A nova série da semana é Legion. Marvel, X-Men... mas é boa?
Aposta da Fox, afasta-se dos arquétipos e dos efeitos especiais para namorar as narrativas não lineares. Legion é uma doença ou um super-ser?
Perante uma nova série, normalmente há duas perguntas. Número um: É sobre o quê? Número dois: é boa?. Legion suscitou outra pergunta ao crítico Alan Sepinwall – “será esta a primeira série de BD verdadeiramente boa?” Com estreia na segunda-feira às 21h10 na Fox, é um cometa invulgar no universo X-Men, uma série Marvel que não tem heróis a lutar contra vilões num festival de arquétipos e efeitos especiais. É sobre o que é ser diferente, ter poderes que parecem uma doença (e sim, tem alguns efeitos especiais). Se é boa?
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Perante uma nova série, normalmente há duas perguntas. Número um: É sobre o quê? Número dois: é boa?. Legion suscitou outra pergunta ao crítico Alan Sepinwall – “será esta a primeira série de BD verdadeiramente boa?” Com estreia na segunda-feira às 21h10 na Fox, é um cometa invulgar no universo X-Men, uma série Marvel que não tem heróis a lutar contra vilões num festival de arquétipos e efeitos especiais. É sobre o que é ser diferente, ter poderes que parecem uma doença (e sim, tem alguns efeitos especiais). Se é boa?
É mais Charlie Kaufman do que Charles Xavier, e isso é bom. É feita por gente de bom currículo e muitos críticos que, como o PÚBLICO, já viram o primeiro episódio, confirmam a aposta forte de início de ano da Fox em Portugal (e do canal FX nos EUA). Já se fala em Emmys, escreve-se que “nunca houve nada assim na televisão” e até “obra-prima”.
Legion é uma adaptação do comic homónimo de Chris Claremont e Bill Sienkiewicz por Noah Hawley, nome que levou o filme dos irmãos Coen ao sucesso televisivo com Fargo e que está a adaptar Kurt Vonnegut para a TV. Tem como protagonista Dan Stevens, o britânico de Downton Abbey e High Maintenance que agora encarna uma história americana de relvados aparados, rapaz-conhece-rapariga e as vozes que ouve na cabeça.
Estreou-se dia 8 nos EUA e tem por base livros muito menos populares do que as narrativas centrais dos X-Men ou de outros heróis aos quadradinhos. Distanciando-se do trabalho que o Netflix tem estado a fazer com a Marvel Studios em Jessica Jones ou Luke Cage, da abordagem mais convencional de Agentes da S.H.I.EL.D. (Fox) e ainda mais do equilíbrio entre lutas e pausas dramáticas dos filmes X-Men e da sua profusa prole (Wolverine, novos reboots), Legion é um homem, David Haller, e é uma espécie de visita ao lado adocicado do psicadelismo e da esquizofrenia – até deixar de o ser. O seu ponto de vista é também o do espectador, e é a perspectiva de um poderosíssimo mutante que não está sob a alçada do patriarca e organizador do grupo de mutantes conhecidos como X-Men, Charles Xavier.
A sua companheira de viagem (Rachel Keller) tem o nome cósmico de Syd Barrett, como o mítico membro dos Pink Floyd, e conhecem-se num hospital psiquiátrico chamado Clockworks, como na Laranja Mecânica de Stanley Kubrick que muito influenciou os autores da nova série televisiva. Haller é parente de uma figura importante dos X-Men, mas como a adaptação do comic não é directa não se arriscam spoilers; também não é “preciso” ter conhecimentos deste universo para ver a série, ela parece querer ser muito mais um drama psicológico do que uma cartilha de um universo nerd expandido; sobre se haverá cruzamento com personagens já conhecidas, os produtores não confirmam nem desmentem. Mas Haller, portanto, pensa que é esquizofrénico até que, numa delirante estafeta entre o que é real ou não ao longo da primeira hora dos oito episódios previstos, deixa de negar que é de facto - aquela palavra tão X-Men – um mutante.
A fotografia e o design de produção com vibrações 60s e 70s ajudam à narrativa pouco linear e a incluir na história, como se convencidos pela terapia da cor (as alusões a Wes Anderson são frequentes), “uma personagem tão perturbadora que, em 1991, um dos guionistas dos comics de X-Men se recusou a escrever sobre ele, considerando-o demasiado disfuncional para a equipa” de super-heróis, como lembra Emily Nussbaum na New Yorker. “Não é suposto sabermos onde estamos ou que ano é”, confirma Michael Wylie, director de arte da série, ao Daily Beast. O que é ou não real e o sofrimento de Haller permitem muito mais drama humano do que cenas de efeitos visuais espampanantes (que existem).
Nem personagem nem actor sabem, na verdade, o que é real – “a minha esperança é que, quando virem a primeira hora, embora possa não ser claro o que cada imagem significa e qual a informação que é suposto recolher, [saibam que] as respostas vão chegar” disse Hawley à revista Time. Não quer “manipular nem enganar” mas sim “pôr-vos no estado de espírito da personagem e revelar a realidade à medida que ele a descobre”. É aqui que entram as outras comparações constantes, desta vez a O despertar da mente que deu o Óscar de argumento a Charlie Kaufman; o primeiro episódio é exactamente o que Sepinwall descreve no Uproxx – “uma mind trip”.