Presidente condicionado tenta condicionar
Cavaco tentou evitar a maioria de esquerda. Acabou a presidir ao Conselho de Ministros da era Costa.
Foi um presidente em fim de mandato e limitado nos seus poderes constitucionais que tentou condicionar a tomada de posse do último Governo com que institucionalmente se relacionou: o executivo minoritário do PS liderado por António Costa e apoiado por uma maioria de esquerda no Parlamento.
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Foi um presidente em fim de mandato e limitado nos seus poderes constitucionais que tentou condicionar a tomada de posse do último Governo com que institucionalmente se relacionou: o executivo minoritário do PS liderado por António Costa e apoiado por uma maioria de esquerda no Parlamento.
A razão de fundo da oposição de Cavaco Silva à constituição deste Governo foi precisamente o carácter inovador em Portugal que representava uma aliança política de governação entre o PS, partido do mainstream governativo tradicional, com partidos da extrema-esquerda parlamentar, o BE, o PCP e o PEV.
A oposição manifestou-se logo a seguir às eleições, quando indigitou para formar governo Pedro Passos Coelho, líder do PSD e cabeça da coligação eleitoral vencedora, Portugal à Frente. E logo avisou que não queria partilhar decisões de gestão do país com partidos que eram adversos aos compromissos internacionais de Portugal, que eram contra a NATO e a União Europeia. Foi o recado em relação ao PCP e ao BE.
Até ao fim, Cavaco tentou evitar ter de dar posse à aliança das esquerdas e, através de uma comunicação ao país, fez mesmo algo que em si parecia impensável: apelou à rebelião na bancada socialista em São Bento, quando da votação da moção de rejeição do programa do efémero Governo de Passos. Sem êxito. Acabou por ter de engolir o sapo e a 26 de Novembro deu posse a António Costa.
O facto é que depois da tempestade veio a bonança. Os três meses com o seu último primeiro-ministro foram de uma cordialidade e de uma pacificação surpreendentes. E até acabou a satisfazer o sonho, até aí nunca concretizado, de presidir a um conselho de ministros, por convite de Costa.
Esfumar de um sonho
Bastante mais pacífica do que com Sócrates foi a relação com Passos. Ainda que tenham existido pontos de fricção, nunca se atingiu o clima de confrontação.
Cavaco serviu de ponte, quando, a 15 de Setembro de 2012, o descontentamento com a austeridade desaguou na rua com a maior manifestação em décadas, espoletada pelo anúncio de que no Orçamento do Estado (OE) para 2013 a taxa social única (TSU) ia baixar em 5,75% para as empresas e aumentar em 7% para os trabalhadores. Trabalhando a questão nos bastidores, criou o palco institucional de um conselho de Estado para o primeiro-ministro poder recuar.
Quando o OE2013 foi conhecido, o tom conciliador do Presidente cessou e na mensagem de Ano Novo de 2013 anunciou que, apesar de promulgar o documento, o enviaria para fiscalização sucessiva do Tribunal Constitucional. E advogou a urgência de acabar com a “espiral recessiva, em que a redução drástica da procura leva ao encerramento de empresas e ao agravamento do desemprego”.
Já em relação ao OE2012 criticara os cortes nas pensões e, no início do Governo de Passos, opôs-se à entrada na Constituição do princípio do défice zero, previsto no Tratado Orçamental. Mas o momento mais crítico entre Cavaco e Passos foi a crise do Governo pelo abandono do ministro das Finanças (01/7/2013) e a demissão “irrevogável” de Paulo Portas do cargo de ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (02/07/2013).
Com o clima a ferver dentro da coligação, Cavaco procurou impor um pacto de regime entre o PSD, o CDS e o PS, que passava pela negociação de um guião de orientação da governação nos anos subsequentes, com a garantia de que convocaria legislativas antecipadas para 2014.
O então líder do PS, António José Seguro, ouviu a proposta de Cavaco num silêncio aparentemente conivente, mas acabou por romper o acordo, pressionado pelas declarações de Mário Soares e pela pressão partidária dos apoiantes de Sócrates. O “pacto de regime” sonhado por Cavaco esfumou-se e o Presidente aceitou a remodelação do Governo PSD-CDS, em que Paulo Portas continuou como vice-primeiro-ministro.