As 1001 competências que o Estado já passou às autarquias

Há um processo de municipalização em curso. Veja alguns exemplos.

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Bruno Simões Castanheira

O tema tem estado no centro do debate político há anos. Apesar de a versão final da lei-quadro da descentralização ser aprovada nesta quinta-feira, em Conselho de Ministros, já há vários exemplos de processos de municipalização em curso, isto é, de transferência de alguns poderes da administração central para as autarquias. Passada a fase das negociações com as associações representativas do poder local e depois de ser aprovada em Conselho de Ministros, o Governo irá enviar à Assembleia da República o pacote de legislação que inclui vários diplomas que compõem esta reforma. Pretende dar-se às comunidades intermunicipais e câmaras municipais mais poderes em áreas como a saúde, a educação, a gestão dos portos e do património, entre outras. Quanto ao xadrez político, a questão está a ser negociada com o PSD, mas o Governo já manifestou desejo de consensualizar esta reforma com todos os partidos com assento parlamentar. A esquerda, nomeadamente os partidos que apoiam o executivo socialista no Parlamento, têm, porém, uma visão crítica sobre os diplomas que serão apresentados. Quer Bloco de Esquerda, quer PCP preferiam um modelo mais próximo do que foi referendado e chumbado em 1998 – um modelo mais desconcentrado e baseado em 12 regiões.

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O tema tem estado no centro do debate político há anos. Apesar de a versão final da lei-quadro da descentralização ser aprovada nesta quinta-feira, em Conselho de Ministros, já há vários exemplos de processos de municipalização em curso, isto é, de transferência de alguns poderes da administração central para as autarquias. Passada a fase das negociações com as associações representativas do poder local e depois de ser aprovada em Conselho de Ministros, o Governo irá enviar à Assembleia da República o pacote de legislação que inclui vários diplomas que compõem esta reforma. Pretende dar-se às comunidades intermunicipais e câmaras municipais mais poderes em áreas como a saúde, a educação, a gestão dos portos e do património, entre outras. Quanto ao xadrez político, a questão está a ser negociada com o PSD, mas o Governo já manifestou desejo de consensualizar esta reforma com todos os partidos com assento parlamentar. A esquerda, nomeadamente os partidos que apoiam o executivo socialista no Parlamento, têm, porém, uma visão crítica sobre os diplomas que serão apresentados. Quer Bloco de Esquerda, quer PCP preferiam um modelo mais próximo do que foi referendado e chumbado em 1998 – um modelo mais desconcentrado e baseado em 12 regiões.

Florestas

Depois de, no ano passado, terem ardido 160 mil hectares de floresta em Portugal, o Governo anunciou uma reforma na legislação que inclui 12 diplomas. Porém, e tal como noutras áreas, também no que respeita à floresta, as opiniões dividem-se: há quem entenda que está em curso um processo de municipalização e quem defenda o contrário. Face, porém, à legislação existente, as câmaras vão ganhar mais poder no que toca à execução da política florestal. No que respeita, por exemplo, a projectos de arborização ou rearborização, as autarquias passam a emitir pareceres vinculativos e obrigatórios para todas as plantações no seu território – eram apenas indicativos. Apesar de isto significar que as autarquias terão uma última palavra sobre aqueles projectos, essa palavra também terá de respeitar a política florestal nacional, nomeadamente os Planos Regionais de Ordenamento Florestal. A alteração tem gerado polémica, havendo vozes a contestar a competência técnica dos municípios ao nível florestal e outras, como a da Quercus, a defender que, se as câmaras têm competências ao nível do plano da defesa contra os incêndios, “não faz sentido que não tenham uma palavra a dar sobre os povoamentos florestais”.

Taxas turísticas

As câmaras municipais conquistaram também a capacidade de obterem financiamento através da cobrança de taxas. No caso, a taxa turística que já existe em Lisboa e Cascais, e que o Porto poderá também adoptar. No que toca a Cascais, a autarquia começou a cobrar a taxa turística a 1 de Fevereiro, o que significa que todas as dormidas nos estabelecimentos hoteleiros do concelho passam a estar sujeitas à cobrança de um euro por noite, até um máximo de cinco euros por estadia. A autarquia pretende arrecadar no mínimo 1,2 milhões de euros em 2017. Trata-se de uma estimativa por baixo, uma vez que inclui apenas as reservas de hotéis e não as dos hostels, por exemplo. A autarquia de Cascais pretende usar o dinheiro que conseguir reunir com esta medida no financiamento de eventos e projectos, tais como o Museu de Arte Urbana, que vai nascer junto à Marina de Cascais num antigo espaço comercial, e que reunirá 300 obras de Vhils. Antes de Cascais, já Lisboa trilhou este caminho. A autarquia lançou uma taxa turística em Janeiro de 2016, que pode ir de um euro por noite até a um máximo de sete euros. No ano passado, o valor alcançado com a medida foi de 13,5 milhões de euros. A maior fatia proveio dos hotéis – nove milhões de euros. A taxa sobre os apartamentos turísticos e hostels rendeu 2,8 milhões. E a dos apartamentos ou quartos arrendados através da plataforma Airbnb chegaram a 1,7 milhões de euros. De acordo com informações da autarquia, 3,5 milhões já foram aplicados na “promoção e divulgação” de Lisboa. O resto do valor vai para um bolo de 18 milhões que o município espera arrecadar até 2019 com esta taxa turística e que será usado, em conjunto com fundos europeus e de outras entidades, em vários projectos, como o remate do Palácio da Ajuda, a reabilitação da Estação Sul e Sueste e o programa Lojas com História.

Transportes colectivos

No país, há cinco municípios que gerem os seus transportes colectivos: Coimbra, Braga, Bragança, Portalegre e Barreiro. Este último caso é um exemplo com 60 anos, que nasceu para dar resposta aos funcionários da CUF, que era a grande empregadora da região à época: os Transportes Colectivos do Barreiro levavam os trabalhadores de casa para a fábrica. Saltando, porém, para o presente e para processos mais recentes e polémicos (Lisboa e Porto), será daqui a cerca de uma semana, e por iniciativa do PCP, que o Parlamento vai debater as apreciações parlamentares dos decretos-lei sobre os processos de descentralização/municipalização relativos à STCP e à Carris. No caso da municipalização da gestão da Carris, a medida foi decidida pelo Governo a 22 de Dezembro, promulgada pelo Presidente da República, e entrou em vigor a 1 de Fevereiro. “A transferência está hoje consumada, está feita”, disse nesse dia o primeiro-ministro António Costa. Foram os comunistas que pediram a apreciação parlamentar dos decretos-lei do Governo sobre a descentralização de competências e gestão da Carris, em Lisboa, e já tinham pedido sobre a STCP, do Porto. O debate dos dois pedidos de apreciação parlamentar está agora marcado para 24 de Fevereiro. Para o PCP, as competências de autoridade de transportes não devem ser exercidas pelas autarquias de Lisboa ou do Porto, nem por uma entidade supramunicipal, mas sim reintegradas no sector empresarial do Estado. Recorde-se que, no caso da STCP, o PS alterou o decreto sobre os estatutos da STCP e Metro do Porto, depois do veto do Presidente da República que discordou que se vedasse “taxativamente” qualquer participação de entidades privadas.

Parques naturais

O Governo quer introduzir alterações na forma como são geridos os territórios protegidos ambientalmente, dando mais poder às câmaras municipais. Para já, para testar o novo modelo, a ideia é avançar, até ao final de Março e no Parque Tejo Internacional, com um projecto-piloto. O que o executivo quer é dar a liderança a um autarca, mas deixando áreas em que o Instituto de Conservação da Natureza (ICNF) “será soberano”. O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, explicou ao PÚBLICO que, “com este modelo não se pretende retirar poder ao ICNF, mas sim valorizar o papel das autarquias”. A tutela quer, assim, passar para as câmaras a gestão do que tem que ver com actividades económicas, culturais e sociais, ficando o ICNF com a parte de conservação da natureza. O modelo proposto passará por uma direcção “colegial” tripartida que incluirá câmaras, ICNF (membro fixo na equipa) e outras entidades com actividade na área, como por exemplo universidades. Nas áreas protegidas com vários municípios um só autarca “assumirá a direcção do parque e será o seu rosto”, mas a representação municipal deverá ser feita “num regime de rotatividade”. A esquerda, porém, não concorda com esta medida, por considerar que se submetem os interesses da conservação da natureza aos interesses económicos e argumenta ainda que se trata de uma “municipalização” da gestão das áreas protegidas. O Governo nega, opondo que o que está em causa é apenas deixar a cargo das câmaras algumas vertentes da gestão.

Zonas ribeirinhas

O anúncio já foi feito pelo Governo. Em Outubro, a ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, aproveitou uma passagem pela Figueira da Foz para adiantar que o Governo dará às autarquias interessadas a gestão dos espaços ribeirinhos e das instalações náuticas de recreio. “Se as câmaras municipais quiserem gerir as instalações [náuticas de recreio], vão poder fazê-lo”, afirmou a governante, sublinhando que o executivo também já propôs às autarquias que a gestão dos espaços ribeirinhos seja transferida para a sua esfera. Este é um dos aspectos que consta da versão preliminar do documento que vai nesta quinta-feira a Conselho de Ministros e que, segundo o presidente da Associação Nacional de Municípios, Manuel Machado, deverá estar também incluído na versão final. Manuel Machado explica ainda que várias das competências que vão ser agora objecto de transferência são a “formalização” de trabalhos que as autarquias já fazem na prática, tais como, exemplifica, a limpeza das praias. Com S.S., L.V., J.P., M.C.