Reforma urgente
É vital que haja consenso político e que se fixe um modelo de organização administrativa que optimize o funcionamento do Estado.
Ainda a ser desenhada nos gabinetes e negociada nos bastidores por iniciativa do Governo e conduzida pelo ministro adjunto, Eduardo Cabrita, a desconcentração da administração é uma das reformas mais importantes em décadas. Sob o nome de descentralização, os seus contornos finais ainda não estão fixados, mas a dimensão da desconcentração de competências pode adquirir patamares que tornem decisiva esta mudança do funcionamento do Estado.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Ainda a ser desenhada nos gabinetes e negociada nos bastidores por iniciativa do Governo e conduzida pelo ministro adjunto, Eduardo Cabrita, a desconcentração da administração é uma das reformas mais importantes em décadas. Sob o nome de descentralização, os seus contornos finais ainda não estão fixados, mas a dimensão da desconcentração de competências pode adquirir patamares que tornem decisiva esta mudança do funcionamento do Estado.
Não partilho do argumento de que a importância da desconcentração se deve à proximidade que cria com o cidadão. Este argumento é não só demagógico mas também falso, numa época em que o mundo está lido em rede. A proximidade entre os serviços do Estado e os cidadãos seus utentes tem sido feita — naquilo que é outra importantíssima reforma em curso — pela modernização do funcionamento dos serviços públicos a cargo da ministra da Presidência e Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques.
A importância fulcral da desconcentração tem a ver com a optimização da prestação de serviços pelo Estado aos cidadãos. Ou seja, descentralizar e redesenhar a organização dos serviços públicos a nível local de forma coordenada é uma mais-valia que só beneficiará o país. É vital a coordenação integrada de serviços que funcionam de forma autista, devido à disparidade do mapa territorial administrativo de recorte diverso para cada sector, que levam a procedimentos diferentes na mesma região ou obrigam as empresas a obedecer a regras variadas consoante o ponto do país onde operam. É por isso que há urgência em concretizar esta reforma que tem sido adiada há duas décadas. É por isso que é vital que haja consenso político e que se fixe um modelo de organização administrativa que optimize o funcionamento do Estado.
O Presidente da República sabe isso. Daí o empenho que tem posto nesta causa. Há duas décadas, Marcelo Rebelo de Sousa era líder do PSD e, nessa condição, condicionou e negociou com António Guterres, então primeiro-ministro e secretário-geral do PS, uma revisão constitucional decisiva. Marcelo conseguiu impor aos socialistas a velha bandeira de Sá Carneiro do referendo nacional.
As vitórias foram múltiplas. A despenalização do aborto foi adiada em referendo. Os socialistas constitucionalizaram a regra de que regionalização do país tinha de ser referendada. A consulta pública ocorreu também em 1998 e a criação de 12 regiões que refaziam o mapa administrativo ficou enterrada até hoje. À época, o modelo defendido pelo PSD de Marcelo baseava-se no modelo já então existente de cinco comissões de coordenação regional, criadas em 1979 e em 2003 rebaptizadas com o nome de comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR).
O PSD não aderiu nem adere a cem por cento à regra da eleição directa de novos responsáveis. Daí a importância de o Governo propor que a eleição dos presidentes das CCDR seja indirecta, através de um colégio de autarcas. E que, para obter consenso político, adie para 2021 a eleição directa dos presidentes das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. Mais: está disponível para que o diploma sobre áreas metropolitanas seja feito sob a forma de projecto de lei apresentado pelos grupos parlamentares — nomeadamente do PS — e não por proposta de lei do Governo, retirando assim peso político à proposta.
A premência de um consenso político alargado é absoluta. O modelo encontrado pode ser melhorado. O Governo prevê, nomeadamente, que a transferência de competências para as CCDR seja feita depois das autárquicas e até 2019. Mas o perfil administrativo não deve andar a ser mexido por cada Governo. E o consenso tem de abranger também os autarcas. É normal que estes façam exigências em fase negocial, mas não fazia sentido quererem a garantia de novas contratações. A regra-travão à admissão no Estado, imposta em 2011 pela troika nos Orçamentos do Estado, desapareceu no OE 2017. E primeiro terão de integrar os funcionários que vão receber da administração central e equiparados. Não é sério querer atamancar esse assunto numa reforma administrativa que é urgente.