Dança contemporânea, amor e rock and roll

Longe vão os tempos em que Wim Vandekeybus tinha uma aura de radicalidade: Speak Low if You Speak Love tem tudo para agradar a um público generalizado.

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Não é uma ópera ou um musical, nem um concerto rock ou uma peça de dança-teatro. Speak Low if You Speak Love é um pouco de tudo isso, e aí reside a sua força mas também parte da sua vulnerabilidade, apesar da conhecida vocação do coreógrafo Wim Vandekeybus (Bélgica, 1963) para a transdisciplinaridade.

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Não é uma ópera ou um musical, nem um concerto rock ou uma peça de dança-teatro. Speak Low if You Speak Love é um pouco de tudo isso, e aí reside a sua força mas também parte da sua vulnerabilidade, apesar da conhecida vocação do coreógrafo Wim Vandekeybus (Bélgica, 1963) para a transdisciplinaridade.

Em cena, interagem um grupo rock (bateria, guitarras eléctricas e órgão) dirigido ao vivo por Mauro Pawlowsky (da banda dEUS), cúmplice artístico do coreógrafo, a cantora de jazz sul-africana Tutu Puoane e oito virtuosíssimos jovens bailarinos: exímios na técnica clássica e contemporânea, saltam como molas, rodopiam como piões e voam no ar em barrel jumps, com o mesmo à vontade com que dominam o sapateado, disparam um arco, lançam cordas ou canas de pesca, e executam acrobáticas contorções de malabaristas circenses. Ingredientes suficientes para manter olhos e ouvidos atentos durante os 105 minutos da peça, envolta num imponente aparato cénico: sofisticados efeitos de luz, recaindo sobre sedosos véus translúcidos que circundam o palco, jogam com a visibilidade da banda musical; em contraponto, uma luxuriante selva de bambus, um simulacro de natureza.   

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Que tema servem estes epopeicos dispositivos? O amor, seus labirintos, pulsões, ardis e desenganos. Wandekeybus foi buscar o título da obra a um standard jazz, Speak low, eternizado pela inigualável Billie Holiday, depois de Kurt Weil o ter composto para o musical da Broadway One Touch of Venus (1943), inspirado numa discreta fala de uma peça de Shakespeare.

Sob um contínuo som cavo, um sussurro indecifrável. Um homem de face coberta por uma malha fina arremessa um laço sobre o público; um casal de escasso figurino negro e rosto igualmente oculto, a lembrar pinturas de Magritte, entrega-se a um dueto de intensos embates. Imagens de fuga e predação, das teias da líbido, da proverbial cegueira amorosa. 

O mistério inicial deriva, porém, numa sucessão de quadros onde personagens vão reaparecendo, num registo mais travesso e humorístico: as suas relações são insaciáveis e pueris, obsessivas e caprichosas, sedutoras e dissimuladas, volúveis e gananciosas, e raramente harmónicas. Nesta amálgama entrevêem-se figuras da mitologia clássica (Orfeu e Eurídice, Romeu e Julieta, a silhueta de Cupido) ou viking que coexistem com namoricos em desfiles de majoretes ou entre eufóricos bombos em festa popular. São mil e uma pistas, algumas acertam no alvo e muitas ficam pela superfície, sem encontrar nexos que as justifiquem ou tornem legíveis. Wandekeybus parece ter explorado mais os arquétipos (ou lugares-comuns?) da vertigem passional do que a pesquisa introspectiva com os intérpretes; o que falta à espessura dramática foi transferido para o impacto visual e sonoro e para a destreza dos corpos.

A certa altura um homem tenta repetidamente vestir os calções a uma mulher, divertida citação da dramática cena do abraço inconclusivo de Café Müller (Pina Bausch, 1978), e ocorre-nos o quanto depende da profundidade dos matizes emocionais a demonstração de que comédia e tragédia são irmãs.

Longe vão os tempos em que a linguagem de Wandekeybus, ícone da “vaga flamenga” da nova dança belga dos anos 80 (com Jan Fabre, Anne Teresa de Keersmaeker ou Alain Platel), se revestia da aura da radicalidade. Speak Low If You Speak Love tem tudo para agradar a um público alargado.