O mistério dos bancos apoiados pelo Estado e as PME
As ajudas aos bancos são sempre polémicas, principalmente quando correm mal. Mas, mesmo quando correm bem, as coisas complicam-se quando as informações são confusas, muitas vezes com a preciosa ajuda de políticos. Por exemplo, o dinheiro que se perdeu com o Banif é isso mesmo, uma perda, enquanto o capital alocado ao BCP e ao BPI geraram retorno. O cenário podia ser muito melhor com um factor aparentemente simples: transparência pública.
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As ajudas aos bancos são sempre polémicas, principalmente quando correm mal. Mas, mesmo quando correm bem, as coisas complicam-se quando as informações são confusas, muitas vezes com a preciosa ajuda de políticos. Por exemplo, o dinheiro que se perdeu com o Banif é isso mesmo, uma perda, enquanto o capital alocado ao BCP e ao BPI geraram retorno. O cenário podia ser muito melhor com um factor aparentemente simples: transparência pública.
Quando, no meio de uma das maiores crises de sempre, se apoia o sistema financeiro com milhares de milhões, e se assiste ao colapso de instituições com uma factura arrepiante (caso do BPN e Banif), o mínimo que se pede é que nos vão dando conta, de forma isenta e proactiva, do destino do dinheiro. Infelizmente, estamos muito longe de ver isso acontecer. E o mais grave ainda é que há perguntas óbvias que ficam sem resposta.
Não sei se uma petição ajudaria, mas o Ministério das Finanças, que até tem uma conta no Twitter para divulgar as políticas do Governo, podia ter uma página no seu site com todos os dados sobre os apoios aos bancos. Talvez então se conseguisse desvendar aquilo que se apresenta como um verdadeiro mistério: o do financiamento às Pequenas e Médias Empresas (PME) a que estavam obrigados os bancos que receberam apoios do Estado através dos chamados Coco’s (capital contingente, ou instrumentos híbridos de capital, essencial para a sua recapitalização e que obrigaram ao pagamento de juros).
Esta quinta-feira, e após o sucesso do aumento de capital, o BCP anunciou ao mercado que conseguira pagar os 700 milhões de euros que ainda devia ao Estado. Foi o símbolo do “regresso à normalização” do banco, com as Finanças, 15 minutos depois do BCP, a enviar um comunicado a destacar a importância da operação, e que uma das suas prioridades é “o robustecimento do sistema financeiro e a melhoria das condições de financiamento das empresas e das famílias portuguesas”.
Pois bem, só é pena é que nem o Governo, nem o BCP, bem como a CGD (que também recebeu 900 milhões em Coco’s, agora absorvidos via aumento de capital), saibam dizer de que forma é que a lei ligada à aplicação dos Coco’s foi cumprida no apoio às PME. Os bancos visados por este apoio público (o BCP chegou a receber 3,5 mil milhões) tinham de aplicar “no quadro do plano de recapitalização estabelecido com o Estado Português, 30 milhões de euros por ano num fundo que investirá em participações sociais em PME e em sociedades com grau de capitalização médio portuguesas”. Que montantes foram de facto aplicados, numa altura crucial em termos de financiamento empresarial? Que empresas foram seleccionadas ou preteridas, e de que forma?
As perguntas, cujas respostas deviam estar desde logo disponíveis sem esforço, encontram um muro de silêncio no BCP, CGD (os que tinham ainda empréstimos activos) e nas Finanças. Foi o anterior executivo quem desenhou o sistema, mas é este quem agora o controla e se mudam as cores de quem governa não mudam as leis nem os organismos do Estado. A informação tem de estar em algum lado, e se se procurou e não achou é porque algo foi muito mal feito. Numa sociedade onde o sistema financeiro se assume como vital, obrigando, por isso, à aplicação de avultadas somas de dinheiro público, este é precisamente o tipo de situações que não devem ocorrer. E a melhor forma de o evitar é pensar, desde logo, numa forma de prestar, de forma clara, todas as informações que possam ser públicas.