Lajes: o que quer Trump dos Açores?

Com a mudança de inquilino na Casa Branca, o futuro da Base das Lajes pode ter um final feliz. Figuras próximas da nova Administração norte-americana têm defendido a continuidade da presença militar nos Açores, e o interesse chinês pela Terceira é olhado com desconfiança por Washington.

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A Base das Lajes interessa a americanos e chineses Miguel Madeira

Mais do que a forte comunidade açoriana nos Estados Unidos – estima-se que o número ultrapasse um milhão de pessoas entre emigrantes e descendentes – é o futuro da Base das Lajes que concentra as preocupações dos Açores nestes primeiros dias de Administração Trump.

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Mais do que a forte comunidade açoriana nos Estados Unidos – estima-se que o número ultrapasse um milhão de pessoas entre emigrantes e descendentes – é o futuro da Base das Lajes que concentra as preocupações dos Açores nestes primeiros dias de Administração Trump.

 A expectativa sobre o que fará o novo Presidente norte-americano com o relatório elaborado pelo Pentágono, ainda com Barack Obama na Casa Branca, é grande e será preciso aguardar pelo próximo mês de Maio para conhecer melhor a sensibilidade de Donald Trump nesta matéria.

A próxima reunião da Comissão Bilateral Permanente entre Portugal e Estados Unidos, criada para acompanhar o processo de transição na Terceira, está marcada para essa altura. É o primeiro encontro desde que os republicanos chegaram a Washington, mas as conversas informais têm ocorrido desde a primeira hora.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros confirmou esta semana ao PÚBLICO que o futuro da Base das Lajes tem sido aflorado nos contactos entre os dois países. O assunto foi abordado, antes ainda da tomada de posse de Donald Trump, pelo embaixador português em Washington, Domingos Fezas Vital, num encontro que manteve na embaixada portuguesa com Walid Phares, o conselheiro para política internacional do novo Presidente norte-americano. A reunião teve lugar no mesmo dia em que Marcelo Rebelo de Sousa telefonou a Trump a felicitá-lo pela eleição. A base na Terceira foi um dos temas da conversa, mas o teor não foi pormenorizado por Belém.

A narrativa do Palácio das Necessidades, como reforçou o gabinete do ministro Augusto Santos Silva ao PÚBLICO, tem sido a de que as “expectativas do Ministério dos Negócios Estrangeiros” não se alteraram com a “mudança da Administração” norte-americana, mas nos corredores admite-se que o actual ambiente político em Washington possa beneficiar as pretensões portuguesas.

Uma das principais vozes defensoras da continuidade da presença dos Estados Unidos nos Açores tem sido o congressista luso-descendente Devin Nunes. Republicano, e próximo de Trump, foi nos últimos dois anos director do influente Comité do Serviço de Informações da Câmara dos Representantes e poderá ser uma figura-chave neste processo.

Nunes, que integrou o núcleo duro da equipa de transição do novo Presidente norte-americano, espera que a sua Administração volte a analisar o processo de abandono dos Açores e insiste que a instalação nas Lajes do Centro Conjunto de Análise de Informações, da Defense Intelligence Agency, representa uma poupança de 1,5 mil milhões de dólares a longo prazo, em contraponto com a localidade de Croughton, em Inglaterra, onde o Pentágono pretende instalar o centro. “Espero que o Departamento de Defesa, sob uma nova liderança, olhe de novo para os benefícios que a base tem”, disse recentemente o congressista, citado pela Lusa.

Para esta equação contribui também (e muito) o interesse mal disfarçado que a China tem demonstrado pela posição geoestratégica dos Açores. O relacionamento entre Pequim e Washington vive momentos de alguma tensão, e se Trump não vê com bons olhos o crescimento da influência chinesa no Pacífico, pior veria uma base, mesmo que não militar, da China no meio do Atlântico. Uma possibilidade que António Costa admitiu, quando visitou Pequim no ano passado.

Isso mesmo nota Francisco Semião. O luso-descendente que integrou a Coligação Nacional para a Diversidade da campanha de Trump, é external advisor do Presidente, depois de ter recusado por “motivos profissionais” um convite para integrar a Administração. “O interesse da China pode funcionar a favor de Portugal, porque será difícil para os Estados Unidos aceitarem, até por razões de segurança nacional, uma base chinesa no Atlântico”, argumenta ao PÚBLICO o director da National Organization for Portuguese Americans (NOPA).

“Esse cenário será muito preocupante para Trump”, acrescenta, destacando ainda a “influência” de Devin Nunes na Casa Branca e a mudança de política externa que a nova Administração quer imprimir como factores que podem determinar um retrocesso na saída norte-americana das Lajes.

“O congressista Devin Nunes tem sido um elemento muito importante no processo de decisão em curso nos Estados Unidos”, reconhece também o gabinete de Augusto Santos Silva, admitindo que existem novas condições para negociar com Washington. Sobre a mesa estão três cenários. Um passa pela continuidade da presença militar nas Lajes e o consequente reconhecimento da importância estratégica da base. O segundo explora o reforço da cooperação bilateral em termos de segurança marítima. E a terceira via debruça-se sobre a possibilidade de os Açores funcionarem como uma plataforma de investigação científica internacional sobre os oceanos, o clima e até o espaço – aproveitando sempre as instalações já existentes nas Lajes.

Os Estados Unidos anunciaram em Janeiro de 2015 a redução de 500 militares e o despedimento de 400 trabalhadores portugueses. O downgrade ainda não foi concluído, mas o emagrecimento já verificado do contingente norte-americano e saída de portugueses está a ter um profundo impacto negativo na economia da ilha.