As custas do Tribunal Arbitral do Desporto devem diminuir?
As custas do TAD devem ser substancialmente reduzidas para poderem ser adequadas ao quadro constitucional e, em particular, à realidade do fenómeno desportivo em Portugal.
1. A resolução de conflitos desportivos em Portugal sofreu uma mudança muito grande com a entrada em funcionamento do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) no nosso ordenamento jurídico.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
1. A resolução de conflitos desportivos em Portugal sofreu uma mudança muito grande com a entrada em funcionamento do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) no nosso ordenamento jurídico.
Enquanto ponte entre a esfera interna e disciplinar das federações desportivas e a jurisdição dos tribunais administrativos, assumindo, deste modo, a centralidade do nosso sistema de resolução de conflitos desportivos, torna-se impossível escapar à discussão que envolve os problemas jurídicos da arbitragem necessária do TAD.
2. Recentemente, e por particular impulso do bastonário da Ordem dos Advogados, uma das questões mais discutidas no domínio da Administração de Justiça diz respeito à necessidade de diminuição das custas dos tribunais estaduais. Parece, inclusivamente, haver um consenso – pouco comum nos partidos com assento parlamentar – de que deve existir uma diminuição evidente das custas processuais ao ponto de poder ser ponderada a sua redução substancial para um valor simbólico ou, numa situação mais extremada, até a sua eliminação.
Rejeita-se, assim, a ideia de que têm de ser os cidadãos individualmente responsáveis pelo pagamento de parte (substancial) dos custos da Justiça, transferindo-o, pelo contrário, para toda a sociedade. Por detrás deste consenso está, acima de tudo, a sensibilidade de que as partes envolvidas num processo não podem ser afastadas da resolução dos seus litígios com base na excessiva onerosidade das custas. Por outro lado, não podemos, porém, esquecer-nos que os tribunais estaduais portugueses padecem de uma litigiosidade elevada (sem analisarmos as causas desta realidade) que, muitas vezes, impede uma resolução rápida do litígio.
3. Neste contexto, não é despiciendo referir que o centro arbitral designado como TAD permitiu que se imprimisse uma maior celeridade na resolução dos conflitos administrativos, mas não deixa de apresentar como maior crítica a elevada onerosidade das suas custas. Num plano do domínio da sua adequação à realidade portuguesa, parece-nos óbvio que as custas do TAD não são, nem de perto, nem de longe, ajustadas ao cenário de crise económica em que se encontra submerso o associativismo desportivo português.
Não é possível que o Estado se demita de se responsabilizar pelo exercício da função jurisdicional – pelo menos num primeiro momento – e, paralelamente, exija que o ónus do financiamento de um centro arbitral recaia sobre as potenciais partes. Esta será a conclusão a extrair ainda que se registe um elevado mérito em termos qualitativos e de eficácia das decisões do TAD.
A contra-argumentar, numa tentativa de “salvar” o elevado valor das custas do TAD, pode apontar-se, em particular, a circunstância de existir apoio judiciário para quem – por motivos de grave insuficiência económica – não acede à jurisdição do TAD.
A solução legal de consagração de apoio judiciário no regime jurídico que rege a arbitragem necessária do TAD é acertada – e permite afastar um juízo de constitucionalidade evidente –, mas não elimina as dúvidas sobre as restantes situações em que se encontram alguns cidadãos que, embora não se encontrando numa situação de dificuldade económica extrema, ainda assim não têm forma de fazer face às custas (ou que o fazem com muito sacrifício pessoal e económico), em particular, quando são a parte que perde num processo perante o TAD.
4. É por este caminho que se deve nortear o juízo de inconstitucionalidade do TAD. Por um lado, pela excessiva onerosidade das custas que são uma espécie de “castigo” para a parte que tenha tentado fazer valer um direito em juízo e, por outro lado, pela necessidade de impedir que as partes em conflito não tenham uma excessiva dificuldade em, querendo, chegar à potencial pronúncia de um tribunal administrativo em recurso de uma decisão do TAD.
No fundo, não pode ter como consequência prática, com o estabelecimento de custas elevadas, que os cidadãos se vejam impedidos de exercer quer o seu direito de acesso ao direito, quer o “direito ao recurso” do tribunal arbitral necessário para os tribunais administrativos.
5. No entanto, é isto que sucede no regime legal do TAD, nomeadamente, nos termos dos artigos 76.º e seguintes da Lei n.º 74/2013, alterada pela Lei n.º 33/2014, em conjugação com a portaria n.º 301/2015.
A taxa de arbitragem (o impulso processual) varia entre os 750€ e os 5000€, sendo que só o valor mínimo pode, inclusivamente, suplantar o valor final da parte perdedora que acede, em geral, aos tribunais administrativos.
Àquele valor acrescem os encargos com o processo arbitral, os quais se subdividem (i) nos honorários dos colectivos de árbitros e (ii) nos encargos administrativos. Os primeiros compreendem valores entre 2500€ a 30.000€ e os segundos oscilam entre 75€ a 500€. As partes são ainda responsáveis pelo pagamento de outras despesas. Todos estes valores são, a final, acrescidos de IVA.
Não será muito difícil concluir que as custas no TAD são substancialmente superiores às dos tribunais administrativos. Esta circunstância coloca, de modo nada razoável, em risco a esfera económica de um conjunto de cidadãos que: (i) ou pagam as custas elevadas do TAD (o impulso inicial por ambas as partes e o valor total das custas pela parte que perde); (ii) ou deixam de propor acções no TAD.
Por outro lado, este facto pode ter implicações no “direito ao recurso” das decisões do TAD, uma vez que mesmo que as partes não se sintam pressionadas – a pressão pode, em regra, assentar num risco económico demasiado alto – a não propor acções no TAD, a existência de um elevado esforço económico, num primeiro momento, pode colocar em causa um potencial “direito ao recurso” a exercer nos tribunais administrativos.
6. Neste contexto, não temos dúvidas de que deve ser aproveitado o consenso global para uma substancial redução das custas no TAD, não devendo este problema ser esquecido pelo executivo, nem pelos partidos políticos. As dificuldades jurídicas das elevadas custas arbitrais no desporto não se podem ignorar, podendo até mencionar-se a existência de um exemplo a seguir. Este modelo poderá ser o da arbitragem de consumo. Trata-se de um modelo de sucesso que apresenta como vantagem existirem custas ajustadas (nalguns casos até gratuitas), permitindo dirimir litígios com baixo valor económico. O que temos por certo é que o legislador não pode ficar indiferente a um problema real. Deve-se, pois, concluir que as custas do TAD devem ser substancialmente reduzidas para poderem ser adequadas ao quadro constitucional e, em particular, à realidade do fenómeno desportivo em Portugal.