Para que serve afinal a seta do Cupido?
À boleia de um discurso idílico que omite as evidências, o namoro tende a ser retratado como um período de felicidade e de harmonia inquebrável, quando na realidade não é. A seta do Cupido é, para muitos casais, a arma que fere de morte e não de amor.
O Dia dos Namorados e das Namoradas é uma celebração mercantilizada do amor e da paixão, um negócio rentável pensado para fazer lucrar toda uma máquina de propaganda ideológica. A apologia do romance, por norma heterossexual, com data marcada, por melhor intencionada que seja, parece servir mais os propósitos de um mercado ávido de trocas comerciais, cada vez menos simbólicas portanto, de coisas-prova, do que os afectos naquilo que eles têm de mais genuíno, isto é, o facto de serem não-coisas. Cupidos, corações e outros tantos artefactos, a colorir de vermelho vivo o imaginário colectivo sugerem, no Dia de S. Valentim, que o amor deve ser materializado em objectos compráveis, como se a ausência da transacção de coisas, nesse dia, entre as pessoas que se amam pusesse em causa a verdade desse mesmo amor. Ora tal pressuposto conflitua inclusivamente com aquelas que dizem ser as origens da comemoração do Dia de S. Valentim, isto é, a morte de um romano tornado mártir por ter renunciado ao Cristianismo e que se viria a tornar, mais tarde, o símbolo maior do despojamento em prol dos outros.
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O Dia dos Namorados e das Namoradas é uma celebração mercantilizada do amor e da paixão, um negócio rentável pensado para fazer lucrar toda uma máquina de propaganda ideológica. A apologia do romance, por norma heterossexual, com data marcada, por melhor intencionada que seja, parece servir mais os propósitos de um mercado ávido de trocas comerciais, cada vez menos simbólicas portanto, de coisas-prova, do que os afectos naquilo que eles têm de mais genuíno, isto é, o facto de serem não-coisas. Cupidos, corações e outros tantos artefactos, a colorir de vermelho vivo o imaginário colectivo sugerem, no Dia de S. Valentim, que o amor deve ser materializado em objectos compráveis, como se a ausência da transacção de coisas, nesse dia, entre as pessoas que se amam pusesse em causa a verdade desse mesmo amor. Ora tal pressuposto conflitua inclusivamente com aquelas que dizem ser as origens da comemoração do Dia de S. Valentim, isto é, a morte de um romano tornado mártir por ter renunciado ao Cristianismo e que se viria a tornar, mais tarde, o símbolo maior do despojamento em prol dos outros.
Se é verdade que a efeméride, sendo superficial na sua substância é, na maioria das vezes, inofensiva, outras há em que o risco de beatificação do namoro alimentado pela data merece particular atenção. À boleia de um discurso idílico que omite as evidências, o namoro tende a ser retratado, no dia que lhe é dedicado, como um período de felicidade e de harmonia inquebrável, quando na realidade não é. Os estudos nacionais e internacionais são inequívocos a este respeito. As/os jovens são particularmente vulneráveis à vitimação nas relações de intimidade, estimando-se que uma em cada quatro relações de namoro seja abusiva. A seta do Cupido é, para muitos casais, a arma que fere de morte e não de amor.
Contrariando a promoção de um discurso acrítico sobre o namoro, têm sido muitas as iniciativas que têm procurado alertar para os perigos de relações de intimidade juvenil assimétricas e violentas. Exemplo disso é a mais recente campanha de prevenção contra a violência no namoro – “Muda de Curso: violência no namoro não é para ti” -, especialmente dirigida aos/às alunos/as do Ensino Superior e promovida pelo Governo Português em articulação com a SEIES, a UMAR e a Capazes e várias federações e associações académicas. Usando uma linguagem metafórica a campanha, lançada em Outubro de 2016, adverte sobre as diferentes formas de violência praticadas e sofridas – física, psicológica, social e sexual - e convida ao repensar do conceito de namoro.
A prevenção da violência do namoro passa pois, também, pela desconstrução do mito do amor romântico, esse reduto de desigualdades de género que, sob o pretexto da cara metade, vai coarctando direitos e liberdades individuais.