“O país inteiro está a cometer os erros que nós já cometemos” em Lisboa

Serão cerca de 300 as pessoas que vivem nas ruas da capital. Uma quebra de cerca de 40% em cinco anos. Aposta é: menos camas para situações de emergência, mais para autonomização.

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Em Dezembro, as associações apresentaram um diagnóstico: contaram-se perto de 300 pessoas sem-abrigo na cidade Enric Vives Rubio

Falta uma coordenação nacional dos vários Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (conhecidos pela sigla NPISA) que existem no país. Falta discutir ideias, partilhar o que foi um erro e o que correu bem. “O trabalho com a população sem abrigo é uma anarquia. O país inteiro está a cometer os erros que nós já cometemos”, diz o coordenador do núcleo de Lisboa, João Marrana.

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Falta uma coordenação nacional dos vários Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (conhecidos pela sigla NPISA) que existem no país. Falta discutir ideias, partilhar o que foi um erro e o que correu bem. “O trabalho com a população sem abrigo é uma anarquia. O país inteiro está a cometer os erros que nós já cometemos”, diz o coordenador do núcleo de Lisboa, João Marrana.

Criado em Janeiro de 2015, o NPISA Lisboa é composto por 25 entidades, entre as quais o município, a Santa Casa da Misericórdia, a Segurança Social e as principais associações de apoio a esta população. Em Janeiro, a PSP e o Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo tornaram-se parceiros. Têm um espaço de trabalho comum na Unidade de Atendimento a Pessoas Sem-Abrigo, no Cais do Sodré.

Em matéria de intervenção, a cidade está dividida em quatro zonas, atribuídas a quatro associações (a Vitae, a Comunidade Vida e Paz, a Crescer na Maior e a Novos Rostos Novos Desafios), como definido no programa municipal. Em Dezembro, as associações apresentaram um diagnóstico: contaram-se perto de 300 pessoas sem-abrigo na cidade (dados provisórios), menos cerca de 40% face a Dezembro de 2013, quando tinham sido contabilizadas 501. Os dados do ano passado vão ser em breve confrontados com uma avaliação oficial.

Casa primeiro

Lisboa pretende reduzir as camas para situações de emergência — actualmente existem pelo menos 448 camas, mais de metade são alojamentos temporários. Pretende-se optimizar a forma como funcionam, para que haja uma maior rotatividade das pessoas que frequentam as respostas de emergência — a ideia é que lá passem o menor tempo possível. Ao mesmo tempo, quer-se apostar no aumento de vagas em alojamentos de longa duração e em soluções que levem, de facto, à inserção social desta população.

Em números, falamos numa redução das camas de emergência do Centro do Beato, da Vitae, de 271 para 128 (actualmente só estão disponíveis 242 camas) e no aumento dos alojamentos com vista à inserção de 179 para 336.

No último ano, o NPISA celebrou cinco contratos com associações com respostas de alojamento na cidade. A aposta é nos modelos de coabitação, como o Housing First, onde a primeira intervenção com as pessoas sem-abrigo passa por lhes facultar um tecto digno, trabalhando depois na sua autonomia. Nos chamados apartamentos partilhados, modelo que tem vigorado, facultar casa é o último passo da intervenção.

Aumentar o número de respostas de inserção diurnas, para desenvolvimento de competências sociais e profissionais, é outra prioridade. Actualmente 30 pessoas frequentam um espaço assim, da associação Orientar. O NPISA Lisboa quer chegar às 170, em breve.

Está ainda a ser criado um programa de saúde, com representantes de cada um dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) de Lisboa. Também a Administração Regional de Saúde é parceira do núcleo, com o objectivo de facilitar o acesso de pessoas sem-abrigo aos cuidados primários.

Nesta matéria, a prioridade são as questões de saúde mental. Daí ter sido criado um protocolo com o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, que disponibiliza uma equipa de saúde mental que, uma vez por semana, acompanha as equipas técnicas de rua.

Georreferenciação de sem-abrigo

A distribuição alimentar é o calcanhar de Aquiles. Não por falta dela, mas por falta de regulação. São muitas associações e muitos movimentos informais a trabalhar. Ainda não há regras que se apliquem a todos. Para o NPISA, a solução passa por criar mais Núcleos de Apoio Local. Existe um, em Arroios, aberto todos os dias, com refeições quentes, à mesa. Até ao início de Abril, vai abrir um em Santa Apolónia — o primeiro de quatro novos previstos até 2018.

Está ainda prevista a criação de uma rede municipal de balneários e uma plataforma de georreferenciação de pessoas sem-abrigo, a ser desenvolvida pela Comunidade Vida e Paz. “Vai permitir saber que o senhor José já esteve na Vitae e não se adaptou. Assim podemos trabalhar noutra estratégia”, explica João Marrana. Há também grupos de trabalho a procurar soluções em matéria de empregabilidade.

Na Área Metropolitana de Lisboa, o trabalho já é, em parte, feito em rede. Os NPISA de Loures, Amadora, Oeiras, Cascais, Seixal e Almada reúnem todos os meses e, em Março, as suas equipas técnicas vão encontrar-se para compartilhar estratégias.

Para além da coordenação entre núcleos, o NPISA de Lisboa anseia pela partilha de informação entre os vários serviços sociais. Ter informação sobre as pessoas cuja situação financeira e/ou familiar as coloca em risco de ir para a rua “ia permitir às equipas saber que respostas estruturar.” “Prevenção” é uma das palavras que João Marrana espera ver na nova estratégia.