“Seria assim tão necessário um acordo ortográfico?”
A audição do presidente da Academia das Ciências de Lisboa na Comissão Parlamentar de Cultura deixou no ar muitas dúvidas e uma única certeza: o acordo ortográfico nasceu torto. E “andamos nisto há 27 anos”.
Não foi uma reunião para aprovar nada, nem para apresentar propostas de carácter científico, apesar de estar em causa o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AO). Aliás, a presidente da comissão, Edite Estrela, quando se começou a falar de algo mais técnico, advertiu: “Estamos na AR, não estamos na Academia de Ciências”. Por isso, a audição do presidente da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), Artur Anselmo, na Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, a pedido do Bloco de Esquerda, foi mais um confronto entre a iniciativa da ACL de propor “melhoramentos” ao AO e as dúvidas dos vários deputados presentes. Artur Anselmo tinha consigo uma pequena delegação: Manuel Alegre (escritor e ex-deputado do PS), Martim de Albuquerque (jurista, ex-director da Torre do Tombo) e Ana Salgado (lexicógrafa que preparou os documentos para uma eventual revisão do AO).
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Não foi uma reunião para aprovar nada, nem para apresentar propostas de carácter científico, apesar de estar em causa o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AO). Aliás, a presidente da comissão, Edite Estrela, quando se começou a falar de algo mais técnico, advertiu: “Estamos na AR, não estamos na Academia de Ciências”. Por isso, a audição do presidente da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), Artur Anselmo, na Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, a pedido do Bloco de Esquerda, foi mais um confronto entre a iniciativa da ACL de propor “melhoramentos” ao AO e as dúvidas dos vários deputados presentes. Artur Anselmo tinha consigo uma pequena delegação: Manuel Alegre (escritor e ex-deputado do PS), Martim de Albuquerque (jurista, ex-director da Torre do Tombo) e Ana Salgado (lexicógrafa que preparou os documentos para uma eventual revisão do AO).
Edite Estrela começou por dizer que estava ali em discussão “um assunto muito importante” e Jorge Campos, do BE, quis saber por que motivo estas propostas surgiam agora; e se tinham sido avalizadas por linguistas; e se tem havido contactos com a Academia Brasileira. E outros deputados quiseram saber ainda mais: porque é que a Academia se colocava agora “como uma entidade paralela, quando sempre foi entidade integrante” do processo, perguntou Gabriela Canavilhas; e como será possível fazer “pequenos acertos quando se trata de um tratado internacional, quis saber José Carlos Barros, do PSD, autor da proposta que levou à criação de um grupo de trabalho para avaliar o impacto do AO na sociedade portuguesa.
Artur Anselmo falou de um “ambiente de descompressão”, favorável à discussão do tema, disse que a Academia Brasileira já tinha avançado ela própria com “melhorias” ao AO e deixou claro que a ACL não foi ouvida enquanto instituição neste processo porque o seu presidente à data (Malaca Casteleiro, nome que não foi invocado) se envolveu sem convocar sequer plenários. E quando lhe perguntaram por que motivo a ACL não participava nas reuniões do IILP (Instituto Internacional da Língua Portuguesa, com sede em Cabo Verde), respondeu que sempre que a Academia solicitou ao Instituto Camões uma comparticipação nesse sentido, lhe foi dito que não havia verba. Ana Salgado disse também que a Academia enviou vários contributos para o Vocabulário que está a ser feito pelo IILP, mas que até hoje nunca teve resposta. Mesmo assim, a Academia, disse, tem 56 colaboradores a trabalhar num novo Dicionário, que deve estar pronto em fins de 2018.
Problema maior: com que ortografia? Com a antiga? A nova? A nova emendada? A ACL quer levar a discussão mais adiante. Manuel Alegre e Martim de Albuquerque, ambos contra o AO, falaram em abertura e “boa vontade”. Mas Alegre alertou: “Nenhum acordo pode uniformizar uma língua que vale pela sua diversidade.” E Martim de Albuquerque acrescentou: “Se a ideia era a unificação, Angola e Moçambique não ratificaram. Portanto isso é um mito”. Teresa Caeiro, do CDS-PP, foi contundente, afirmando que o AO foi um “total fracasso linguístico, político, cultural, social e jurídico”; Jorge Campos, do BE, disse: “Não me parece bom caminho um processo de sucessivas correcções e ajustamentos”; e Ana Mesquita, do PCP, reafirmando que o seu partido foi o único que votou contra o AO, sublinhou: “Andamos há 27 anos nisto! Devíamos ter começado há mais tempo.” E começou, lembraram outros, mas sem sucesso. “Será que era assim tão importante um acordo ortográfico?”, perguntou ainda Ana Mesquita.
A pergunta ficou sem resposta. Mas com uma certeza: a discussão continuará. Gabriela Canavilhas, que defendeu o AO, disse, quase no final, que foi dar um concerto ao Brasil e lhe “traduziram” o texto para “brasileiro”. Ana Salgado, respondendo a tal indignação, disse apenas: “Tenho uma má notícia para lhe dar: os textos vão continuar a ser adaptados”. Com ou sem AO. E isso reforça a pergunta do PCP: era assim tão importante um acordo ortográfico?
RECTIFICAÇÃO: Apesar das declarações contidas neste texto, na verdade o PCP absteve-se quando o acordo ortográfico foi votado no Parlamento. Na reunião plenária da Assembleia da República de 4 de Junho de 1991, a proposta de resolução n.º 48/V (que aprovou, para ratificação, o acordo ortográfico) foi aprovada com votos a favor do PSD, do CDS, do PRD e de 12 deputados do PS. Votaram contra 16 deputados do PS e os deputados independentes Helena Roseta, Jorge lemos e José Magalhães. O PCP absteve-se. Está feita a rectificação.