Trump e Rússia, um amor que por ora tem de ser contrariado
Rex Tillerson e James Mattis vieram à Europa, falaram sobre as relações dos EUA com Moscovo e não deram grandes motivos para sorrir a Putin. Trump defendeu a sua Administração em Washington.
Rex Tillerson, o novo secretário de Estado norte-americano, estreou-se na diplomacia internacional com um encontro com Serguei Lavrov, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo. Mas quem esperava que a reunião em Bona fosse o início de uma nova e bela relação entre os Estados Unidos e a Rússia ficou desapontado. Entre Tillerson e Lavrov não parece ter havido faísca — ambos descreveram o encontro apenas como “produtivo”.
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Rex Tillerson, o novo secretário de Estado norte-americano, estreou-se na diplomacia internacional com um encontro com Serguei Lavrov, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo. Mas quem esperava que a reunião em Bona fosse o início de uma nova e bela relação entre os Estados Unidos e a Rússia ficou desapontado. Entre Tillerson e Lavrov não parece ter havido faísca — ambos descreveram o encontro apenas como “produtivo”.
Em Washington, Donald Trump viu-se obrigado a dar uma conferência de imprensa para afirmar que a sua Administração “está a funcionar como uma máquina altamente afinada”, para tentar acalmar uma crise que põe em causa a capacidade de governação da Casa Branca — a demissão forçada do conselheiro de Segurança Nacional Michael Flynn, por conversas que nunca deveriam ter acontecido com o embaixador russo em Washington.
Enquanto isso, Tillerson e o secretário da Defesa, James Mattis, em viagem na Europa, são uma espécie de guarda avançada diplomática da Administração Trump, num momento em que começa a definir-se a sua posição em dois tabuleiros fundamentais do palco internacional: o Médio Oriente e a posição relativamente ao velho rival, a Rússia, à qual Trump tem feito tantas promessas de amizade.
Rex Tillerson, o ex-patrão da petrolífera Exxon-Mobil, uma escolha criticada pelas ligações empresariais à Rússia e ausência de experiência política, teve de fazer um trilho cauteloso nesta reunião em Bona, que serviu para preparar a cimeira de Julho dos países G20 em Hamburgo. Uma aproximação excessiva à Rússia seria a descredibilização total da posição norte-americana, e Tillerson não o fez.
Frisou que os EUA continuam a esperar que Moscovo “honre os seus compromissos ao abrigo dos acordos de Minsk, para fazer abrandar a violência na Ucrânia”. Foi um esclarecimento importante para os aliados europeus, sobretudo porque os ministros da Alemanha, França, Ucrânia e Rússia estão a planear uma reunião neste fim-de-semana, à margem da Conferência de Segurança de Munique, para discutir os mais recentes desenvolvimentos na Ucrânia — onde se verificou um recrudescimento dos combates.
Hoje, o Governo de Kiev acusou a Rússia de estar por trás de ataques contra a sua estrutura informática com um novo tipo de vírus, baptizado Black Energy, que incapacita a rede eléctrica, o sistema financeiro e redes de outras infra-estruturas.
Na sua primeira viagem à Europa como secretário de Estado, Tillerson fez uma demonstração da hostilidade da Administração Trump face aos media. A sua equipa permitiu aos jornalistas assistir às declarações do ministro russo. Mas quando Tillerson começou a falar, os repórteres foram mandados sair. Lavrov ficou espantado. “Porque é que os está a mandar embora?”, perguntou.
É uma abordagem radicalmente diferente da da Administração de Barack Obama, que utilizava os jornalistas que acompanhavam as viagens do Presidente ou do secretário de Estado como uma forma de forçar a abertura, em países com sistemas não democráticos, diz o New York Times, forçando os dirigentes locais a responder a perguntas. “Aconteceu na China em 2013, na Etiópia em 2015 e em Cuba em 2016”, enumera o jornal.
Não há cooperação militar
Enquanto isto se passava em Bona, o chefe do Pentágono, em Bruxelas, dizia que não era possível haver cooperação militar com a Rússia — administrando um novo golpe às expectativas russas de uma nova época de bom entendimento com Washington, e especialmente de uma coordenação na Síria, na luta contra o Daesh. Atirou a questão para o domínio da diplomacia: “Neste momento, não é possível colaborar ao nível militar. Mas os nossos líderes políticos vão tentar encontrar pontos comuns”.
No entanto, James Mattis não hesitou em reconhecer o interesse da Rússia em perturbar processos eleitorais — sem especificar se se referia aos EUA ou a outros países. “Diria que há muito poucas dúvidas de que interferiram ou tentaram inferir em várias eleições democráticas”, afirmou na sede da NATO, onde participou numa reunião dos ministros da Defesa dos Estados-membros.
Foram declarações secas, no mesmo dia em que o Presidente russo, Vladimir Putin, fez um discurso na sede do FSB (herdeira do KGB russo) em que dizia ser do interesse tanto de Moscovo como de Washington restabelecer as comunicações entre as agências de espionagem dos dois países — abaladas pelas acusações de interferência russa nas presidenciais norte-americanas.
Preocupação em Moscovo
A falta de receptividade encontrada por Moscovo nestes altos responsáveis da Administração Trump confirma as preocupações que começam a ser expressas na capital russa nos últimos tempos, substituindo a euforia manifesta após a eleição surpresa do milionário, “um amigo da Rússia”, em vez de Hillary Clinton, uma crítica de Putin. Desenhava-se o cenário da possibilidade do levantamento, em breve, das sanções impostas pelos EUA por causa da anexação, em 2014, da Crimeia, e de um desbloqueio das relações bilaterais.
Em Moscovo não se está a ver que as promessas de Trump de uma nova era de boas relações se materializem em acções concretas, diz a Foreign Policy. E teme-se também que, em Washington, começe a haver uma rejeição ao novo Presidente norte-americano e que, por causa disso, este mude radicalmente de política, para fazer as pazes com os republicanos tradicionais, radicalmente anti-Rússia, na linha de John McCain.
Por isso Moscovo “escolheu ignorar as duras declarações contra a Rússia feitas por alguns membros da nova Administração”, escreve a Foreign Policy.