Mal a polícia saiu da rua em Espírito Santo, eclodiu a violência
Polícia Militar reivindica aumentos salariais. Há pilhagens e armas apontadas à cabeça de motoristas — 95 mortos em seis dias. Com as medidas de austeridade, aumentam no país os protestos e a instabilidade social
Foi o sexto dia sem a Polícia Militar nas ruas e estima-se que tenham morrido já pelo menos 95 pessoas no estado do Espírito Santo, no Brasil. Um protesto das famílias dos polícias deixou o estado sujeito a uma onda de violência e assaltos que nem a presença do Exército conseguiu travar. É mais um episódio ligado à crise económica que se agudiza no Brasil, com medidas de austeridade a aumentar protestos e instabilidade social.
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Foi o sexto dia sem a Polícia Militar nas ruas e estima-se que tenham morrido já pelo menos 95 pessoas no estado do Espírito Santo, no Brasil. Um protesto das famílias dos polícias deixou o estado sujeito a uma onda de violência e assaltos que nem a presença do Exército conseguiu travar. É mais um episódio ligado à crise económica que se agudiza no Brasil, com medidas de austeridade a aumentar protestos e instabilidade social.
Moradores assustados mantinham-se fechados em casa e os media mostram ruas desertas na cidade de Vitória, capital do estado. Chegou a haver corpos nas ruas da cidade por falta de câmaras frigoríficas no Instituto de Medicina Legal.
Escolas e postos de saúde estavam fechados, assim como muitos estabelecimentos comerciais. O sindicato dos motoristas de autocarro disse que nenhum veículo saiu, depois de na véspera ter havido problemas. “Houve assaltos, arma na cabeça de motorista obrigando-o a invadir uma loja para os meliantes poderem assaltar”, enumerou o presidente do sindicato, Edson Bastos. “Prefiro pagar um preço pela minha atitude do que chorar um motorista”, concluiu.
A polícia civil também suspendeu durante algumas horas as suas actividades após a morte de um agente, atingido a tiro quando intervinha num assalto a um motociclista.
Havia inúmeros relatos de ladrões usando carrinhas lançadas em marcha-atrás contra lojas, que eram esvaziadas em minutos. Um comerciante contou à revista Veja que as suas duas lojas foram assaltadas duas vezes. Na segunda, um vizinho disparou contra os assaltantes. O diário Estado de São Paulo conta que em alguns prédios, moradores juntaram-se para contratar segurança privada, e outros grupos juntaram-se em piquetes para dissuadir assaltantes.
Muitos habitantes dizem que a decisão de enviar militares para a cidade não está a resultar. “Exército, qual exército? Não tenho visto ninguém na rua”, desabafava ao portal UOL o comerciante Danilo Fonseca. O Governo enviou, na terça-feira, 200 militares para o estado de dois milhões de habitantes, mas a violência continuou e o número de mortos não parou de subir. “A situação está precária, estamos reféns da bandidagem”, dizia Gelde Gomes, doméstica.
“Greve branca”
Uma empregada de farmácia atendia os clientes através de uma pequena janela aberta numa grade, mas era uma excepção. A comerciante Helena Coelho conta que decidiu fechar depois de poucas horas de portas abertas: “Quando passava um carro mais suspeito, já estávamos com medo”. “Foi melhor fechar. Agora ficam as contas para pagar”, disse.
Segundo as contas da Federação do Comércio, os prejuízos dos seis dias de paralisação da Polícia Militar chegam aos 4,5 milhões de reais (1,35 milhões de euros). A Federação do Comércio anunciou que disponibiliza 1 milhão de reais (cerca de 300 mil euros) em empréstimos sem juros.
O protesto começou na sexta-feira, com famílias dos elementos da Polícia Militar (que fazem o policiamento das cidades no Brasil) a bloquear a sua saída dos quartéis, para assim contornar o facto de os polícias estarem impedidos pela Constituição de fazer greve. Mas a justiça do estado já classificou a paralisação como “greve branca” e determinou uma multa de 100 mil reais por dia às associações que representam os polícias militares.
Estes queixam-se de não ter aumentos nem ajustes à inflação há cinco anos e reivindicam subsídios de alimentação, de risco, e um complemento por horário nocturno. O seu salário-base é de 2643 reais (cerca de 790 euros), o pior do Brasil, segundo disse o responsável da associação, Thiago Bicalho, ao UOL.
O governo do estado, a norte do Rio de Janeiro, nega dialogar com as famílias ou os polícias nestas condições. Fartos da insegurança, uma série de moradores de Vitória fizeram uma contra-manifestação pedindo o regresso dos polícias às ruas, chegando a bloquear uma avenida com pneus a arder, levando à intervenção dos militares, que dispersaram o protesto.
Austeridade e agitação social
Este é mais um caso de um estado com falta de verbas em autoridades estaduais e municipais, onde as medidas de austeridade têm efeitos em serviços básicos como educação, saúde, e segurança. No Rio de Janeiro, por exemplo, o governo tem tido dificuldades em pagar salários a polícias, professores e médicos. O governo e as associações de polícias negaram estar-se a preparar para a cidade um protesto semelhante ao de Espírito Santo.
O chamado Índice de Agitação Social, que mede a “saúde social”, aumentou no Brasil 5,5 pontos percentuais, enquanto no resto do mundo aumentou apenas 0,7, segundo o Jornal do Brasil – o que indica mais possibilidade de protestos e manifestações.
O professor de ciência política Guilherme Carvalhido sublinhava que os problemas sociais no Brasil não desapareceram com a melhoria económica dos últimos anos, mas ficaram escondidos. Quando a situação económica piora, ficam expostos e prontos a emergir.
No mês passado, motins em prisões levaram a cerca de 140 mortes em vários estados do país.