Carta de Protesto e solidariedade

Em Portugal, um colectivo de realizadores, produtores, actores, técnicos e distribuidores, festivais de cinema e associações profissionais escreveu uma carta aberta ao governo português, que aqui é publicada, e recebeu apoio da comunidade internacional do sector.

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Daniel Rocha

Há várias décadas que Portugal é tido como um caso à parte no contexto da produção cinematográfica mundial. Tratando-se de um país pequeno, sem mercado interno para sustentar uma indústria, é raro o ano em que surja nas salas de cinema mais do que uma dúzia de longas-metragens nacionais. Mas, apesar disso, é elevadíssima a percentagem desses filmes com presença em festivais internacionais. A partir da década de 80, e de um modo sistemático, o cinema português tem sido objeto de mostras e homenagens; tal como têm sido organizadas retrospetivas de vários cineastas portugueses – uns em atividade (alguns deles assinam este texto), outros infelizmente já desaparecidos (João César Monteiro, Paulo Rocha, Fernando Lopes, António Reis, José Álvaro Morais, António Campos ou, claro, Manoel de Oliveira). O “milagre” desta desproporcional visibilidade internacional no contexto de tão escassa produção - atravessando décadas distintas e diferentes gerações de autores - deve-se certamente ao mérito dos realizadores, dos técnicos, dos atores e dos produtores de cinema em Portugal. Mas o mérito também residiu numa política cultural que  fomentou a produção de um cinema marcado por uma forte singularidade das suas propostas, bem como estabeleceu as bases para lhe garantir liberdade criativa. Assim se consolidou a imagem do cinema feito em Portugal.

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Há várias décadas que Portugal é tido como um caso à parte no contexto da produção cinematográfica mundial. Tratando-se de um país pequeno, sem mercado interno para sustentar uma indústria, é raro o ano em que surja nas salas de cinema mais do que uma dúzia de longas-metragens nacionais. Mas, apesar disso, é elevadíssima a percentagem desses filmes com presença em festivais internacionais. A partir da década de 80, e de um modo sistemático, o cinema português tem sido objeto de mostras e homenagens; tal como têm sido organizadas retrospetivas de vários cineastas portugueses – uns em atividade (alguns deles assinam este texto), outros infelizmente já desaparecidos (João César Monteiro, Paulo Rocha, Fernando Lopes, António Reis, José Álvaro Morais, António Campos ou, claro, Manoel de Oliveira). O “milagre” desta desproporcional visibilidade internacional no contexto de tão escassa produção - atravessando décadas distintas e diferentes gerações de autores - deve-se certamente ao mérito dos realizadores, dos técnicos, dos atores e dos produtores de cinema em Portugal. Mas o mérito também residiu numa política cultural que  fomentou a produção de um cinema marcado por uma forte singularidade das suas propostas, bem como estabeleceu as bases para lhe garantir liberdade criativa. Assim se consolidou a imagem do cinema feito em Portugal.

A política cultural que permitiu este cinema e que abriu as portas à diversidade, assentou em Leis do Cinema e num Instituto Público, o ICA, que as aplicou, organizando de forma continuada concursos públicos para o apoio financeiro à produção de filmes, com regras de participação transparentes e critérios de avaliação compatíveis com uma política promovida pelo Ministério da Cultura e com júris escolhidos pelo Instituto cujo perfil é definido por lei como “personalidades com reconhecido mérito cultural e idoneidade”. Assim, foram chamados à função de júri cineastas e técnicos de cinema, bem como críticos, artistas plásticos, escritores, arquitetos, músicos, programadores culturais ou professores universitários para aprovarem os projetos de filmes.

A partir de 2013, um decreto-lei regulamentador da Lei do Cinema e uma nova direção do Instituto de Cinema e Audiovisual de Portugal (ICA), mostrando-se alérgicos à responsabilidade e desconhecedores do papel regulador que o ICA deve ter no processo, transferiram a tarefa da escolha dos júris para um comité onde estão representados todos os interessados no resultado dos concursos de apoio: associações profissionais, representantes das televisões, representantes dos operadores de audiovisual, entre outros. Passou, então, a ser este comité corporativo a indicar ao ICA os nomes dos júris que  avaliam os projetos de filmes, num claro conluio de interesses em muitos dos casos entre nomeados e quem nomeia.

O resultado não se fez esperar: os requisitos exigidos no regulamento sobre o perfil dos júris, “personalidades de reconhecido mérito cultural”, deixaram manifestamente de fazer sentido tendo em conta os atuais jurados. Nos últimos anos contam-se entre os decisores dos projetos de cinema, administradores de bancos com ligação ao cinema ou diretores de marketing de operadoras de telecomunicações...

O atual governo, refém da pressão exercida por operadores da televisão por cabo,  prepara-se agora para homologar um novo decreto-lei que perpetua e agrava este procedimento. Um conjunto muito representativo de realizadores e produtores portugueses manifestou-se contra este sistema promíscuo e viciado, assegurando à tutela que se recusam terminantemente a fazer parte do processo de nomeações: não querem ter influência na nomeação de júris nem aceitam que outros interessados nos resultados dos concursos possam participar do processo. Acreditam que a transparência só pode ser assegurada se a nomeação de júris regressar à exclusiva competência do ICA. De uma vez por todas, querem uma direção do ICA capaz de assumir as suas responsabilidades, estando consciente do seu duplo papel de executor da política cultural para o cinema e de regulador desta atividade.

Os subscritores desta carta de protesto querem recordar ao Estado que o Cinema Português não é uma questão exclusivamente nacional. Por isso, prestam  a sua solidariedade com os realizadores e produtores portugueses que se têm oposto a este processo e manifestam o seu repúdio, caso o decreto-lei seja homologado.

Signatários

 

Maren Ade, realizadora, Alemanha

Pedro Almodovar, realizador, Espanha

Olivier Assayas, realizador, França

Jacques Audiard, realizador, França

Alberto Barbera, Director Artístico Festival de Veneza, Itália

Frédéric Bonnaud, Director Geral da Cinemateca Francesa

Laurent Cantet, realizador, França

Leos Carax, realizador, França

Carlo Chatrian, Director Artístico Festival de Locarno, Suíça

Stéphane Delorme, chefe de redacção de Cahiers du Cinéma e toda a redacção da revista

Arnaud Desplechin, realizador, França

Lav Diaz, realizador, Philippines

Jacques Doillon, realizador, França

Bruno Dumont, realizador, França

Philippe Garrel, realizador, França

Haden Guest, Director Harvard Film Archive, E.U.A.

Aki Kaurismaki,  realizador, Finlândia

Pablo Larrain, realizador, Chile

La SRF, Associação dos Realizadores de Filmes, França

Dennis Lim, Director Artístico da Film Society Lincoln Center, New York Film Festival, E.U.A.

Sergei Loznitsa, realizador, Ucrânia

Lucrecia Martel, realizadora, Argentina

Cristian Mungiu, realizador, Roménia

Rithy Panh, realizador, Camboja

Olivier Père, Director Geral / ARTE France Cinéma, França

Sylvie Pras, Directora do Departamento Cinema do Centro Pompidou, França

Gianfranco Rosi,  realizador, Italia

Walter Salles, realizador e produtor, Brasil

Todd Solondz, realizador, E.U.A.

Charles Tesson, Director Artístico da Semana da Crítica do Festival de Cannes

Apichatpong Weerasethakul, realizador, Tailândia

A lista completa de signatários pode ser consultada aqui:http://www.doclisboa.org