Xeque à “política russa” de Trump
"A marginalização de Flynn foi organizada pelas mesmas pessoas que querem que as relações com a Rússia permaneçam más", diz analista russo próximo do Kremlin.
Como vai Donald Trump conduzir doravante a sua "política russa"? Tem condições para a pôr em prática? Esta pergunta tem de ser feita no seu contexto. Desde 20 de Janeiro, não pensando já na campanha, o Presidente disparou tweets em excessivas direcções. Agora, é a vez de ser apanhado num campo de minas que começam a rebentar. A demissão de Michael Flynn é um acidente de percurso ou o sinal da primeira crise da Administração Trump?
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Como vai Donald Trump conduzir doravante a sua "política russa"? Tem condições para a pôr em prática? Esta pergunta tem de ser feita no seu contexto. Desde 20 de Janeiro, não pensando já na campanha, o Presidente disparou tweets em excessivas direcções. Agora, é a vez de ser apanhado num campo de minas que começam a rebentar. A demissão de Michael Flynn é um acidente de percurso ou o sinal da primeira crise da Administração Trump?
Nenhum Presidente na era moderna viu a sua equipa embrulhada num tal caos menos de um mês após a tomada de posse. "Não sabemos quem comanda, não sabemos quem toma as decisões", protesta o senador John McCain, presidente da Comissão das Forças Armadas. Especula-se em Washington: "Que virá a seguir?"
Mitch McConnell, líder republicano no Senado, diz ser "altamente provável" uma investigação sobre Flynn e a intromissão russa nas eleições americanas. Outros republicanos declaram apoiar tal investigação. Depois da notícia de terça-feira dando conta de que, durante a campanha, houve repetidos contactos entre a equipa de Trump e responsáveis dos serviços secretos russos — escutados pela CIA e pela NSA — o inquérito sobre Flynn pode transformar-se numa investigação sobre a equipa da Casa Branca.
Trump precipitou-se a tentar apagar o fogo. Tem de ser prudente depois de, na campanha, ter ridicularizado os serviços de informação americanos e de ter, ele mesmo, um passado de relações ambíguas com Moscovo. Declarou o porta-voz Sean Spicer: "O Presidente Trump tornou muito claro que espera que o governo russo trave a escalada de violência na Ucrânia e devolva a Crimeia." Moscovo não gostou.
Putin mais longe
Comentou o analista russo Serguei Markov, próximo do Kremlin: "Penso que Trump está a sacrificar temporariamente o reforço dos laços com a Rússia para fortalecer a sua posição. Com estas declarações sobre a Ucrânia e a Crimeia, Trump está a tentar baixar a pressão do Congresso, que está a tentar sabotar o seu programa. A marginalização de Flynn foi organizada pelas mesmas pessoas que querem que as relações com a Rússia permaneçam más."
Markov tem razão: a maior parte dos congressistas republicanos não apoiam a sua política russa. E não só congressistas mas membros do gabinete como o secretário da Defesa, general James Mattis, que viaja para tentar tranquilizar os aliados tradicionais da América.
O estabelecimento de uma relação especial com a Rússia não é uma alínea da política externa de Trump. É o ponto nodal. Trump deu a entender que uma grande negociação com Moscovo deveria conduzir a uma rápida reconciliação. E o "grande negócio" entre as duas potências mudaria os equilíbrios internacionais.
Como empresários, Trump e o secretário de Estado, Rex Tillerson, parecem partilhar da ideia de "diplomacia do negócio" (transactional diplomacy), que em vez de se fundar em princípios e alianças estáveis assentaria em acordos ad hoc e temporários. O que inquieta os aliados tradicionais, na Ásia e sobretudo na Europa, é que um deal com um adversário pode ter prioridade sobre a defesa de uma aliado. Os EUA dariam A, B e C e, em troca, Moscovo daria D, E e F, resume um analista. Cada potência defende os seus interesses nacionais. O que separa Trump dos "realistas" é que não faz dos aliados a base da sua força ou da sua liderança. Esta concepção marca uma ruptura em relação à política americana desde a II Guerra Mundial: Trump sacrifica a liderança do que se designa por Ocidente ao seu America First.
O "negócio" com Moscovo teria como pretexto a aliança antiterrorista, contra o Daesh, e ajudaria Washington nas suas batalhas prioritárias, contra a China ou o Irão, marginalizando ao mesmo tempo a Europa. Os analistas são na maioria muito cépticos em relação aos acordos entre Trump e Putin.
O mais relevante é que os últimos desenvolvimentos ameaçam pôr em causa a margem de manobra e de iniciativa de Trump em relação a Moscovo, onde a desconfiança tenderá a subir também. É um terreno em que Trump se tornou pessoalmente vulnerável, o que facilita a oposição à sua política russa no Congresso, por democratas e republicanos. A sua actual baixa taxa de aprovação na opinião pública diminui o poder de ameaça sobre os críticos. Fica a grande interrogação: vai isto redundar num bloqueio da política externa de Trump?