Mais uma estalada jurídica para o senhor Trump
Os “checks and balances” poderão estar mais frágeis hoje do que há 100 anos, mas continuam a servir o propósito original: impedir déspotas e a tirania do partido maioritário.
Esta semana a Economist legendou uma fotografia com a frase “Dial 911 to call your congressman”. O 911 é o nosso 112 e há muitos americanos com vontade de chamar uma ambulância ou a polícia para travar a derrapagem autoritária.
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Esta semana a Economist legendou uma fotografia com a frase “Dial 911 to call your congressman”. O 911 é o nosso 112 e há muitos americanos com vontade de chamar uma ambulância ou a polícia para travar a derrapagem autoritária.
A boa notícia é que não será preciso fazê-lo já.
A decisão da 9ª Circunscrição do Tribunal Federal de Recursos mostrou uma coisa: a separação de poderes do sistema americano está bem e recomenda-se. Os “checks and balances” poderão estar mais frágeis hoje do que há 100 anos, mas continuam a servir o propósito original: impedir déspotas e a tirania do partido maioritário.
Donald Trump dá sinais de não compreender o sistema, mas não há nada de inocente na sua estratégia. Amplificar o alarme, o medo e a desconfiança em relação às instituições foi, justamente, o que o levou à Casa Branca.
Há coisas que Trump pode fazer com razoável facilidade, como virar a filosofia de multilateralismo ao contrário e reduzir drasticamente o papel dos EUA nas estruturas internacionais. Cortar na ONU não é uma hipótese académica. Nos anos 1980, Ronald Reagan cancelou o financiamento à UNESCO; nos anos 1990, Bush-pai congelou os pagamentos dos programas para a População e para o Desenvolvimento; e nos anos 2000, Bush-filho voltou a não contribuir para a UNESCO e saiu do Conselho da ONU para os Direitos Humanos. Os EUA chegaram a acumular uma dívida à ONU de 1,5 mil milhões de dólares.
Mas há coisas que Trump não pode fazer sozinho. Uma delas é despedir juízes federais, como os que estão a bloquear a sua ordem presidencial contra estrangeiros e refugiados de países muçulmanos. Só o Congresso pode demitir um juiz federal e para isso tem de abrir um processo de impeachment, que corre pela Câmara dos Representantes e pelo Senado. É igual ao impeachment dos Presidentes – lembram-se de Bill Clinton? Em toda a história dos EUA, só oito juízes federais foram condenados através de um impeachment. Quando são nomeados, os juízes federais (hoje são 700) exercem o cargo até à reforma ou até à morte. Na 9ª Circunscrição, há 15 juízes com mais de 80 anos e dois têm 94. Os outros 29 são jovens de 60.
Trump diz que estes juízes estão a ser “políticos” e “activistas”, mas esta não é uma guerra ideológica. James Robart (o agora famoso so called judge) foi nomeado por Bush-filho e os três juízes que confirmaram a suspensão foram nomeados por Carter, Bush-filho e Obama. A decisão foi unânime. E debate está apenas a começar. Muitos juízes federais são filhos de refugiados e de imigrantes. Só nos 44 juízes da 9ª Circunscrição, há um ex-refugiado da Roménia, uma juíza que nasceu no Vietname, outra cujos pais emigraram do México e até um nisei (filho de imigrantes japoneses) que esteve preso num dos campos de internamento forçado que os EUA criaram na II Guerra Mundial. Estas são as pessoas sobre quem o Presidente disse, num tweet, não perceberem “ideias que maus alunos de liceu percebem!”.
O tribunal concluiu que a Administração Trump não apresentou “qualquer prova” que demonstrasse riscos de segurança que justificassem a proibição de entrada no país. Não admira. Desde 1980, quando introduziram regras de selecção mais apertadas nas fronteiras, os EUA receberam mais de três milhões de refugiados e nenhum matou americanos ou participou em ataques terroristas. Li na Time que a probabilidade de um americano ser morto por um refugiado é 48 vezes menor do que a de ser morto por um asteróide. Um em 3,6 mil milhões.
Uma última boa notícia. Já sabíamos que os tweets de Trump fazem cair o valor das acções na bolsa. Agora, ficámos a saber que os tweets presidenciais vão ser devolvidos a Trump em forma de estaladas jurídicas. Os juízes do Tribunal Federal de Recursos deixaram claro que podem ser admitidos como prova em tribunal.