e estava constantemente a criar”, diz Alexis Adler, no site do museu, referindo que a “zona da East Village providenciava os materiais que ele carregava pelos seis lanços de escadas [do prédio] para incorporar na sua arte”.

Entre as relíquias cedidas pela ex-namorada de Basquiat, encontram-se uma escultura que produziu a partir de um aquecedor velho que encontrou na rua, uma fotografia sua sentado na borda da banheira a praticar clarinete, uma fotografia onde cria uma máscara com um par de óculos partidos que apanhou na rua, uma série de imagens que mostram o pintor quando rapou o cabelo até metade da cabeça, dizendo à namorada que queria parecer que “estava a ir e a vir ao mesmo tempo”, cadernos e rascunhos onde se vêm diagramas copiados dos livros de ciência de Alexis Adler.

Durante esse período, e enquanto Adler trabalhava num laboratório, Jean-Michel Basquiat transformou o chão, as paredes, as portas e a mobília da casa em instrumentos de construção artística. “O nosso apartamento transbordava de arte e amor”, recorda Adler. Para ilustrar essa realidade, o museu de Denver recriou parcialmente a casa que Basquiat usou como tela e, inclusive, reproduziu o edifício com corredores e escadarias por ele grafitadas.

Esta é a primeira vez que este período da vida de Basquiat é abordado, fazendo a ligação entre a sua criação em espaços públicos e a sua passagem para o circuito das galerias. “[Esta exposição] definitivamente irá contribuir para um maior estudo da sua obra, porque oferece uma janela para este tempo e é um elo de ligação em falta”, explicou Dieter Buchhart, curadora radicada em Viena e Nova Iorque que já organizou várias exposições de Basquiat (uma das quais a inaugurar a 21 de Setembro na Barbican Gallery, em Londres).

O New York Times reconhece, contudo, que o catálogo do museu “evita uma perspectiva académica e dá lugar a recordações dos amigos do casal” que frequentavam na altura a cena nova-iorquina, como o crítico Luc Sante, o escritor Darryl Pinckney e o artista Sur Rodney. “Este material estava todo sem data, título e catálogo atribuídos”, disse Adam Lerner, director do Museum of Contemporary Art, ressalvando que “a maior parte do que se sabe sobre [Basquiat] provém da sua arte". Basquiat chegava, inclusive, a pintar camisolas e outras peças de vestuário para vender nas ruas de Nova Iorque e poder, com esse dinheiro, comprar tinta e pagar a sua parte da renda. Em 1981, quando se mudou para outro apartamento, deixou de lado a criação pública para passar a focar-se nas práticas de estúdio.

Jean-Michel Basquiat teve uma curta mas intensa vida e já foram várias as memórias partilhadas por pessoas com quem se relacionou. Madonna, que não era famosa à data do seu romance com o pintor, já falou da relação. Suzanne Mallouk contou as suas memórias no livro Widow Basquiat e Paige Powell e Kelle Inman participaram em exposições sobre o artista, à semelhança de Alexis Adler, que em 2014 já havia tentado levar a sua colecção a público num leilão da Christie’s. Jean-Michel Basquiat, talento em ascensão e protegido de Andy Warhol, ficou célebre devido à arte produzida em menos de uma década, mas viria a morrer aos 27 anos por overdose de heroína, em 1988.